quinta-feira, março 26, 2009

Somente fãs ou a religião do novo milênio?


Estudiosos comparam o comportamento dos fãs de séries de fantasia e ficção científica no Brasil a religiosos

Por Clinton Davisson

Baseada em estudos sobre mitologia do pesquisador Joseph Campbell, Star Wars tem o poder de criar comportamentos que lembram muitos casos de religiosos que mudam sua vida depois de conhecer as revelações de Cristo, Maomé, Buda, Alan Kardec, entre outros. As semelhanças são muitas. Assim como todo muçulmano precisa ir a Meca uma vez na vida, existem peregrinações quase obrigatórias no mundo dos fãs e não necessariamente somente de Star Wars. Para o analista de sistemas Carlos Cardoso, 40 anos, o fascínio veio com outra série de ficção científica: Star Trek, ou Jornada nas Estrelas. No universo do Capitão Kirk e do Sr. Spock, Carlos reconheceu seu deslumbramento pela tecnologia e se tornou um trekker, ou seja, um fã assumido do universo criado por Gene Roddenberry na década de 60. “O que me capturou foi a visão utópica da humanidade, mostrando um mundo ideal onde todos são reconhecidos por seus talentos e capacidades e, mais importante, todos têm talentos e capacidades”, explica. Embora faça questão de frisar que não vê Star Trek como algo além de uma série de Tv da qual gosta muito, Cardoso foi em 2004 na Star Trek Experience, um incrível parque temático construído em Las Vegas, nos EUA, no que ele chama de peregrinação pessoal. “Para um trekker, ir a este evento é como ir a Meca para um muçulmano”, conta Cardoso que confessa não ter sido muito racional durante a viagem. “Vi uma coleção de armas klingon em uma das paredes que faria qualquer um pensar em besteira. Ah, se eu roubasse isso e corresse o bastante... Se bem que dificilmente uma Bath'let (uma mistura de foice com lança) passaria despercebida pela segurança do aeroporto”, brinca.

Fãs ou fanáticos?

A palavra “fã” é uma contração de “fanático”, originária do latim fanaticus, derivada de fanus, que significa templo, capela. Antigamente, a palavra era empregada especialmente em alusão aos sacerdotes da deusa romana Cibele. Vários estudiosos concordam que os laços que ligam o fanático religioso e o fã são estreitos. A antropóloga Carmem Rial, da Universidade Federal de Santa Catarina, é pós-doutorada em antropologia visual pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, na França, afirma que a adoração a estes novos ícones da sociedade guarda semelhanças enormes com o ato religioso. “O estudioso Edgard Morim afirma que existem ídolos contemporâneos, que chama de Novos Olimpianos, substituindo as divindades antigas no seu papel de objeto de culto. Assim como na religião, estes fãs também se dispõem a viajar para locais tidos como sagrados e colecionam suas próprias relíquias na forma de brinquedos, cartazes, dvds, etc”, explica Carmen. Para ela, não há nada de ruim ou anormal em querer comprar um brinquedo ou mesmo viajar por causa de um filme, desde que não haja exageros. A antropóloga inclusive também gosta de Star Wars e não perdeu a oportunidade que teve, a alguns anos, de visitar a cidade de Tatooine, na Tunísia, onde foram feitas as filmagens da casa de Luke Skywalker. “George Lucas usou o nome do lugar para batizar o planeta deserto”, comenta.
A semelhança entre religiosos e fãs é normal para o professor José Luiz Ribeiro, da Universidade Federal de Juiz de Fora, doutor em comunicação e cultura. Ele afirma que desde a pré-história o ser humano tem a necessidade de se organizar em clãs e reconhecer suas semelhanças. “Hoje não é diferente, pois vivemos numa sociedade culturalmente fragmentada onde principalmente os jovens buscam um modelo-guia para moldar sua própria identidade, e acabam encontrando isso nessas novas mitologias”, explica, destacando que tecnologias como a Internet ajudam a aproximar fãs e também religiosos em todo o mundo.

