terça-feira, julho 02, 2019

Diário de um peladeiro – Parte XIX – Sobre foco, motivação e os cadáveres do Everest

Se não me engano, foi o cara do “Dicas do He-Man” que escreveu lá pelos idos de 2017: “Lembre-se. Todo cadáver no Everest já foi alguém extremamente motivado”. Este ano, alguém teve a sacada de colocar um adendo para dar uma alfinetada, talvez uma flechada, na modinha dos Coachs. Assim, ficou: “Dica anti-coach – Lembre-se que todo cadáver no Everest já foi uma pessoa extremamente motivada e fora da zona de conforto”.
Esse “espírito de coach” me acompanha desde meu primeiro emprego em Juiz de Fora, como vendedor de cursos de inglês. Estavam na moda alguns gurus do entusiasmo como Lair Ribeiro, Paulo Coelho, James Redfield e Richard Bach outros “trocentos” autores que se especializaram em criar maneiras mais coloridas de nos dizer que há esperança. Pessoalmente, nunca levei muito a sério estes autores, mas gosto de como abordam a questão da esperança. De quando afirmam que vivemos em um mundo onde ter esperança e ser otimista pode fazer a diferença para alcançar um resultado. Na prática, claro, a coisa não é bem assim. Nos acostumamos a ver casos de sucesso de um Neymar, Usain Bolt, Pelé, Mohammed Ali, como se fossem a regra quando, na verdade, são raras, muito raras exceções. Para cada Romário na Vila da Penha, tem mil moleques que morreram e não é figura de linguagem. Mas é justamente aí é que está a beleza dos livros de autoajuda. Quando nos fazem perceber que temos sempre uma escolha. Um dia, certamente, todos nós vamos morrer. Mas podemos ser aquele cadáver no Everest ou aquela pessoa que morreu com bala perdida dentro de casa. Se for para cair, escolho cair atirando. Simples assim. 
O grande erro destes entusiastas da autoajuda para mim está na simplificação. O mundo não é feito de vencedores e perdedores. Este conceito é subjetivo, pois a vitória pode estar apenas na persistência e grandes vitoriosos como Elvis Presley ou Michael Jackson me dão a impressão de uma vida terrivelmente infeliz, talvez eu trocasse minha conta bancária com a do Rei do Pop, mas não trocaria de vida com ele. Mas até nisso, os livros de autoajuda são úteis, pois foi o próprio Lair Ribeiro que definiu que há uma diferença grande entre sucesso e felicidade. Sucesso é conseguir o que você quer. Já a felicidade é um estado interno. Para ser feliz, basta gostar do que você tem. Quantos pobres miseráveis conhecemos e temos a impressão que são pessoas felizes? Enquanto há pessoas bem sucedidas que estão em estado contínuo de infelicidade. O contrário certamente também acontece. Mas este é o ponto. A felicidade não depende do sucesso, muito menos dos Coachs.
Enfim, a ideia deste blog não é contar uma história de sucesso normal, mas simplesmente de uma luta para não ficar parado. Dificilmente alguém no Fantástico vai querer entrevistar um blogleiro que sai feliz apenas por ter estado em mais uma pelada. Mesmo que não faça gols. Digo isso porque, eu também não saio feliz quando não faço gol. Acho que o gol carrega uma simbologia maravilhosa. Gol vem do inglês “goal”, ou seja “Objetivo”.
Dito isso, na 19ª pelada do ano, eu não fiz gol. Havia uns cinco jogos que isso não acontecia. Foi a chamada incompetência, sim, mas houve muitas chances. Apesar de estar bem mais gordo a cada semana, parece que meu corpo se acostumou. Chutei ao gol umas quatro vezes. Em duas o goleiro defendeu.
Também catei no gol. O povo elogiou e fiz boas defesas. Teria feito mais se não fosse o medo de saltar na bola e separar o tronco do resto do corpo. Fora isso, foi uma pelada legal. Com a galera nova que veio da pelada de segunda. Povo bom de bola e simpático. Deu um pouco de confusão por ter muita gente e fiquei com medo deles terem uma impressão ruim da pelada. Mas é um troço esquisito. Na última vez deu gente de menos. Agora, deu gente de mais. Para quem cresceu em times certos e escolinhas, acho que nunca vou acostumar com falta de gente para jogar futebol. Coisas de Minas Gerais que nós do Rio não entendemos.
Dei passes para uns 5 gols, coisa que não costuma acontecer. Pelé dizia que dar o passe, às vezes, é tão importante quanto fazer o gol em si. “Às vezes, só tem o trabalho de tocar na bola, entende?”. 
No final, fiquei feliz, mesmo, por estar ali, por ter vindo, por ter participado, por ter feito este movimento de resistir à inércia de ficar em casa. Mas o objetivo... Este não foi cumprido. Talvez tenha jogado até melhor. Mas na vida a gente tem que ter foco. Ano passado, neste mesmo dia, eu já estava com uns 9 gols a mais e uns 10 quilos a menos. Bora correr. Bora caminhar.
Para piorar, peguei uma gripe domingo e estou com ela até hoje, terça-feira. Por isso que o texto não saiu antes. Enfim, quando as coisas dão erradas também faz parte do jogo. Os cadáveres do Everest estão aí para provar. Eu sempre imagino que morreram felizes, porque morreram tentando. Porque caíram atirando.
Saldo de 2019:
19 jogos
13 gols
Clinton Davisson é jornalista, mestre em comunicação, pesquisador, roteirista e escritor. Ao contrário da maioria dos brasileiros, ele nunca foi a Harvard, mas publicou quatro livros, sendo um de futebol. É perna de pau assumido, mas não se importa com isso.



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