sexta-feira, agosto 31, 2018

Beleza Oculta (Collateral Beauty, 2016)


Mais um filme de Will Smith massacrado pela crítica e fracasso de público. Será justo?


Existem alguns filmes que são prejudicados quando você injeta muito dinheiro e expectativa neles. Filmes como Oblivion(2013), por exemplo, que seria uma ótima ficção científica não fosse a necessidade de ter cenas de ação e romance forçado para virar um  “filme do Tom Cruise”. Outro exemplo recente é Passageiros(2016), que funciona maravilhosamente quando é uma ficção cientifica com dilema moral mas vira um desastre quando transformado em filme romântico para ter justificada a presença dos astros Jennifer Lawrence e Chris Pratt.

Aqui, temos um elenco recheado de atores renomados, Will Smith, Hellen Mirren, Keira Knightley, Kate Winslet, Edward Norton, Michela Peña e a direção do mesmo David Frankel de O Diabo Veste Prada e Marley e Eu. Enfim, o filme carrega em si toda banca de filme de Natal, com a promessa de uma mensagem otimista e edificante. O grande mérito, porém, de Beleza Oculta (Collateral
Beauty, 2016) é não cumprir esta promessa. E provavelmente é este mérito a razão de seu total fracasso. Dá para suspeitar que talvez o mérito seja acidental. Parece que queriam mesmo fazer um filme “para cima” sobre um pai que perde a filha de seis anos. Por sorte, não conseguiram. Seria desonesto. O resultado, porém, cumpre a função de “lição de vida” de forma muito mais verdadeira e eficiente. Resumindo, se eu tivesse que aconselhar um filme para quem sofreu uma grande perda, jamais recomendaria A Cabana (The Shack, 2017), mas recomendaria muito Beleza Oculta. Confesso que só insisti em ver por teimosia. A crítica detonou implacavelmente e o público também foi fraco. Entretanto, logo de cara dá para entender que parte do problema do filme foi o trailer e como ele foi vendido. A história nos mostra, Howard Inlet ( Will Smith), que cai em uma depressão monstruosa quando perde sua filha de seis anos (algo muito semelhante ao plot de A Cabana).  Sua falta de vontade e revolta com tudo e com todos começa a levar para o buraco sua firma de publicidade. Seus sócios desesperados se sentem impotentes quando veem a beira da falência e resolvem contratar uma detetive para segui-lo e provar que ele está fora de suas faculdades mentais. Assim, podem ao menos vender a firma e salvar alguma coisa.
A detetive descobre que Howard, como forma de lidar com a dor, envia cartas desaforadas para três elementos do universo: a morte, o tempo e o amor. Os amigos então, resgatam as cartas e contratam três atores para se fazer passar pelos respectivos elementos. Assim, podem talvez possam ajudar Howard e, principalmente, ajudar a si mesmos, provando que ele não anda bem da
cabeça e obriga-lo a vender a firma.
Sim, normalmente eu não dou spoiler, mas o trailer vendia exatamente um filme em que Will Smith escreve cartas para a morte, o amor e o tempo e estes respondem para conversar sobre a vida, o universo e tudo mais, assim, ajuda-lo a superar o trauma. Não, isso na prática não acontece no filme.  Aos 5 minutos de filme a promessa do trailer cai por terra e realmente não me admira que o expectador e os críticos se sintam enganados.
Mas resolvi dar uma chance e ver o filme até o fim. O resultado é que curti muito. Primeiro que a graça está justamente na rima da história. Os atores/elementos contratados conseguem até conversar e, até certo ponto, ajudar Howard.  Mas são os amigos dele quem realmente precisam de ajuda e são eles que vão ser realmente ajudados pela morte, pelo tempo e pelo amor.
Claire(Kate Winslet) se sente velha para ter filhos, pois dedicou sua vida ao trabalho. Essa frustração dela em relação ao Tempo (Jacob Latimore) é muito mais interessante e justificada que com o problema de Howard com o mesmo.
Já With (Edward Norton), o melhor amigo de Howard, traiu a esposa e, com isso, perdeu o casamento e também o amor de sua filha. Assim, é ele quem vai ter que ajustar contas com o Amor (Keira Knightley).
E finalmente, Simon (Micheal Peña) está com um câncer terminal e pronto para ajustar as contas com a Morte (Hellen Miren).
Assim, o filme nos conduz a uma jornada pelos personagens secundários enquanto Will Smith ancora tudo jogando água no chope dos argumentos positivos dos “elementos”. E os seus questionamentos são pertinente em diálogos, no mínimo, inteligentes. Enquanto isso, Howard tenta participar de um grupo de apoio e é lá, com uma amiga, que ele consegue reunir forças para tocar a vida e encarar finalmente a sua trágica realidade.
O filme não é perfeito. Sofre da nova síndrome de Netflix, quando você sai com a impressão de ter visto algo que daria uma ótima primeira temporada de uma boa série, mas que em filme as coisas ficam pouco desenvolvidas. No caso, é fundamental conhecer e simpatizar com os personagens
secundários e entender seus dramas e há pouco tempo para desenvolver isso.
Confesso que só entendi o drama da personagem de Kate Winslet no final. Achei que With seria uma espécie de vilão e Micheal Peña merecia mais tempo em cena. A necessidade de manter o foco em Will Smith a maior parte do tempo prejudica o longa já que, a história dele é apenas a condutora.
A filha de With, Allisson (Kylie Rogers), é ótima atriz, e o drama apresentado por ela é verdadeiro, mas é difícil engolir uma menina de 9 anos falando como uma psicóloga formada de 26 anos. A resolução entre ele e a filha só sai porque o filme não tinha mais tempo.
No final das contas, dá para entender o ranço da crítica, mas não concordo se tratar de um filme desonesto. Beleza Oculta é um filme que tem algo a dizer e traz ótimas interpretações de todo o elenco. Trata de um assunto sério e pesado com responsabilidade, sem apelos religiosos. O elemento metafísico aparece, mas deixa o julgamento ao espectador. Será que são realmente atores? Ou será que o tempo, o amor e a morte realmente estavam ali?
No final, não temos respostas fáceis, mas uma esperança honesta e madura. Se tivesse sido feito com um orçamento apertado e atores desconhecidos, provavelmente seria muito elogiado.



