segunda-feira, maio 07, 2018

Cobra Kai – Série continua a história de Karatê Kid 34 anos depois




Acabei de ver Cobra Kai, continuação direta da trilogia Karatê Kid do recém-falecido diretor, John G. Avildsen. Vi o primeiro filme no cinema em 1984. A produção fez sucesso nos EUA, mas passou batida no Brasil por causa do título “A Hora da Verdade”. Não, não tinha “Karatê Kid” no título nacional do primeiro filme nos cinemas.

O sucesso no Brasil só veio quando passou na Rede Globo em um domingo. Aí sim, alguém teve a lucidez de colocar o título original antes do nacional. Aí, ficou “Karatê Kid – A Hora da Verdade”.

Quando estreou “Karatê Kid 2 – A hora da verdade continua”, faturou alto nos cinemas nacionais também. Com direito ao sucesso da música de Peter Cetera, Glory of Love que chegou a ser indica ao Oscar.

A saga fechou com “Karatê Kid 3 – O Desafio Final”, que foi o mais fraco dos filmes. Com uma história bem surreal e situações de luta que expuseram ainda mais o problema crônico é que Pat Morita nunca ter sido um bom lutador. O filme afundou nas bilheterias e teve péssimas avaliações da crítica.

Depois tentaram ressuscitar a série com um Karatê Kid 4 com a futura oscarizada, Hilary Swank, e fizeram um filme muito, mas muito ruim. Aí veio a ótima refilmagem produzida por Will Smith com seu filho, Jaden Smith, como o jovem que sofre Bullying e Jackie Chan como o mentor. O cenário foi transportado para a China e o filme fez sucesso, mesmo sem o charme do original, mas com personalidade própria.

Agora, é o próprio Will Smith quem também produz, ao lado de Ralph Macchio, esta série que continua diretamente a saga original.

Para quem não sabe, os filmes originais acompanhavam a vida do franzino Daniel Larusso (Ralph Macchio), criado com muita dificuldade pela mãe, Lucille (Randee Heller) - o pai morreu quando ele tinha apenas oito anos. O menino sofre bullyng dos valentões riquinhos da escola porque se envolveu com Ali (Elisabeth Shue) ex-namorada do macho alpha do pedaço, Johnny Lawrence (William Zabka).

A tensão entre o garoto franzino de origem humilde contra os valentões ricos da escola encontra um elemento chave quando o Sr. Miyagi, (Pat Morita que foi indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante pelo papel) zelador do prédio onde Daniel mora com a mãe, se mostra um grande mestre de artes marciais e resolve treiná-lo para enfrentar os valentões, ou o bullying como se diz hoje. O final é arrebatador quando Daniel participa de um torneio de Karatê e vence. Descobrimos que o grande vilão não é Lawrence, mas o seu mestre, Kreese (Martin Kove) dono de uma escola de Karatê chamada Cobra Kai.

Jonny reconhece a coragem e a determinação de Daniel.

Vamos lembrar que John G. Avildsen já havia ganhado o Oscar de melhor diretor por Rocky – O Lutador em 1977 e sabia como ninguém filmar dramas de superação através da luta.



Curiosidade pessoal

Quando escrevi meu primeiro romance, Fáfia – A Copa do Mundo de 2022, entre 1993 e 1995 (lancei em 1999) cheguei a escrever duas linhas brincando com uma possível continuação onde Daniel LaRusso se tornava mestre. Um personagem assistia televisão quando via um comercial de um filme: “Aos Sessenta anos, ele resolve ajudar um rapaz frágil e problemático nas milenares técnicas do Karatê! Ralf Macchio, ele agora é o mestre em KARATÊ OLD - PARTE X!”

Bom, minha profecia se concretizou parcialmente com Cobra Kai. O plot da série é muito melhor que o do filme que imaginei 25 anos atrás.



A história



Cobra Kai mostra a vida e redenção de Johnny Lawrence 34 anos depois da derrota no torneio. Temos a impressão que ele não se recuperou até hoje do chute na cara que levou do Daniel. Trata-se de um homem destruído pelo alcoolismo. Fracassado como pai e profissionalmente falido. O sucesso de Daniel LaRusso em comerciais de tevê, como empresário, só parecem aumentar seu sofrimento e sua sensação de fracasso.

A princípio é difícil enxergar o Johnny do final do primeiro filme como um derrotado. Ele aprendeu a lição e vemos que ele pega o troféu e entrega a Daniel. Mas parando para pensar dois minutos e lembro de muitos amigos e parentes que sucumbiram ao alcoolismo por conta de golpes duros na vida, Johnny perdeu a mãe e é obrigado a conviver com o padrasto idiota. Conheço pessoalmente gente que morreu por conta de alcoolismo.

De certa forma, Johnny Lawrence segue um caminho parecido com o Sr. Miyagi, que, no primeiro filme, também usa o álcool para tentar anestesiar as dores do passado envolvendo a perda de entes queridos.

E é salvando um garoto franzino, Miguel (Xolo Maridueña), de um grupo de valentões da escola que Johnny começa sua escalada rumo à redenção.

Ele reabre a escola Cobra Kai e começa inicialmente a treinar o jovem Miguel que é imigrante equatoriano. Logo vários nerds e “perdedores” da escola se juntam ao grupo de alunos do Cobra Kai. O mais fascinante é como o discurso de “Ataque primeiro”, “Não existe dor neste dojo” e “Não tenha piedade” se ajusta perfeitamente a discussão contemporânea da geração mimimi.

