sexta-feira, agosto 22, 2008

Continuação do Cony

Edílson era o motorista do Cony. Uma espécie cruzamento entre Morgan Freeman e Dooley Wilson (o Sam de Casablanca) em nível molecular. Exalava tranqüilidade pelos poros e parecia portar uma nobreza de origem indefinível. Ele podia ser analfabeto ou doutor em física quântica. Não consegui discernir.


São 180 quilômetros da cidade do Rio de Janeiro até Juiz de Fora. Edílson dirigia com tranqüilidade e levou pouco mais de duas horas para completar o percurso. Antes da partida, ainda pedi dicas de como proceder perante o imortal. Ele explicou que “Seu Cony não gosta de tietagem, nem de adulações. Fora isso, não tem problema”, disse. Não tietei o Cony, mas acho que nunca falei tanta besteira em tão pouco tempo.

Muito prazer, literatura!

Quando tinha oito anos, adorava feijão com farinha. Era talvez meu prato preferido. Aquele feijão pretinho, com brilho de noite e a farinha de mandioca caindo por cima tornando tudo crocante é uma lembrança vívida na minha memória. Mas não gostava de feijão com farofa. O ovo em contato com o caldo do feijão fica parecendo uma meleca. Um dia meu pai teve uma brilhante idéia: arrumou meu prato antes e escondeu o feijão por baixo do arroz e da farofa. Quando descobri que tinha feijão embaixo, afastei o prato com nojo. Eu tinha oito anos e nunca entendi o que meu pai pretendia provar com aquilo. Até hoje também não entendo porque nunca mais comi feijão depois daquilo...


Conheci o trabalho de Carlos Heitor Cony quando era bem novo. Li vários clássicos da literatura mundial que, na verdade, eram adaptações feitas por ele; Simplificações das histórias para torná-las acessíveis à maioria da população.


Claro, eu achava que estava lendo a obra original e fiquei furioso quando descobri que havia sido enganado. Era algo tão condenável quanto o feijão na farofa. Nunca mais comprei um livro sem antes me certificar se era a versão original.

Claro que também fui descobrir quem eram os bandidos por trás daquela conspiração literária. De todos que me enganaram, contei nada menos do que 12 livros que haviam sido “adaptados” por Carlos Heitor Cony: Moby Dick (H. Melville); Viagem ao Centro da Terra (Julio Verne); A ilha misteriosa (Julio Verne); As aventuras de Tom Sawyer (Mark Twain); As viagens de Tom Sawyer (Mark Twain); Huckleberry Finn (Mark Twain); O Diário de Adão e Eva (Mark Twain); Um ianque na corte do rei Artur (Mark Twain); Ben-Hur (Lewis Wallace); Maravilhas do ano 2000 (Emilio Salgari); A Máscara de ferro (Alexandre Dumas); Ali Babá e os quarenta ladrões (Mil e uma noites).


Não pensei duas vezes antes de tirar satisfação. Reclamei muito no ouvido do homenzinho que não se deixou intimidar.


- Sabia que no século XIX, era impossível para um jovem inglês tomar conhecimento da obra de Shakespeare diretamente do original? Muita citação mitológica, muita citação histórica, todos os reis da Inglaterra, personagens latinos, nomes romanos ou helênicos... Júlio César, Cleópatra, Marco Antônio. Isso para uma criança de 12, 13 anos, mesmo no mundo anglo-saxão, fica muito complicado. Sem graça. Perde-se o plot, a intriga principal da história. Perde-se até o charme de Romeu e Julieta, de Otelo. Então, em 1807, um homem chamado Charles Lamb reduziu as peças de William Shakespeare para contos. Foi um sucesso. E, hoje, quase 200 anos depois, Shakespeare pertence à literatura inglesa, e mundial, por causa disso. Lamb reativou o interesse por um autor que vivia esquecido, várias gerações de jovens ingleses tomaram conhecimento do bardo por meio de suas adaptações.

Ainda argumentei. Falei de propaganda enganosa e ele lembrou que estava escrito de forma legível na capa que era uma adaptação.

- Tive que ler Moby Dick duas vezes... – resmunguei.

Ele poderia ter me chamado de preguiçoso. Seria merecido.

