sábado, dezembro 09, 2017

Westworld – A série (sem spoilers)




No desespero de tentar fazer um novo Game of Thrones, a HBO resolveu encurtar o verdadeiro Game of Thrones porque estava ficando muito caro e aí fez uma série mais cara ainda. Após a primeira temporada, a constatação do óbvio: Westworld não é Game of Thrones e deixou muita gente irritada com isso. No meu caso, fiquei irritado porque não havia necessidade de gastar grandes somas de dinheiro numa série que se destaca justamente pelas sutilezas e interpretações. Mas se essa grana toda foi investida a maior parte no elenco, a gente até perdoa, porque trata-se de dois pontos fortes de Westworld: elenco e roteiro.
Ironicamente, a surpresa agradável reside no fato de Westworld não ser Game of Thrones. Não se trata de uma imitação, de uma tentativa de repetir fórmulas parecidas. De fato, a única semelhança entre as duas séries é a profusão de “nudes” jogados na tela e que, honestamente, não atrapalha em nada a história, ao contrário, os nus fazem parte da atuação agora muito mais que em Game of Thrones. Temos peitos, bundas e pintos para todos os gostos. Se você é moralista aconselho a não ver nenhuma das duas séries e procurar uma igreja ou um mosteiro. Já vou avisando que há sexo nesses lugares também.
Fora isso, Westworld é pura ficção científica com pitadas de western. Baseado no filme de 1973 escrito e dirigido por Micheal Crichton que trazia a história de um parque que com três ambientes que simulavam épocas distintas: o velho oeste, a era medieval e a Roma antiga. Neste cenários, robôs incrivelmente realistas proporcionavam aos humanos o prazer de matar, roubar, estuprar e cometer os maiores atrocidades de maneira impune, uma espécie de GTA ao vivo. Tudo vai bem até que os robôs começam a bugar e querer matar os humanos sem razão aparente. Lembrando que o mesmo Micheal Crichton que, anos depois, escreveria o livro Jurassic Park que viraria o famoso filme de Steven Spielberg (roteiro também de Crichton) e que também fala de um parque aonde as atrações se voltam contra os visitantes.
Já a série foca apenas (ao menos nessa primeira temporada) no mundo do velho oeste. Já em relação à psique dos personagens, ela vai mais fundo e, claramente, escolhe o lado dos robôs. Assim, ficamos conhecendo Dolores (Evan Rachel Wood), uma bela jovem que vive intrigada com sua própria realidade. Ela busca uma postura otimista na vida enquanto é ocasionalmente morta e/ou estuprada. Sua narrativa regular envolve presenciar a morte de seu pai e sua mãe, só para ser salva por um “hospede” humano que quer viver a experiência de ser o mocinho da história e salvar a bela em perigo.
Nem todos os hóspedes, porém, querem ser mocinhos. A grande vantagem do lugar é justamente ficar livre de limitações morais. Imagine um lugar em que todas as pessoas que fazem comentários anônimos em sites de notícia pudessem fazer tudo que postam? Pois é... Assim, conhecemos o frio e sinistro homem de preto (Ed Harris) que está a mais de 30 anos jogando regularmente no parque e que tem uma queda para cometer atrocidades com mulheres, crianças e qualquer coisa que cruze o seu caminho.
A exemplo do Doutor Hammond de Jurassic Park, temos o Doutor Robert Ford (Antony Hopkins)como o dono e diretor do parque com ideias muito próprias sobre suas criaturas e umas intriguinhas entre a equipe e a diretoria. Temos também a figura de Bernard (Jeffrey Wright) como o segundo em comando. Um homem que parece compensar as perdas pessoais de um filho morto no passado com um apego especial aos robôs como se esses fossem seus novos filhos.
Como toda boa série, temos várias histórias paralelas, desde a dupla de novos hóspedes, o inocente Willian (Jimmi Simpson) e seu cunhado babaca, Logan (Ben Barnes). A robô prostituta (Thandie Newton) e o bandidão local Hector Escaton (Rodrigo Santoro) sempre querendo infernizar a cidadezinha local para roubar um cofre.