Tribos
Mas será que o cinema vai substituir as igrejas algum dia? Para os estudiosos isso não deve acontecer, ao menos não tão cedo. Segundo a psicóloga Cynthia da Costa Losada, essa linha ainda está longe de ser cruzada. Mas dá para se dizer muito sobre o momento da vida e a personalidade de uma pessoa através de seus filmes ou suas séries preferidas. “Embora tenha momentos muito diversos, em Jornada nas Estrelas geralmente o objetivo é explorar o universo em conjunto, reproduzindo mais um clima familiar, analítico. Já em Star Wars o ambiente é mais idealista, competitivo, de um time, ou grupo, lutando por um objetivo comum”, diz, lembrando que há momentos na vida para ser mais ativo, lutar por um ideal, e há momentos para ser mais explorador.
Assim como as religiões, há divergências sérias entre fãs de correntes diferentes. Para Oswaldo Geovanini, mestre em ciência da religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora, é normal que determinadas tribos passem a querer rivalizar com outros grupos. “Só se tem cultura quando se forma um grupo”, explica, destacando que as séries televisão e cinema acabam gerando valores e comportamentos em comum. “E estes valores acabam fazendo com que estes grupos se reconheçam, se atraiam e se diferenciem de outros. É como se tudo se transformasse em um jogo. Isto é algo muito próprio desta civilização moderna onde as pessoas se confrontam cada vez menos fisicamente, mas sim, por meio das idéias”, avalia.
Embora tanto O Senhor dos anéis quanto Star Wars falem de mundos complexos criados por autores que se basearam em mitos antigos, é comum haver divergências entre os fãs de ambas as séries. “Eu vejo os fãs de Tolkien mais como pessoas que gostam de ler. Afinal, o autor criou obras enormes de centenas de páginas. Quem gosta de Star Wars geralmente é mais um fã de cinema”, conta a analista de sistemas Thaís Cristina Belonia que, em 2005, viajou com mais oito amigos brasileiros para a cidade inglesa de Birmingham, para a Tolkien 2005, uma convenção mundial de fãs de O Senhor dos anéis. Na época, Thaís era presidente do Conselho Branco, o fã-clube oficial de Tolkien no Rio de Janeiro.

Provocações

Assim como no mundo do futebol, entre os fãs de ficção científica é comum haver provocações entre as tribos. Piadas sobre a sexualidade de Frodo e Sam de O Senhor dos Anéis incomodam Thaís. “Não tenho nada contra os gays, mas a verdade é que Tolkien descreveu o relacionamento deles inspirado na camaradagem dos soldados em batalha que ele próprio vivenciou lutando nas trincheiras na Primeira Guerra Mundial. Não havia intenção de descrever nada homossexual ali”, defende.
Já para Cardoso, provocar os fãs de Star Wars é, às vezes, inevitável, mas nada que o levasse às vias de fato, isto é, a uma agressão física. “Seria covardia bater em um sujeito brandindo uma espadinha de plástico com uma lanterninha dentro”, provoca.
Em 2003, o Conselho Jedi Rio de Janeiro produziu um curta-metragem chamado A Casa dos jedis. Uma divertida paródia da Casa dos artistas só que com personagens de George Lucas enfurnados em um apartamento. A exibição do vídeo foi uma das atrações do Jedicon 2003. Uma das cenas que mais arrancou gargalhadas e aplausos da galera foi logo no início, quando um penetra vai entrando na casa vestindo o uniforme da Frota Estelar. Rapidamente, Darth Vader se encarrega pessoalmente de sufocar até a morte o trekker invasor com o poder da força. O auditório delirou com a piada.
Para Cynthia, a provocação pode ser um exercício de competitividade construtiva, mas há limites. “Não se pode perder o respeito pelo ser humano, pois, quando se perde isto, a coisa passa a não ser saudável. É o mesmo que ocorre quando torcidas organizadas de times de futebol passam a praticar atos violentos”, adverte.

