domingo, fevereiro 05, 2017

Lúcifer – resenha da primeira temporada (sem spoilers)

Antes de mais nada, não li as versões em HQ mas já sei que desvirtuaram muito o personagem. Então, vamos nos ater a série.
Bom, para quem não sabe, Lúcifer é uma série de tevê que conta a história de ninguém menos que o diabo em pessoa. Ele se enche de tomar conta do inferno e resolve largar tudo e abrir uma boate em Los Angeles chamada Lux. Sim, trata-se de uma comédia com lances dramáticos e muitos elementos policiais.
Cinco anos depois de chegar ao mundo dos humanos, Lúcifer (Tom Ellis) já está devidamente estabelecido e feliz com sua vida de dono de boate; acompanhado por sua aliada, um demônio chamado Mazikeen (Lesley-Ann Brandt), quando seu irmão Amenadiel (D. B. Woodside), outro arcanjo, chega com a missão de convencê-lo a voltar para seu emprego antigo, ou seja, tomar conta do inferno. Lúcifer continua fazendo pactos e trocando favores. Nenhuma mulher parece imune ao seu charme e ele continua, claro, imortal. Para desespero de Amenadiel, ele não tem vontade alguma de retornar para o inferno.
Tudo muda quando o diabo conhece a detetive Chloe Decker (Lauren German) que não apenas parece imune a todo seu charme, como também de alguma forma o torna vulnerável (mortal) quando está próxima a ele.
Por um lado, Lúcifer parece uma cópia escancarada de The Mentalist e um pouco também House, ou seja, um personagem totalmente anárquico, que caga para as regras e normas da sociedade mas que acaba desarmando as pessoas e resolvendo crimes com seus talentos. A parte mais fraca da série é justamente cair para o lado policial, ou seja, todo episódio tem um crime a ser desvendado por Satanás. É muita preguiça e desperdício de personagem. Os poderes de Lúcifer também são incrivelmente limitados. Ele apenas tem seu charme, persuasão, super força e invulnerabilidade. Para descobrir quem cometeu um crime, ele precisa investigar. Nada de onipotência e onipresença. Mas vamos combinar, se ele fosse mais poderoso, daria um trabalho danado para os roteiristas e inviabilizaria o orçamento da série. Ou seja, aceitar um diabo com poderes limitados é fundamental para se divertir com a série.
Já por outro lado, a série tem seus muitos pontos fortes. Primeiro com os atores. Tom Ellis está perfeito como um diabo fora do convencional e, ao mesmo tempo, bem pesquisado. Afinal, não vamos esquecer que a história original (depois da Bíblia, claro) é do genial Neil Gaiman (que criou o personagem, mas não fez a primeira HQ solo) que sempre faz o dever de casa. A igreja (católica) não atribui oficialmente Lúcifer como um ser causador do mal e sim como um anjo caído. E é assim que Tom Ellis o interpreta, como um filho rebelde de Deus que recebeu a missão de cuidar do inferno e, ao mesmo tempo, questiona o amor de seu pai. Fascinado com a raça humana, ele se ressente de ter todo o mal atribuído a ele, uma vez que os humanos possuem o livre arbítrio. O Diabo de Ellis se mostra como uma criança mimada com um brinquedo novo nas mãos, nesse caso, a população de Los Angeles. Ao mesmo tempo, o ator mostra determinada fragilidade e simpatia que nos faz torcer pela sua versão do Coisa Ruim.
A versão apresentada por Gailman e pela série já causou polêmica e protestos entre religiosos por apresentar um diabo tão simpático, mas aí não é problema meu.
Outro diferencial de Lúcifer é como os personagens e situações vão sendo explorados de maneira inteligente. Um dos momentos geniais da série é quando Lúcifer resolve se consultar periodicamente com uma psicóloga (Rachael Harris) para resolver sua “crise dos 10 bilhões de anos” e tentar resolver as questões de família.
As relações com o irmão Amenadiel interpretado pelo ator negro D. B. Woodside rendem também ótimas situações. 
Lauren German não economiza em beleza para tornar a sua detetive, Chloe Decker, um elemento típico de shippers, ou seja, aquele relacionamento clichê em que todos os expectadores vão ficar torcendo para acabar em romance entre ela e Lúcifer. Chloe é uma personagem muito bem montada. É filha de uma atriz de sucesso relativo dos anos 80 (Rebeca de Mornay) e de um policial. Sendo assim, antes de seguir a carreira do pai, ela tentou seguir a carreira da mãe, fazendo um filme adolescente em que aparece nua, algo que gera boas situações de humor e também funciona para explicar bem as motivações da personagem. Além disso, ela é separada e tem uma filha Trixie (Scarlett Estevez) que está sempre testando a paciência e a simpatia de Lúcifer, que diz que não gosta de crianças mas, é claro, vai ter seu coração demoníaco conquistado por Trixie.
Apesar de seguir a fórmula episódica de crime da semana a ser desvendado, o roteiro é bastante inteligente quando demonstra consciência dos clichês com os quais está lidando. Assim, o ex-marido de Chloe e pai de Trixie, Dan (Kevin Alejandro) é um policial que tem sua subtrama com segredos e reviravoltas. Claro que queremos que ele seja o cara mal para justificar o possível romance entre Lúcifer e Chloe. O roteiro sabe disso e brinca (tortura) com a gente sem nos chamar de idiotas.
Enfim, Lúcifer nos passa a impressão de ser uma série com pouca pretensão, pouco dinheiro (os efeitos especiais são discretos e ruins), mas que entrega sempre bons roteiros e ótimas atuações.
Se você for um religioso pouco inteligente, do tipo que comemorou a morte da esposa de Lula, melhor ver algo na Rede Record. Também não é indicado a quem busca uma trama mais séria e densa. Lúcifer é apenas um pouco mais adulto e mais apimentado que Once Upon a Time (que eu ainda adoro). 
Mas confesso que, mesmo achando alguns episódios repetitivos, acabei gostando do resultado final, ao menos da primeira temporada. Que venha a segunda.