- Foi graças a minha adaptação que você conheceu a história ainda bem jovem e veio a se interessar pelo original, não foi?


Tive que concordar.


Demorei alguns quilômetros para falar outra besteira. Estávamos conversando sobre livros. Primeiro contei vantagem. Ele havia escrito O Ventre, seu primeiro livro, aos 28 anos.


- Eu escrevi o meu primeiro livro aos 14 anos – comemorei como se estivesse provado que meu pênis era maior do que o dele.

- E conseguiu publicar? – perguntou honestamente curioso.

- Não, eu queimei porque achei muito ruim.

Mas a “besteira mor” não foi nada disso. Desta vez não apenas falei. Fiz. Ou melhor, não fiz.

Dei meu primeiro livro publicado como presente para ele. Não deixei de lembrar que também escrevi o bendito livro aos 23 anos. Ou seja, antes de seus 28 anos. Educadamente, ele me pediu uma dedicatória. Com o carro em movimento, meus garranchos ficaram ainda mais assustadores e incompreensíveis. Aí peguei a antiga edição de O Ventre que havia pego emprestado do Saldanha, meu camarada na sala da faculdade, e...

- Eu não vou pedir dedicatória porque o livro não é meu, então não sei se o Saldanha iria querer o livro dele rabiscado...


Eu sei. O leitor deve estar se perguntando se eu fui realmente tão idiota, ou se seria um exagero no texto. Existem exageros que a gente se permite nas crônicas. Talvez aumentar o tamanho do pivete que nos assaltou. Tornar um gol mais bonito do que realmente foi. Infelizmente a idiotice descrita acima aconteceu de verdade. O Saldanha ficou sem a assinatura do imortal por minha causa. Mas vale lembrar que eu não havia dormido à noite por causa do Oscar, dos seios e O Ventre. Experimente virar uma noite às claras e pode me condenar.

A viagem corria animada. Paramos para comer pão com lingüiça em Petrópolis. Cony se mostrava interessado em mim, apesar das minhas asneiras. Em um momento, no meio da serra, um caminhão que levava vários pneus acabou perdendo parte de sua carga e podemos vislumbrar quatro pneus enormes vindo em nossa direção. Parecia jogo do Mário Bros com pneus no lugar dos barris.

O Edílson, sempre muito calmo, diminuiu a velocidade e foi desviando lentamente dos pneus que passavam calmos como se fossem freiras meditando em peregrinação serra abaixo.


- Cuidado aí, Cony. Você é imortal, mas eu não sou! – brinquei.


Ele deu uma sonora gargalhada com sua voz retumbante. Foi uma viagem bem divertida.


(Conclusão na próxima semana)

quinta-feira, agosto 07, 2008

O imortal e eu - parte I

Hábito

O imortal e eu

Um conto de não ficção

Parte I – O porquê

O fato relatado aconteceu há oito anos atrás, no dia 27 de março 2000. Dias antes, no dia 23 de março, Carlos Heitor Cony se tornou um imortal da Academia Brasileira de Letras.

Eu estava no segundo ano da faculdade de comunicação. Tinha entrado de gaiato no diretório acadêmico. Como todo processo democrático, a eleição do DA era uma estrutura viciada. Pegavam calouros empolgados do primeiro período, enchiam com idéias de efeito e pronto. Era fácil ser eleito porque ninguém mais se predispunha a disputar a eleição, afinal, os alunos de outros períodos já sabiam que aquilo não adiantava nada, só tomava tempo.

Mas o fato é que entrei. E comigo entrou Raíssa Abreu. Uma das mulheres mais belas que já vi na vida. A miss Juiz de Fora de 2000 era da minha sala, Carla Arantes, parecia uma escultura fashion de tão bonita, ainda assim, ela não batia Raíssa. Ruiva. Olhos azuis. Corpo de Luma.

Sabe aqueles clichês absurdos de filme de espionagem? Quando colocam uma top model no papel de física nuclear? Ah! Eu nunca engoli Elisabeth Shue como cientista em The Hollow Man e The Saint. Mas Raíssa fazia Elisabeth Shue parecer mulher de fim de baile, que você pega por falta de opção. Ela era a deusa, a rainha, a mulher perfeita. E por um capricho de deus, era genial. Melhor aluna, nota mais alta do vestibular, criatura mais estudiosa. Raíssa era tão irreal quanto a situação que pela qual eu passaria.