A importância dos fãs

Embora a rivalidade possa ser uma constante entre fãs, é na união que este grupo descobre a verdadeira natureza de sua força. Um exemplo clássico foi o movimento liderado pela norte-americana Betty MacCarthy, ou Bjo Trimble, como ficou conhecida, no final dos anos 60. Ela liderou uma campanha envolvendo milhares de trekkers nos EUA, que enviaram cartas à rede de TV NBC adiando o cancelamento da primeira Jornada...
Cynthia afirma que organizações como fãs clubes não são diferentes de outros gêneros de opinião pública. “Como na política e no futebol estes grupos podem fazer a diferença. É só lembrar que uma torcida organizada pode levar seu time a vitória ou mesmo a uma derrota. Tudo depende do grau de interação da torcida com o time, ou, no caso, dos criadores da obra com seus fãs”, conclui.
Carmen adverte, entretanto, que, embora venha crescendo nos últimos anos, o poder dos fãs sobre o autor e a obra ainda é limitado. “Nas novelas brasileiras é fácil perceber como o público interfere e praticamente reconstrói uma obra. Mas quando falamos da indústria cultural norte-americana a coisa fica mais complexa, pois um mesmo filme pode ser visto de maneiras diferentes por grupos diferentes. É impossível agradar a todos, e a opinião de um grupo de fãs nem sempre corresponde à realidade mercadológica”, afirma.

Clinton Davisson é jornalista especializado em cultura e autor de dois romances de ficção científica.

Homem-Aranha 3 não é tão ruim, mas não é ótimo


Criticado no lançamento nos cinemas, o terceiro filme do aracnídeo ganha força em DVD

Às vezes a gente gosta de um filme quando vê no cinema pela primeira vez, mas fica decepcionado quando volta a assistir em DVD. A diminuição do tamanho da tela pode prejudicar o espetáculo ou mesmo a falta da surpresa em determinados filmes (o Sexto Sentido é um bom exemplo disso). Mas o contrário também acontece. Muitas vezes um filme chega cercado de tantas expectativas que acaba decepcionando, mas visto meses depois, a coisa melhora e muito. É o caso desta terceira parte da trilogia do Homem-Aranha que apesar de ter faturado uma boa quantia em todo o mundo – tanto que o quarto filme já foi confirmado – foi malhada pela crítica e considerada decepcionante.
Com certeza há problemas no filme que abusa de coincidências forçadas no roteiro (a personagem Gwen Stacy está em toda parte e tudo acontece só com ela) e explora pouco o vilão Venom, principal responsável pelo sucesso das HQs do aracnídeo nas décadas de 80 e 90. Mas o fato é que, a exemplo dos dois primeiros filmes, o Homem-Aranha 3 segue a linha de explorar com competência os ótimos personagens e dá um desfecho forte no cinema a história que nem sempre teve muito respeito nos quadrinhos.
A trama mostra uma espécie de prova final de Peter Parker (Tobey McGuire). Feliz por ter conquistado a mulher de seus sonhos, Mary Jane Watson, interpretada com garra por Kisten Durst, conseguindo a façanha de se dedicar aos estudos e salvar Nova Iorque regularmente, o Homem-Aranha parece um sujeito realizado, no auge da sua juventude e de sua forma física. Mas a vida é uma caixinha de surpresas e numa bela manhã de sol, na verdade uma noite de lua cheia, desce do céu um meteorito com um estranho ser em forma de geleca preta. A primeira coincidência do roteiro é que a criatura cai justamente próxima a moto de Peter Parker e vai de carona na garupa sem que ele perceba.
Ao mesmo tempo, um bandido foge da polícia e cai no meio de uma pesquisa envolvendo areia e energia nuclear. Nasce ali o Homem-Areia que, por uma estranha coincidência (já são duas) é também o cara que realmente matou Ben Parker, tio de Peter Parker.
Temos também o desfecho da trama de Harry Osborn, filho do vilão duende verde e que, até o último filme, era o melhor amigo de Peter, mas agora quer vingança pela morte do pai pelas mãos do Homem-Aranha. Harry descobre os equipamentos do pai e assume a roupa do duente para se vingar.
No meio disso tudo (se você está achando muito demorada a explicação, saiba que é por isso que a crítica caiu de pau no filme) o Clarim Diário tem um novo fotógrafo chamado Eddie Brock que é mau caráter, ambicioso e... vamos encurtar as coisas... vai se tornar o vilão Venom.
Enquanto dorme, Peter é atacado pelo ser que veio no meteorito que acaba se juntando biologicamente a sua fantasia de Homem-Aranha.Quando acorda, seu uniforme é negro e seus poderes são maximizados. Tudo seria muito lindo se o ser não fosse maligno e levantasse o lado negro de Peter Parker levando nosso herói a fazer tudo o que queríamos que ele fizesse nos filmes anteriores: dá uma surra em Harry, manda para àquele lugar o dono de seu apartamento e encara o sovina J.J. Jameson e exige um emprego. Claro, ele também acaba tratando mal Mary Jane Watson e isso o faz perceber que estava indo para o lado negro da força e dá um jeito de se livrar da roupa. Mas a vida é uma caixinha de surpresas, porque o simbionte vai parar na pele de Edie Brock e agora Peter tem que enfrentar Venom e o Homem-Areia juntos. Para isso ele vai precisar da ajuda de Harry Osborne.
Embora longa, essa última aventura do Homem-Aranha consegue dar aos personagens um desfecho digno e coerente sem que isso necessariamente siga as histórias em quadrinhos, a exemplo do que já aconteceu acertadamente em X-Men 3. Falta torcer agora que o quarto filme do Aracnídeo venha logo e que o personagem continue sendo bem tratado e, principalmente, que os deslizes cometidos aqui sirvam de aprendizado para o diretor Sam Raimi.

