sexta-feira, setembro 24, 2021

E eles foram embora

 


Depois de dois meses, a festa acabou. Os meninos voltaram a morar com a mãe que já está recuperada, graças aos deuses. Durante dois meses eu pude ser pai deles em tempo integral de novo depois de 7 anos. É bem diferente de ver apenas nos finais de semana. É diferente quando você é o responsável por alimentar eles todo dia. Quando você pode ensinar valores como a importância de eles lavarem a louça e passarem um pano no chão todo dia sem precisar pedir.

É diferente quando você propositalmente os enche de comida porque estão em fase de crescimento e você não consegue falar não quando pedem mais um bife, mais dois sanduíches, mais um prato de macarronada. Você faz o possível para deixá-los felizes porque passaram por um incêndio e quase perderam a mãe. Você gasta tudo que tem para que eles esqueçam o trauma. Compra sorvete, compra açaí, compra churros, leva para praia, leva para passear de carro para que não lembrem do incêndio. Compra roupas novas porque perderam muita coisa. Mas eles não reclamam, apenas agradecem. Pedem permissão para poder pegar o chocolate que você comprou para eles, mesmo depois de você dizer que comprou para eles.

O medo pelo excesso de Coca-Cola e aí você compra garrafinhas d’água bonitinhas para incentivar a tomar mais água e fica feliz porque gasta um galão de água mineral por semana, já que Rio das Ostras em geral não tem água encanada, mesmo depois de 20 anos, então você tem sempre que comprar água mineral.

Não tem mais conversas sobre o universo, a vida, política, sobre meninas e como eles vão fazer quando se apaixonarem por alguém. A paciência de ensiná-los a dirigir. Enxugar as lágrimas deles quando estão preocupados com a mãe. Ensinar que não pode gritar com a mãe. Ensinar que, quando acontecer algo errado, que falem comigo. Não precisam resolver sozinhos agora, que vai chegar um dia em que eles terão que resolver tudo sozinhos, mas não agora.

Agora a casa está silenciosa. Eu parto para outro desafio que pode me ajudar a ser um pai melhor para eles. A chance de estar ainda mais presente. Mas para isso, vou ter que me afastar um pouco. E por mais que tenha a confiança na competência da mãe em cuidar deles, sei que a função dela não é ser pai. Eu tenho que fazer a minha parte, custe o que custar.

Agora a casa está silenciosa, mas não completamente. Eu ouço um choro infantil, bem baixinho em alguns momentos. Dá para imaginar uma criança que machucou o joelho e tá fazendo beicinho. Dá para imaginar uma criança que teve arrancado tudo o que era importante. Aí, percebo que o choro é meu. Porque nunca na vida me senti tão sozinho.