Talvez você esteja pensado que o texto a seguir tenha a ver com um romance ou mesmo com uma rejeição envolvendo Raíssa. Nada disso. Mas foi por causa dela e do bendito Diretório Acadêmico que conheci Carlos Heitor Cony.

Eu fui ao Rio de Janeiro

Tinha lançado meu primeiro livro meses antes e viajava para divulgá-lo. Estava na casa de uma amiga, próximo ao Maracanã, quando Raíssa ligou. Falou que o Carlos Heitor Cony respondera as cartas dela e que viria, na segunda-feira à Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora para uma palestra gratuita. Pagaríamos apenas um jantar para ele – conseguido com um patrocinador - e a faculdade pagaria o hotel.

Eu imaginei que Raíssa havia anexado a foto dela ao pedido e, por isso, ele teria feito proposta tão generosa. Mas estávamos em 2000, enviar fotos por e-mail não era comum naquela época. Existem determinadas brechas no espaço tempo em que acontecem tragédias em seqüência. Caem aviões, carros arrastam criancinhas pelas ruas do Rio, pais jogam as filhas pelas janelas. As elásticas leis que regem o universo também devem criar seqüências de coisas boas como uma forma de compensação transdimensional.

Mas onde eu entrava nisso?

Raíssa me pediu para acompanhar o Cony durante os dias em que ele estivesse em Juiz de Fora. “Vocês são escritores, devem se entender bem”, explicou a deusa ruiva com seu sotaque mineiro carregado pelo meu celular.

O único “porém”, é que ele viria na segunda-feira cedo e era para eu estar lá para recebê-lo. “Eu estou no Rio, não vou chegar a tempo”, comentei. “Vai sim, cê dá um jeitim”, replicou.

Dez minutos depois, eu liguei para Raíssa com uma solução inusitada. “Você tem o telefone dele?”. “Tenho”. “Liga e pergunta se ele me daria uma carona para Juiz de Fora”. Dez segundos de silêncio. Ela estava rindo? Chorando? Brava com a minha cara de pau?

“Vou te dar o telefone e cê liga para ele, tá joinha?”.

Bom, eu achei ousadia demais ligar para o imortal. Por sorte havia também o telefone do motorista. Este estava mais no meu nível. Liguei e expliquei a situação. Ele disse que “Seu Cony é uma pessoa boa, sempre disposto a ajudar os outros”. Combinamos que eu deveria estar às sete horas da manhã na casa do Cony, na Lagoa Rodrigo de Freitas. “Se demorar, ele vai embora e te deixa aí”.

Não dormi à noite

Não pela emoção de conhecer o escritor recém imortalizado, mas porque dormi na sala da casa de uma amiga junto com ela e suas irmãs...

Eu explico

Era noite do Oscar 2000. Como bons cinéfilos, armamos a sala como se fosse um acampamento. Colchão de frente para a televisão, eu na poltrona e as meninas deitadas. Vale lembrar que 1999 foi o ano de filmes como O Sexto Sentido, O Clube da Luta, Matrix, Beleza Americana (que levou a estatueta) e até do decepcionante retorno de Star Wars aos cinemas. Era um Oscar sagrado aquele.

Eram três irmãs, três pares de seios que insistiam em fugir das roupas largas. Eu vi o Oscar todo, vi os seios, não dormi, só vi. Mas não ousei abusar da hospitalidade alheia. O acampamento era na sala de estar da casa de uma grande amiga, não no campo de Woodstock. Como não conseguia dormir, peguei o livro do Cony que trouxe comigo para fazer o dever de casa e conhecer melhor o escritor que eu deveria ciceronear. Ironia maior não podia haver, estavam lá na sala, eu, os seios e O Ventre.

Decepção

Mas estava sete horas da manhã na porta da casa de Carlos Heitor Cony. Às sete e dez estava na sala de estar de Carlos Heitor Cony, diante de um prêmio Jabuti que, se não me falha a memória, devia ter sete metros de altura e pesar dezoito toneladas. Minto. Mas era grande o suficiente para dar certeza de que ele não o havia trazido sozinho para casa e que eu seria pego ainda na portaria do prédio se tentasse roubá-lo.