Onde os fracos não têm vez

Vencedor do melhor filme de 2008 é um dos mais sinistros de todos os tempos

Um caçador de cervos chamado Llewelyn Moss (Josh Brolin) está no deserto quando descobre uma chacina. Corpos espalhados pelo chão são indícios de uma verdadeira guerra entre traficantes que acabou com praticamente todo mundo morto. Ele conclui que, se houve briga, deve haver dinheiro em algum lugar próximo. Como nos melhores filmes de terror, o personagem não se conforma em apenas pegar o dinheiro e sumir. Ele resolve voltar à noite (sempre à noite) na cena do crime só para dar pistas para os donos do dinheiro poderem caçá-lo.
E eles não vão mandar qualquer um. Pois para recuperar uma maleta cheia de dinheiro da qual não se quer muita publicidade, a melhor coisa é colocar um serial killer chamado Anton Chigurh, um matador psicopata interpretado pelo espanhol Javier Bardem que faz Jason Vorges parecer um escoteiro. No meio de tudo está um xerife interpretado por Tommy Lee Jones que está mais interessado em contar “causos” escabrosos do que deter o assassino.
A perseguição entre os dois vai deixar um rastro de sangue em toda parte, porque Chigurh não pensa duas vezes antes de mandar alguém fazer geologia nas terras celestiais.
Com essa premissa absurda, se constrói um dos filmes mais realistas dos últimos tempos. Quem já teve a oportunidade de acompanhar de perto o trabalho da polícia, sabe que não há nada de irreal na sede de sangue de Chigurh.
Adaptação do livro de Cormac McCarthy, “Onde os Fracos não têm vez” é a obra que consagrou os irmãos Ethan e Joel Coen que normalmente fazem filmes engraçados, embora carregados de certa amargura que sempre caía bem com alguns elementos líricos que permeavam seus filmes. Desta vez o lirismo deu lugar ao mítico. Chigurh é uma encarnação de tudo o que há de ruim do ser humano. Feito com competência hipnótica por Javier Bardem, o personagem já começa mostrando a que veio nos primeiros momentos em cena, quando mata o policial com uma expressão quase pornográfica no rosto. Com voz pausada, grave e sempre com uma postura controlada, ele lembra realmente o “astro” da série Sexta-feira 13, que nunca precisava correr para pegar suas vítimas (parece que isso vai mudar agora com a nova versão). Parte do terror está justamente na frieza em relação as suas vítimas, chegando a usar como ferramenta um dispositivo de ar comprimido para abater gado, como se suas vítimas não fossem nada mais que animais a serem abatidos.
Por outro lado, Josh Brolin, compõe o arquétipo de um homem ordinário, sem grandes virtudes, mas também sem grandes defeitos. O que se vê na tela pode ser interpretado como uma projeção da fragilidade do ser humano perante a sua própria natureza. Neste aspecto, a história guarda elementos comuns com Moby Dick, talvez a maior obra do gênero. Se o livro de Herman Meilville é o capitão que persegue o monstro indestrutível representado pela baleia, aqui é o monstro que persegue implacavelmente Llewelyn Moss que se mostra terrivelmente incompetente para fazer algo além de fugir.
No final anti-climax, vemos apenas o resultado da batalha, seguido por uma narrativa metafórica do xerife que sonha com coisas boas, mas de repente acorda e vê que está no mundo real, onde os fracos não têm vez.