Neste ponto, o roteiro é extremamente inteligente ao lançar ao ar a discussão sem realmente abraçar um lado. Vemos a filosofia de Johnny dando resultados, como Eli (ótima presença de Jacob Bertrand) um jovem traumatizado com as cicatrizes deixadas por uma cirurgia de correção de lábio leporino. Johnny não tem nada de politicamente correto e ensina o jovem a enfrentar a vida agressivamente. O garoto sai, faz um cabelo moicano chamativo e uma tatuagem enorme de falcão nas costas. Depois disso, supera o trauma da cicatriz e arruma até namorada.

Cobra Kai seria uma série bem ao gosto da geração bolsominion se o roteiro não tivesse um contraponto. E é exatamente Daniel LaRusso, agora um bem sucedido empresário com uma franquia de venda de carros. Ele também tem que se virar na luta para ser um bom pai, bom marido e ainda enfrentar a concorrência agressiva.

Ao se deparar com o retorno de Johnny, do Cobra Kay, de descobrir que agora é pai de uma bela adolescente já com o primeiro namorado e dos problemas da vida empresarial, Daniel também começa a assumir uma postura agressiva.



Alertado pela esposa, Amanda (Courtney Henggeler com boa presença) seu comportamento, Daniel volta a treinar Karatê e arruma um pupilo. Não exatamente um jovem frágil e desprotegido, mas justamente Robby Keene (Tanner Buchanan), ninguém menos que o confuso, rebelde e frustrado filho de Johnny Lawrence, que, decepcionado com o pai, resolve provocá-lo indo trabalhar justamente com seu grande rival. Não, Daniel não sabe que Robby é o filho de Johnny e sim, a série usa vários destes artifícios novelescos, mas aqui até que funcionam e funcionam bem. A filha de Daniel, por exemplo, Samantha LaRusso (Mary Mouser), vai acabar namorando justamente o aprendiz de Lawrence, Miguel. E tudo vai ser resolvido novamente no mesmo torneio, que aliás, não mudou a arte gráfica e nada da sua identidade visual mesmo depois de 34 anos.

Mas estes “defeitos” acabam deixando a história ainda mais deliciosa. Johnny e Daniel são dois lados de se encarar o Karatê e a vida. Um mais agressivo, outro mais poético. Ambos os lados parecem caminhar para um equilíbrio. Johnny vai tendo seu arco de crescimento e aprendendo tanto quanto ensina aos seus alunos. Já Daniel percebe que sua vida não é tão perfeita como pensava e por momentos ele quase vira o antagonista da série. Só isso já valeria a pena assistir Cobra Kai.



Mas há também vários outros pontos positivos como as referências, às vezes forçadas, mas sempre hilárias aos anos 80 e 90, como Johnny ainda ter o mesmo carro e às vezes usar até algumas roupas velhas da época do primeiro filme. Ele também afirma não saber o que é Facebook e se irritar ao descobrir que Miguel nunca ouviu falar de Gun’s and Roses. Há boas surpresas como Randee Heller voltando ao papel de Lucille, mãe de Daniel e constantes homenagens e referências aos primeiros filmes, inclusive a inesquecível trilha sonora de Bill Conti! Tudo isso vai deliciar os fãs de Karatê Kid. Já quem não conhece... Bom, quem não conhece?



Mas a grande sacada da série é trazer Johnny Lawrence para o centro das atenções. Como se ele tivesse sido transportado dos anos 80 para cá instantaneamente com uma atuação sensacional de William Zabka que dá ao seu personagem exatamente um equilíbrio entre um cara durão irritado com sua vida e um homem em busca de consertar os erros do passado, mas sem nunca abaixar a cabeça. Ele praticamente não sorri e notamos sua alegria e satisfação com os alunos com um meio sorriso discreto. Tão pouco chora, sua interpretação é sempre contida, como se carregasse o peso dos anos de desilusões daquele jovem arrogante do filme de 1984. Ele também nunca deixa o lado bad-ass para trás. Ao saber que sua aluna é vítima de ciberbullying, Johnny se revolta e comenta que “na minha época, a gente fazia bullying olhando nos olhos da pessoa. Hoje se escondem atrás de um computador, são uns covardes”.

Embora baseado nos personagens e em uma história clássica dos anos 80, Cobra Kai traz a tona uma discussão atual sobre a busca do equilíbrio em uma época em que predomina uma cultura de radicalismo entre preto e branco, esquerda e direita, capitalismo ou comunismo, politicamente correto ou incorreto. Saber se impor, exigir respeito e ao mesmo tempo entender e respeitar o próximo e as diferenças é o grande desafio do mundo contemporâneo, algo muito mais complicado e difícil que vencer um torneio. Basta lembrar que escândalos sexuais já afetam a entrega do prêmio Nobel, desconstroem carreiras no cinema, medalhas olímpicas foram confiscadas por conta de comprovações de doping com conivência do governo russo, enfim, entramos de vez em uma era em que vencer a todo custo não é primordial. Os meios são mais importantes que os fins. Ao mesmo tempo, ainda precisamos nos impor, porque o mundo e nossa sociedade continua sendo implacável com os perdedores.



Agora é ficar na torcida para a série fazer sucesso e trazer novas temporadas. Porque ficou bem claro que a história entre Johnny e Daniel ainda tem muita coisa para nos ensinar e nos divertir.