Havia uma estante com alguns livros na sala. Corri para ver os títulos que ele havia de ter em destaque. Sabia que me perguntariam isso na faculdade. Decepção. Havia apenas uma vasta videoteca com óperas e algumas edições de livros dele mesmo. Sua biblioteca não estava ali.

Quando finalmente estava frente-a-frente com o imortal, nova decepção. Havia visto o Cony da tevê antes e em vídeos. Sempre achei que fosse maior do que eu. Encontrei um homem pequeno, quase um anão. Era a descrição exata de Severo, seu protagonista de O Ventre. Apesar da barriguinha que o deixava arredondado, era nitidamente um homem que fora magro a maior parte da vida. Eu fui assim, meu apelido era mapa do Chile. Um magrelo reconhece outro pelo cheiro. Baixo, franzino e narigudo. Nada fazia lembrar o gigante falante da tevê. Era tudo efeito do contra-plongée. Apenas a voz retumbante era a mesma. “Onde está o resto do homem?”, pensei. Mas aquele homenzinho cresceria muito nos próximos três dias.

(Continua)

Outros segredos - Por Leonardo S.


(Continuação de Segredos de Jessie Spiner)

— Clinton Davisson? — quis certificar-se o homem vestido com o uniforme dos correios. — Está encomenda é para você.

Clinton segurou o pacote. Estranhou, pois não esperava nenhuma entrega e nem leu seu nome ali. Alguém rabiscara à caneta sobre a linha do destinatário e o endereço.

— Tem certeza que é para mim.

— Tenho.

— Preciso assinar em algum lugar?

— Não.

— Mesmo? Sempre assino quando recebo uma encomenda. Normalmente é um outro carteiro quem trás. Ele está de férias ou foi transferido?

— Nada sei sobre ele.

Mentira. O carteiro estava jogado em meio aos vários pacotes e cartas na traseira do veículo de entregas, com o pescoço quebrado e apenas de cueca e meias. O restante de seu uniforme era vestido pelo interlocutor de Clinton.

— Tá bom. Obrigado — agradeceu, prestes a fechar a porta.

— Espere! — o homem gritou. — Tenho mais uma coisa para você.

— E o que é?

— Isso! — socou com força o rosto de Clinton, fazendo-o decolar junto com o pacote que não lhe pertencia. Tonto e caído, ainda recebeu um chute nas costas que o fez rolar pelo chão.

— Quem é você? — perguntou assustado. — O que quer comigo?

— Sou um representa da Coca-Cola Company, marca de refrigerante mundialmente famosa e vendida em mais de 140 países — disse de forma mecânica. — Perdoe-me por essa introdução ridícula, mas não posso evitá-la.

O homem fechou a porta e sacou uma pistola com silenciador acoplado.

— Lemos um conto seu, escrito em seu blog no dia 3 de Agosto de 2008, que citava a nossa empresa.

— “O Segredo”? Foi minha filha quem escreveu.

— Covarde! Querendo fugir da responsabilidade?

— Quem é você ? O advogado deles? É assim que processam alguém, apontando-lhe uma arma?

— Como soube?

— Soube do quê?

— Do segredo?

— Que segredo? Aquilo é ficção, cara!

— Não! Aquilo é ficção cara, tão cara que pode fazer desmoronar o nosso império. Vim até aqui evitar a propagação da notícia. Não vai dizer como soube? Tudo bem, isso não muda nossa história. Tenho um final pouco original, mas plenamente satisfatório para mim. Vou matar o protagonista. Vou matá-lo, senhor escritor, em sua própria casa.

— Se vai matar o protagonista, atire na própria cabeça. Sou um coadjuvante. Foi você quem conduziu a história até aqui. Olhe as minhas falas; estou sempre te fazendo perguntas, levantando a bola para você contar a história. Eu quase fechei a porta e o conto teria acabado ali. Você que me socou, dando algum dinamismo a esses diálogos que nunca sairiam do lugar. É o grande responsável pela virada que nos trouxe até o segundo ato. Como assim não é o protagonista?

— Isso não é verdade — envergonhado, coçou a cabeça. Tinhas dúvidas. — Será? Eu sou o protagonista?