Simone




Filme tira sarro com a fama e a ilusão de Hollywood

Direção e roteiro de Andrew Niccol
Elenco: Winona Ryder (Nicola Anders), Jay Mohr (Hal Sinclair), Catherine Keener (Elaine Christian), Al Pacino (Viktor Taransky), Evan Rachel Wood (Lainey Christian Taransky), Rachel Roberts (III) (Simone)

O diretor Viktor Taransky (Al Pacino) está à beira da derrocada. Seus últimos filmes foram um fiasco e a atriz principal do que seria sua próxima produção abandona o projeto depois de fazer gato e sapato da produção. Por sorte ele recebe de um cientista maluco um programa de computador capaz de simular digitalmente uma atriz. Batizada de Simone ou Simulation one, a nova atriz digital é um sucesso nunca antes visto em Hollywood, se tornando um mito de proporções estrondosas.
Viktor acaba se revoltando contra sua obra, tenta sabotá-la, difamá-la, destruí-la com um vírus e até contar a verdade. Ninguém acredita e o criador corre o risco de ser destruído por sua própria obra.
Escrito e dirigido pelo excelente Andrew Niccol de Gattaca, Simone aposta no absurdo para conseguir zombar da realidade. O nome Viktor não nega a comparação com o médico Viktor Frankenstein cuja obsessão de criar uma nova vida acaba se tornando sua maldição a medida em que toma ódio de sua própria criatura.
Da mesma forma que seu xará Frankenstein, Taransky não mostra muita lógica ao repudiar sua própria criação. Fica apenas nervosinho e enciumado. Algo meio sem lógica, já que teoricamente, ele é a própria criatura.
Enfim, o filme acerta ao debochar da idolatria e da ingenuidade de Hollywood em relação aos seus mitos, mas peca ao não conseguir mostrar de maneira convincente o que torna Simone tão maravilhosa assim. Ao invés de tentar criar cenas que mostrariam a tão falada interpretação de Simone, vemos partes claramente caricaturais. Uma opção da direção justificada até certo ponto: para que tentar mostrar uma super atuação se a idéia é ser irônico? Por outro lado, nunca somos convencidos a acreditar em Simone o que gera uma distância entre o expectador e o que se passa no filme. Em determinado momento, até as (muitas) celulites de Rachel Roberts, que interpreta Simone dão o ar de sua graça, algo meio estranho para um programa de computador que deveria criar a mulher perfeita.
Mas Simone vale justamente pela lógica absurda que nos obriga a enxergar o contra-senso que envolve a criação de determinadas celebridades. Basta lembrar da mídia brasileira que transforma em celebridades pessoas cujo grande mérito foi engravidar de alguém famoso, aparecer em algum Big Brother tão despido de caráter quanto de roupas, ou mesmo políticos que conseguem se reeleger após serem presos e terem sua culpa comprovada e estampada nos jornais.
Assim, Simone deixa uma pulga atrás da orelha do expectador: será que o filme realmente é caricato ou estamos em uma realidade tão absurda que não acreditamos quando ela nos é jogada na cara?

