terça-feira, julho 15, 2008

Borges no mosteiro

Era uma vez um médico chamado Flávio Medeiros que se ofereceu de cobaia para uma experiência genética. Não foi um gesto totalmente altruísta, a motivação principal foi a lasanha coberta com molho branco e parmesão oferecida pela junta de pesquisa. Após três horas e cinco agulhadas, o resultado estava pronto: um clone chamado Fábio Fernandes, feito a sua imagem e semelhança.

- Não vou dividir a lasanha com ele – avisou Flávio antes de pegar a recompensa e ir embora para casa.

A chefe do laboratório, a biomédica Cristina Lasaitis, passara anos planejando a clonagem bem sucedida, mas, infelizmente, esqueceu de pensar o que faria com o resultado da experiência.

Como solução, pensou em mandar o clone para uma peregrinação de conhecimento através do planeta.

- Não vou criar uma anta no meu laboratório – comentou.

Com o tempo, Fábio foi estudando e adquirindo conhecimento com as maiores mentes do mundo e se tornou um dos cérebros mais poderosos da terra. Preocupada em ter seu projeto mais secreto divulgado ao mundo, Christie resolve manda-lo a um templo budista onde ele será obrigado a manter voto de silêncio durante um ano – tempo necessário para poder encontrar uma solução definitiva para o problema.

Chegando ao monastério de Xuiai Xuiai, na província de Can-can-can, zona norte do Tibet. Fábio teve algumas dificuldades iniciais na sua iniciação dogmática. Um dos monges, vindo da província de Saint-Clair na França, tinha idéias meio estranhas sobre posições para meditação. Sem poder gritar socorro, a solução foi usar uma arte antiga oriental, chamada chu-teno-sacu. Infelizmente, o monge revidou e Fábio rompeu o silêncio:

- AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHH

Foi uma confusão danada. Cheio de monges correndo para todos os lados. A notícia chegou até Lasaitis que não ficou nada satisfeita com o alvoroço feito pelo seu projeto secreto. Uma semana depois chega uma carta endereçada a Fábio.

“oi, querido

Estou sentindo muitas saudades. Nossa, que barra você deve estar passando aí, ein? Nós aqui do laboratório estamos te dando a maior força e torcemos muito pelo seu sucesso.

Queria avisar que ao tocar na parte interna deste envelope você foi exposto a meu novo projeto de nano-tecnologia. São robôs microscópicos que detonarão uma explosão termonuclear de 15 megatons caso você ultrapasse a emissão de 50 decibéis de sons dentro do mosteiro. Para evitar que você exploda durante a suas necessidades higiênicas diárias, programamos os robôs desarmarem sua detonação caso, haja barulho de descarga de um vaso sanitário em até 70 segundos após a geração do som.

Outra coisa, se você gritar perto de alguém, ou vice-versa, os nano-robôs provavelmente vão infectar essa pessoa e ela terá passar pelo mesmo procedimento da descarga, tudo bem?

No mais, estou com saudades,

Beijos,

Sua Christie”

Em um primeiro momento, Fábio ficou desesperado. Mas logo depois os seus conhecimentos e sabedoria suplantaram as regiões inferiores do cérebro e ele traçou um plano para passar os dias restantes que lhe faltavam no mosteiro. Com um disciplinado programa de leitura na biblioteca do templo, os dias foram passando rapidamente até com muita alegria. Para sorte dele havia uma coleção completa de Jorge Luiz Borges que o deliciou por várias semanas.

Finalmente, quando faltavam apenas três dias para o fim de seu retiro forçado, mas agora prazeroso, Fábio notou um certo tumulto entre os monges. Se pudessem falar, seria um zum-zum-zum, mas o voto de silêncio transformou a coisa em um hum-hum-hum.

Um novo convidado havia chegado. Mas Fábio não se interessou, preferiu continuar a ler a arte do mestre argentino.

Naquela mesma noite, ao vagar pelo terraço mais alto aproveitando a luz da lua cheia para leitura, Fábio se deparou com uma figura conhecida. Era o mesmo cara das fotos do verso dos livros de Borges, ou seja, o próprio Borges. Mas como? Ele havia morrido em 1986, como poderia estar ali diante dele, em toda a sua magnitude?