— Para mim, está claro. Atira logo na sua cabeça, não é bom ficar mudando o final. Acaba deixando tudo incoerente e dá um trabalho inacreditável na revisão.

— Pilantra! — gritou após uma breve reflexão, quando já apontava a arma para a própria cabeça. — Eu nem tenho um nome, você até sobrenome tem. Portanto, quem é o protagonista?

— É, bom argumento — disse Clinton, que havia se arrastado até o armário.

— O que está fazendo? Tentando abrir a gaveta?

— Não — negou, embora tivesse acabado de abri-la puxando a maçaneta.

— Como não? Você ...

— Olha aqui — Clinton interrompeu. — não estou tentando abrir gaveta nenhuma. Ela está aberta. Já está aberta, entendeu? Como posso tentar abrir o que está aberto?

Confuso, o homem distraiu-se. Aproveitando-se disso, Clinton pegou uma chave de fenda na gaveta e arremessou contra o sujeito, cravando-a em seu pescoço. Para a sua surpresa, o corpo do homem “cuspiu” a chave quase imediatamente, fazendo desaparecer qualquer buraco ou vestígio do ataque.

O homem sorriu.

— Sou um agente Coca-Cola, Clinton. O pouparei das explicações, você conhece o segredo, sabe do que sou feito. Aliás, é por isso que estou aqui. Para eliminá-lo. Agora toma; cada gota vale a pena!

Atirou três vezes.

O sorriso desapareceu de seu rosto quando percebeu que o corpo do atingido também devolvia as balas.

— Como é possível? — questionou perplexo.

— Sou um agente Pepsi — respondeu Clinton tranqüilamente. — Como acha que conheço o segredo de vocês? Ele é semelhante ao nosso. No fundo, somos parecidos, apenas com rótulos diferentes. Somos um mal necessário para o outro. Estamos sempre brigando, envolvidos em disputas. Dessa forma nos fortalecemos. Assim dominamos o mundo. Menos no Oriente Médio, onde eles preferem a Mecca-Cola.

Passaram quase meio minuto encarando-se em silêncio. Então, o homem tomou a iniciativa: largou a arma e caminhou até Clinton. Estendeu a mão para ajudá-lo a se levantar.

— Desculpe. Perdoe-me por invadir sua casa assim.

Clinton estava novamente de pé.

— Tudo bem. Também quero me desculpar por ficar espalhando o segredo de vocês por aí. Foi uma grande sacanagem da minha parte.

— Não tem problema. Ninguém lê seu blog mesmo. Se tivesse feito um vídeo no Youtube, aí sim estaríamos ferrados.

Apertaram as mãos.

— Quer beber algo para comemorar nossa trégua? — Clinton perguntou empolgado.

— Tem cerveja?

— Claro!

E logo estavam brindando e rindo como velhos camaradas. Até que, após seu terceiro gole, o homem fez uma careta e soltou um longo arroto.

— Que cerveja é essa? O gosto na minha garganta, parece até ...

— Refrigerante? Não, é cerveja mesmo. Cerveja Pepsi! — Clinton anunciou triunfante.

— O quê?

— Cerveja Pepsi, bebida secreta e exclusiva para membros do alto escalão da empresa. Tem uma fórmula semelhante a do refrigerante.

O homem desesperou-se.

— Está blefando! Você nem é alguém importante lá.

— Não era. Até nosso serviço de espionagem descobrir que um de vocês viria me pegar. De repente passei a ser peça chave. Afinal, qual é a maneira mais eficiente de assassinar um de nós dois?

— Ingerindo a bebida do concorrente — o homem disse cabisbaixo.

— Exato. Pode imaginar o quanto você será útil para empresa em que trabalho e, especificamente, para a minha carreira? Queremos estudar o seu corpo. Sua autópsia será minha promoção.

Sentindo fraqueza e dificuldade de respirar, o homem admitiu:

— Você me pegou, Clinton.

— Eu sei. Você vai morrer no fim, e não tenho mais dúvidas sobre quem é o protagonista. Garanti o posto nesse terceiro ato.

— Os dois — o homem falou com dificuldade.

— Os dois são protagonistas? Discordo.