Heroísmo e tragédia na Praia do Bar do Coco

Nem todas as histórias de heroísmo e bravura terminam com finais felizes, mas nem por isso deixam de ser menos importantes e emocionantes. Na tarde do primeiro dia do ano, o senhor Edmício Gomes Machado morreu depois de conseguir salvar seus dois netos que se afogavam na Praia do Bar do Coco em Macaé. O fato ocorreu próximo a empresa Ultratec e havia pouca gente no local.
Segundo relatos, os netos de Edmício entraram na água e foram arrastados pela correnteza. O avô entrou e tirou os netos, mas não conseguiu salvar a si mesmo. O fato causou muita comoção no local. Edmicio estava com 44 anos e faria aniversario no próximo dia 13.
O balanço do Réveillon na região revela várias ocorrências em Macaé e nos municípios locais. Na 123ª DP, foram registrados três acidentes de trânsito com cinco vítimas com ferimentos leves. Duas pessoas foram presas por posse de entorpecentes e houve três furtos de veículos na cidade.
Em Casimiro de Abreu houve apenas um acidente com três vítimas registrado na 121ª DP. Já em Rio das Ostras não houve registro de acidentes na 128ª DP, mas duas pessoas deram queixa por agressão, houve também uma tentativa de homicídio e seis veículos foram furtados. Finalmente na 130ª DP de Quissamã houve registro apenas de duas agressões durante o Réveillon.