Neste momento, um turbilhão de pensamentos tomaram seu cérebro como se fosse o exército na favela em época de evento internacional no Rio. Guerra e paz engalfinhados e intercalados em tempos indefinidos. Fábio lembrou dos espelhos, da Biblioteca de Babel, do livro de areia e diversas criações geniais daquele monstro ali parado; era como se pudesse engolir todo o seu conhecimento acumulado com um simples suspiro. Queria gritar, tinha que gritar, tinha que dizer alguma coisa. Perguntar... Sei lá. Olhou para os lados. O Borges ali parado e ninguém fazia nada, ninguém tomava uma providência!

Queria gritar. Mas não podia! O voto de silêncio, a bomba, não, não, NAAAÃOOO!

- CARALHO, É VOCÊ MESMO!!! – bradou a plenos pulmões. – VOCÊ É O JOSÉ LUIZ BORGES! EU SOU O SEU FÃ NÚMERO 1, CARA!

Imediatamente, se deu conta do que havia feito. Xingou mais um palavrão para espanto do argentino a sua frente. O que fazer agora? Iria destruir ele e Borges em poucos segundos.

A descarga! Procurou um banheiro próximo e encontrou do outro lado do terraço. Mais cinco segundos de pânico e não teve mais dúvidas: pegou Borges pelo braço e puxou. O mestre, logicamente, tomou um susto e tentou resistir. Correu para o outro lado, mas Fábio o pegou de novo e puxou. Virou um cabo de guerra entre Brasil e Argentina. Os segundos passando e a existência de Borges na terra chegando ao fim. Fábio já não ligava mais para sua integridade física, só não queria privar o mundo de Borges novamente.

Calculou que faltavam apenas uns 30 segundos. Respirou fundo e desferiu um cruzado de direita no queixo do argentino conseguindo um nock-down imediato. Fábio então colocou Borges nas costas e correu em direção ao banheiro. Próximo ali, alguns monges observavam em seu hum-hum-hum, mas estupefatos demais com o espetáculo para lembrarem de interferir.

No meio do caminho, Fábio ainda escutou um murmuro zombeteiro e malicioso do conhecido monge de Saint-Clair. “O que será que ele vai fazer com o velhote no banheiro?”.

Faltavam agora cinco segundos. Fábio conseguiu entrar no banheiro carregando Borges nas costas e dar a descarga.

- Ah! Que alívio! – gritou gerando ainda mais huns-huns-huns.

Ao acordar, minutos depois. O escritor argentino explicou a Fábio que ele também fazia parte das experiências loucas de Lasaitis.

- Ela quer usar este mosteiro como um celeiro dos maiores escritores de todos os tempos. Por isso clonou minha pessoa com uma mecha de cabelo de meu cadáver e me mandou para cá.

- Mas onde eu entro nisso? – Eu não tenho quase nada publicado, como posso estar nessa seleção de escritores?

- Você eu não sei, mas um novo cientista estava fazendo parte do projeto já há alguns meses. Ele se chama Tibor Moricz e é especialista em viagens no tempo. Eles me explicaram que, pouco antes de você nascer, conseguiram fazer viagens ao futuro e descobriram que o Flávio Medeiros, seu modelo original, se tornará um dos maiores escritores brasileiros da história. Como ele tem esse fraco por lasanhas, acharam mais fácil convence-lo com um tabuleiro com molho branco do que explicar a história toda.

- Mas vamos ficar presos aqui para sempre? Não há escapatória?

- Reza a lenda que dois clones conseguiram fugir já, se chamam Osmarco e Octávio. Mas não posso te confirmar se é verdade.

Neste momento, a porta se abre e aparece ninguém menos do que Clinton Davisson.

- Nossa, Clinton! Você também vai se tornar um dos maiores escritores de todos os tempos e por isso está aqui?

Com sua cara de sono e seu inseparável boné do Tekodom, Clinton pede educadamente aos cavalheiros que saiam do banheiro.

- Olha, eu não sei se vou ser não. Mas o fato é que estou precisando de uma grana para sustentar os gêmeos e a Christie falou que ia me pagar uma grana legal se eu lavasse esses banheiros do mosteiro. Então vão dando licença ai, sabe com é, “tempo é dinheiro”...

A Paixão segundo Mel Gibson

segunda-feira, julho 14, 2008