— Não. — tossiu. — Os dois vão morrer. Tenho um sistema de defesa que me faz explodir assim que a bebida do concorrente for identificada em meu corpo Vai acontecer a qualquer momento. Por isso não existem agentes duplos no nosso meio. É impossível traí-los.

Clinton arregalou os olhos. Sentiu a mão de seu oponente segurar com força seu braço. Ou escapava do sujeito que tossia sem parar ou entraria em contato direto com vários litros da bebida concorrente prestes a sair do corpo dele.

— Me solte, por favor! — implorou. — Não vê o quanto ficará ridículo se o conto acabar com todos mortos?

— Você tem uma única chance.

— Qual?

— Um final abrupto que interrompa o conto antes da explosão.

domingo, agosto 03, 2008

O segredo - por Jessie Spiner

O Segredo

Mike não exibia aquele sorriso bobo desde que dera seu primeiro beijo. Sua mãe perguntara se ele havia se divertido e tudo que fazia era mostrar o sorriso.

Agora a situação era a mesma. Pois ele sabia o segredo.

Juntos com ele estavam Jane, assistente administrativa da Coca-Cola, e Joe, espião pago pela CIA especialmente para aquela situação. Eles haviam conseguido, pegaram o segredo.

Tudo começou no início do mês, quando Joe, seu primo, batera na porta de sua casa e disse:

- Temos que invadir a Coca-Cola.

Inicialmente, Mike não entendeu. Só após horas de conversa entendeu que seu primo foi contratado pela CIA para roubar o segredo químico da Coca-Cola, já que a assistente administrativa da empresa também era uma espiã enviada para pegar o segredo, e iria ajudá-los. Joe precisava de alguém forte, ágil e de confiança, para ajudá-lo no roubo. “Ora, quem seria mais confiante do que alguém que me ensina a dar ‘hadouken’ no Street Fighter?”, ele argumentou, pedindo para Mike ir. No fim, Mike cedeu.

Foi numa sexta à noite. E, debaixo da roupa preta, o calor infernal de Miami piorava. Estavam do lado de fora do prédio da empresa, quando Jane finalmente apareceu e abriu a porta para eles. Mike se apaixonou por seus longos cabelos ruivos na hora.

- Consegui desligar a câmera da escada oeste, vamos por lá. – disse ela.

- Quantos andares temos que subir?

- Sete. – “Ah, ótimo”, pensou Mike.

Depois de sete andares de bufadas e suor, finalmente chegaram. Setor 16, dizia a porta amarela enferrujada.

Ao abrir a porta, o coração de Mike foi acelerando, e assim que viu a pasta amarela, o tempo parou. Ele iria descobrir o segredo.

A fuga foi mais rápida do que a entrada, mas, por descuido, esqueceram de ligar novamente a câmera da escada oeste. Mas não importava, pois tinham o segredo.

Estavam agora na sala, e sabiam o segredo. Leram a pasta toda, letra por letra, sabiam de tudo. Sabiam da substância J e da substância B, que causava a dependência da coca. Sabiam que coca destruía neurônios. Sabiam que...

- PARADOS! MÃOS NA CABEÇA!

Apareceram, no quarto, cinco homens de óculos escuros e terno Tweed, logo apontando uma 38 Special na cabeça dos três.

- A Pasta. – pediu o homem mais alto e feio do bando, estendendo a mão. Joe, Mike e Jane se entreolharam, como se implorassem um ao outro para não entregar a pasta.

- A PASTA! – repetiu, desta vez dando um chute no joelho de Mike, que caiu no chão urrando de dor.

- Está aqui. – mostrou Jane. O homem alto e feio pegou a pasta e a deixou bem junta de si, como um cão fiel ao dono.

- Vocês três serão presos por roubarem informações da Coca-Cola e entregar para a Pepsi. – disse um outro homem alto e feio, com uma voz mecânica.

- Mas isso é mentira! Não mostramos as informações a ninguém!

O homem da voz mecânica fez cara de ‘quem liga?’ e começou a algemá-los.

E assim foram presos por furto. Mas sabiam o segredo. Sabiam que não viveriam por muito mais tempo, pois aqueles não eram agentes normais. Sabiam que cada molécula do corpo daqueles agentes era feita de pura Coca-Cola. Afinal, eles sabiam o segredo.