Como eu não sou exatamente um apaixonado por filmes do velho oeste, não consigo imaginar alguém pagando para viver nesse mundo. Aliás, tenho sérias dúvidas se iria caso me pagassem. E mesmo se houvessem na série cenários medievais e romanos como no filme, por mais que goste de história, tenho horror a banho frio. Então, parte da motivação da coisa para mim já é fraca. Há certos mistérios dentro de mistérios na série que incomodam por lembrar da má resolução de Lost, série que eu gostei muito mas, como a maioria dos seres humanos que a assistiram, não agradei do final. Westworld de fato abusa dos chamados mistérios não resolvidos, por exemplo, nunca fica claro como controlam um lugar tão gigantesco com tantas narrativas simultâneas e como técnicos e diretores fazem para chegar tão rápido em toda parte. O sistema de segurança dos parques de Micheal Crichton também são uma droga e seus funcionários não passariam um psicotécnico da Petrobras.
Dito isso, vamos a parte boa. Há uma ousada narrativa não linear que é diferente dos flashbacks e flashfowards de Lost e isso contribui para que fiquemos sempre com um pé atrás sobre o que está realmente acontecendo.
As discussões que a série se propõe sobre o que é identidade, o que é consciência, o que é estar vivo, renderão pano para muito estudos de narrativas num futuro bem próximo. As interpretações são impecáveis. Antony Hopkins não sai muito do padrão Hanibal Lecter, mas o fato é que ter um parque de robôs dirigido por Hanibal Lecter é realmente uma ideia sinistramente interessante. Rodrigo Santoro faz bonito como o robô estilo clichê de mexicano bandoleiro, só que charmoso. Jeffrey Wright está excelente como Bernard, mas as melhores chances de ganhar muitos prêmios estão com a dupla feminina Thandie Newton e Evan Rachel Wood. Ambas são robôs que vão aos poucos tomando consciência de sua própria natureza, cada uma a seu jeito e cada uma reagindo a sua maneira. Além da soberba interpretação de máquinas divididas entre a crescente consciência e questionamentos sobre suas identidades, também há momentos em que o lado “mecânico” toma conta e uma crise de choro pode ser bruscamente interrompida por um comando de voz. 
A atuação delas é literalmente visceral. Thandie Newton aparece em 40% de todas as suas cenas totalmente nua. Ao mesmo tempo em que chama a atenção para o belo corpo, também não deixa de mostrar com as rugas e os seios digamos não tão firmes aos 44 anos, a bela atriz mostra a decadência do que seria uma prostituta em final de carreira, desencantada com a vida, podemos sentir a dor que ela carrega de suas muitas vidas e, ao mesmo tempo, a força de uma máquina que se descobre superior aos seus criadores. Assim, quando a vemos nua em uma sala, atuando com dois homens vestidos, é impressionante como fica claro que a vulnerabilidade é toda dos homens e não dela.
Já Evan Rachel Wood às vezes é mostrada quase como uma estátua ou uma pintura. E quando o inocente Willian começa a se apaixonar por ela, parte de nós se apaixona junto.
Enfim, o grande trunfo de Westworld está no roteiro bem amarrado, infelizmente, isso só dá para saber com certeza vendo todos os episódios - e mais de uma vez. Talvez isso seja pedir demais para uma plateia, talvez não. Mas o fato é que se trata de uma série inteligente que buscou uma personalidade própria ao invés de tentar ser um Game of Thrones no oeste. Talvez falte um personagem para a gente torcer como Tyrion Lennister, ou um vilão que a gente queira morto como Joefrey. Não há um grande perigo como os caminhantes brancos ou uma grande batalha a ser travada, mas Westworld tem reflexões sobre a natureza humana que chegam em boa hora nesse mundo parece se deparar com uma encruzilhada aonde quem posava de mocinho não convence mais ninguém, deixando espaço para as caricaturas populistas de Putin, Trump, Maduro ou Bolsonaro que oferecem descaradamente fantasias infantilizadas. É uma série que, no final das contas, faz pensar em uma época em que precisamos realmente pensar e questionar a realidade em que vivemos.