sexta-feira, março 13, 2009

Crepúsculo – versão literária de É o Tcham

Um mergulho na cabeça dos adolescentes com muita cumplicidade

Morando com o pai na pacata cidadezinha de Forks no norte dos Estados Unidos, a jovem Isabella (Bella) conhece o complicado Edward e ambos se apaixonam. O problema é que o rapaz é um vampiro e tem que controlar seus instintos assassinos para não chupar o sangue da menina. Enquanto tenta convencer seu amado a lhe dar uma mordidinha, Bella vai ficar conhecendo como é o mundo dos vampiros “vegetarianos” ou seja, que comem animais por respeitar a vida humana.
Quando ouvi falar pela primeira vez de Stephenie Meyer, havia uma pressa da mídia em comparar a autora norte-americana que é mórmon, com outra evangélica famosa, J.K. Rowling. De fato a série Crepúsculo parece ser uma espécie de Harry Potter para meninas. Alguns elementos são desconfortavelmente parecidos: o elemento fantástico inserido no cotidiano dos jovens, a escola como cenário, o desajuste social e o mergulho em um universo próprio sobrenatural.
Embora o livro seja um sucesso no Brasil, a crítica foi praticamente unânime ao afirmar não só a precariedade literária da obra de Meyer, como o fato do livro ser chato de verdade. Como a minha resenha vem com quase um ano de atraso, resolvi fazer diferente e tentar encontrar o que há de positivo em Crepúsculo. Mas aí necessitamos de uma desmistificação de como funciona o mercado capitalista. Existe sim toda uma indústria cultural que busca dar ao consumidor aquilo que ele quer de maneira mais genérica possível. Mas como o produto “arte” não é tão fácil de produzir quanto um Big Mac, o jeito é sair procurando elementos que se encaixem nos moldes que a indústria precisa. Assim, quando dizem que Crepúsculo foi produzido artificialmente para suprir a demanda deixada pelos fãs de Harry Potter trata-se de uma grande mentira. É como dizer que Ronaldo o fenômeno foi criado em laboratório e não um atleta que passou por “peneiras”, treinos e diversos desafios para chegar onde chegou.
Mas se a única crítica fosse essa, o trabalho de falar bem de Stephenie Meyer seria muito fácil. Mas a maioria das críticas se referem a qualidade da obra. Crepúsculo é uma espécie de versão literária da banda É o Tcham, um conjunto de Axé Music que alcançou um grande sucesso nos anos 90 com tipo de música que ninguém gostava, mas todo mundo ouvia. A razão do sucesso da banda passava longe das Sheillas ou de Carla Perez. Elas só tornavam a banda aceitável para os homens, mas eram as mulheres que lotavam os shows do grupo.
De fato, até hoje, ninguém escuta É o Tcham pelas melodias (?) e pelas letras da música (?), mas pelas coreografias, a dança e o ritmo. No caso, Crepúsculo também afeta as mulheres por elementos diferentes de uma literatura tradicional. Longe de ser um livro perfeito, a história já começa incomodando pelo ritmo de Big brother da narrativa: “dormi”, “acordei”, “tomei café”. Stephenie Meyer teve coragem de escolher fazer uma narração em 1ª pessoa logo em seu primeiro trabalho literário, mas trata-se de uma técnica difícil de ser controlada. Para piorar, dizem que uma boa história precisa de um bom vilão. Mas somente nos capítulos finais do livro somos apresentados a um antagonista e este é extremamente esquisito. Não se explica direito como, onde, nem porque do infeliz ficar obcecado com Isabella, apenas que ele é um “farejador” (ah, bom! Por que não disse logo?) e mais nada.
Ironicamente, o maior trunfo do livro está justamente em seus “problemas”. Primeiro a lengalenga entre Edward e Isabella: o vampiro segue a menina o tempo todo só para dizer que os dois não podem ficar juntos; espera no estacionamento para dizer: “não podemos ficar juntos”; vai ao seu quarto vê-la dormindo e quando ela acorda, diz: “Não podemos ficar juntos”. Inverossímil? Me desculpem os certinhos, mas quem nunca fez isso na adolescência ou mesmo depois de velho, não sabe o que é namorar de verdade. E ler Crepúsculo levanta estas memórias com uma facilidade incrível. Como se Meyer narrasse os passos para a “dança do acasalamento” em nossa cabeça.
A prosa é fluida apesar da predileção da autora por adjetivos grandes e seqüenciais; e os meninos devem se irritar com as constantes descrições do peito e dos braços musculosos de Edward. Mas é justamente nesse paradoxo de sentimentos, atitudes e frustrações que reside a essência de nossa adolescência e que Stephenie Meyer soube capturar de maneira arrebatadora.
Acho que não leria outro exemplar da série com tanta boa vontade, assim como não escutaria uma música de axé só para sonhar com a Claudia Leite. Mas acho que, assim como a dança faz parte da música, Crepúsculo carrega elementos literários que merecem ser estudados de perto, sem preconceitos e exageros pernósticos. Só espero que o contrário também não ocorra e sejamos obrigados a engolir as mesmas fórmulas de Meyer como se fosse um novo padrão a ser seguido na literatura. Isso aconteceu com a música nas rádios dos anos 90 e não fez bem para ninguém.

terça-feira, março 03, 2009

Lembranças de tempos que nunca vi

Transpomos nossas limitações e ansiamos por novos desafios
Sibilam as culpas, gritam os demônios e descobrimos por fim o novo algoz
Sua couraça é instransponível e seus olhos sugam toda a esperança e alegria
Seu nome é Realidade, sua arma é a rotina e sua fortaleza é a sociedade  

Não há mais heróis, nem há mais vilões, não há profetas mais, nem há mais dragões Não há sereias no mar, nem anjos no ar, não há odaliscas para salvar  

Queremos glória, fogo e luz; sangue, poder e brasões 
Mas nosso mundo é feito de dívidas, impostos e contas de cartões; 
Avançamos contra moinhos de vento com determinação patética 
Parcelamos nossas vidas em troca de pequenas concessões da realidade   

Não há mais heróis, nem há mais vilões, não há profetas mais, nem há mais dragões 
Não há sereias no mar, nem anjos no ar, não há sequer odaliscas para salvar