terça-feira, junho 20, 2023

Resenha de Baluartes: Terra Sombria

Por Lawrence Gonçalves

Riqueza de informações nos primeiros capítulos. Aparentemente desconexas, demandam seguimento para começar a entender porque são informados tantos detalhes.

As descrições de comportamentos humanos em imagens são convincentes, como se dá ao ilustrar gestos comuns, mas ligeiramente específicos. Por exemplo, o contorno de um cumprimento de Jaciara (longa reverência simpática).

 


Entre os baluartes, clássico conflito de crenças recebe tratamento conciliador em diálogo dentro de uma igreja. Um tanto quanto generosa a providência do autor para explanar a dissolução dessas contradições humanas. Mas, por fim, convence rapidamente, ao equalizar tal simplicidade com saberes pouco triviais que se põem ao conhecimento do leitor. Aliás, outra característica que se observa ao longo da construção é a disposição para o azeitamento das diferenças, num esforço para viabilizar a coesão do grupo de personagens.

 

‘Lembranças’, um dos primeiros capítulos, tem função de revelações. Interessante e cuidadoso, o excerto anuncia sentidos importantes para atiçar o interesse em seguir adiante. Este capítulo tem característica acentuada que também se encontra nos demais, - arremata-se em si mesmo, o que parece ser aspecto contínuo na construção do livro: cada capítulo assemelha-se a um episódio de novela televisiva. Em ‘Lembranças’, há espaço para reminiscências de mais velhos que, como eu, assistiu Sítio do Pica-Pau amarelo e conheceu muito bem a Cuca (Coca, de agora em diante). Ou achava que conhecia. Insinuava-se suficiente, até então, a imaginação de Monteiro Lobato.

 

Diante de ‘A volta dos que não foram’, supõe-se que será enaltecido o teor sombrio da história. No entanto, trata-se de um recurso mnemônico do autor a par de suas vocações temáticas. De fato, o curto capítulo traz boas novas, enquanto ao final outro integrante do folclore nacional integra o enredo de forma assustadora. O ponto alto do sombrio, no entanto, parece concentrar-se no último quadro da trama, em típico cenário de castelo mal-assombrado. De qualquer forma, com perfis menos triviais, Coca, Sacis e Curupiras já preparam o leitor para a atmosfera lúgubre da história, o que imprime à Baluartes sua classificação indicativa básica.

Personagens do folclore nacional recebem projeção sombria e respeitosa no correr da história. Talvez essa reverência associe-se à projeção de Clinton Davisson atualmente. Retomado o olhar para o Brasil, a reconhecida vocação para a valorização das riquezas nacionais personifica a condução do país em 2023. Neste caso, alcançam-se raízes folclóricas e talentos modernos, como o autor, que adiciona ao lúdico e fantástico um aspecto de rigor acadêmico na descrição de fatos e boatos ao longo do enredo.

 

Com o mesmo rigor se estende a abordagem de personagens históricos, estrangeiros ou nacionais. Para não demorar-se muito, basta dizer o quanto é inusitado encontrar Mozart em meio a flechas mágicas, índios canibais e reinados africanos. Adicione-se, sem prenúncio das surpresas que a leitura traz, o trabalhoso tour por épocas históricas contíguas e dimensões paralelas.

Embora os capítulos apresentem uma boa cadência e conclusões provisórias, a obra sustenta pontas soltas. Baluartes tem densidade para seguir. Hoje um desafio maior, visto a limitada prontidão para bullet points, o acompanhamento dos personagens, seus assuntos a serem resolvidos e os propósitos de sua irmandade esotérica promete reavivar uma disposição para expectativas. De fato, apenas assim seria saciado o desejo criado neste primeiro volume. Lugar já menos comum, a leitura de Baluartes põe-nos como que diante da TV, esperando os próximos capítulos da novela. Parabéns, Clinton Davisson!

 

 

Att, Lawrence