terça-feira, julho 02, 2019

Diário de um peladeiro – Parte XVI – Não é como andar de bicicleta


Dizem que certas coisas na vida são como andar de bicicleta: a gente aprende uma vez e não esquece mais. Nem sempre, porém, isso é verdade...
Uma vez no final da década de 80, mais precisamente novembro de 1988, vi um jogo entre Flamengo e Sport Recife. O jogo entre os Campeões Brasileiros de 1987. Vitória, claro, do Campeão legítimo, o Flamengo, com o time que seria a base - junto com o Vasco daquele ano - da Seleção Brasileira das próximas duas Copas do Mundo, inclusive a Campeã de 94.
O jogo terminou 2x1 para o Flamengo, que, aliás, não sei se já mencionei, foi o único e verdadeiro e legítimo Campeão Brasileiro de 1987. Título doado por caridade e compaixão ao Sport Recife. Quem dá aos pobres empresta a deus...
Mas como eu ia dizendo, um dos gols mais impressionantes que vi na vida, foi naquele ano, neste jogo. Mas não foi do Flamengo. Foi gol de empate de Robertinho, ex-Flamengo, que marcou pelo Sport. Ele, de costas para área, matou no peito e virou, chutando de primeira. Saiu um míssil que foi no ângulo do hoje saudoso Zé Carlos. Sem chances de defesa.
Aquela jogada me impressionou tanto que tratei de treinar aquilo por vários dias. Receber a bola de costas para o gol e chutar de virada. Treinava sozinho ou pedia para um amigo mandar a bola. Treinei matar no peito, matar na coxa, no chão... Mas sempre virando e chutando.
Acertei isso em várias peladas, mas queria fazer em jogo “oficial”. Finalmente, em dezembro de 1988, teve um jogo pelo time do Moinho de Vento. O adversário era o Colégio Volta Redonda. 
Criamos uma jogada em que eu saía da minha querida lateral direita e aparecia como homem surpresa, mas sempre de costas para a área. 
A primeira jogada já deu certo. A bola veio, mas não pelo alto, não como para Roberto Oliveira Gonçalves do Carmo. Para mim ela veio rápida e baixa. Quicando. Eu matei na mesma posição, na entrada da grande área, e girei. O chute saiu forte e no alto. Entrou no ângulo encobrindo o goleiro. Sim, tive o meu dia de Robertinho.
Lembrei disso na pelada de hoje porque, até pela falta de preparo físico, fico fazendo essa posição de pivô. Por três vezes hoje, eu recebi a bola de uma maneira que era só fazer aquele giro e chutar. Não fiz nenhuma das vezes. Afinal, pensei: “E se a coluna quebrar no meio do processo?”. Pois é, amarelei. Não é como andar de bicicleta.
Mas vocês vão ver. Vou treinar de novo esse movimento e voltarei a ter meu dia de Robertinho.
Perdi um monte de gol. Falta de frieza. Excesso de ansiedade. Todas as vezes que matei a bola, a marcação chegou. Na vez que resolvi chutar com mais agilidade... Bom, era a vez errada. 
Enfim, é para isso que o futebol serve para mim. Confesso que não é só para manter a forma. Mas para eu entender melhor minha ansiedade. Entender como ela se processa no meu belíssimo cérebro e, quem sabe, controlar e destruí-la um belo dia. Não existe nada mais perfeito para se testar a ansiedade do que ter uma bola nos pés e saber que tem poucos segundos para resolver o que fazer com ela. Futebol é o jogo da vida, amigos!
Acabei fazendo um gol no final. Um passe cirúrgico dentro da área. Consegui colocar a bola lá no canto, bem longe do goleiro de novo. O passe foi 90% do gol. Mas quem liga? Já são quatro peladas seguidas sem deixar de marcar. Eu agradeci e estou oficialmente autorizado a ficar otimista.
Saldo de 2019:
16 jogos
11 gols
Clinton Davisson é jornalista, mestre em comunicação, pesquisador, roteirista e escritor. Ao contrário da maioria dos brasileiros, ele nunca foi a Harvard, mas publicou quatro livros, inclusive a série de ficção científica Hegemonia que vai ser relançada em outubro de 2019.

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