quinta-feira, junho 14, 2018

Eu não sou um homem fácil




Filme francês diverte usando universo invertido entre homens e mulheres



Damien (Vincent Elbaz) é um típico solteirão machista, estilo cafajeste, vaidoso e egocêntrico que trabalha em uma empresa de software. Ele está feliz transando com várias mulheres, dando cantadas na rua, no bar, na livraria, no trabalho, em toda parte. Mas a vida é uma caixinha de surpresas e, numa bela manhã de sol, após conhecer a secretária de seu melhor amigo, Alexandra (Marie-Sophie Ferdane), numa livraria, ele bate a cabeça num poste na rua e desmaia. Ao recobrar a consciência, ele descobre que está em um mundo invertido. Não, não é o de Stranger Things, mas uma sociedade matriarcal em que as funções entre homens e mulheres são invertidas, ou seja, são os homens que precisam “prestar contas à sociedade”, se vestir com roupas apertadas e sexistas. Precisam se depilar, fazer as unhas, usar rosa e flores (lembrei do Menudo, pesquisem no Google sobre do que se trata).

A princípio Damien até gosta da ideia de ser cantado na rua por todas as mulheres. Mas depois o pesadelo vai mostrando seu lado cada vez mais sinistro. Seus pais cobram o fato dele ser solteiro, promíscuo e não ter filhos e acham um absurdo seu discurso sobre como um homem pode ser feliz sem ser casado. No serviço, acaba demitido por “não saber o seu lugar diante da chefe”. O seu melhor amigo, antes um admirado escritor, agora é um passivo, recatado e do lar.

Damien  até que tenta se adaptar ao novo mundo: depila o corpo completamente, pinta as unhas, compra roupas que mostram mais as pernas (depiladas) e consegue um novo emprego, justamente como secretário de Alexandra que, neste mundo é basicamente uma versão feminina dele mesmo, uma colecionadora de homens egocêntrica e que vê em Damien um homem difícil de ser conquistado e, portanto, um prêmio a ser disputado.


Um pouco além de comédia, mas não muito


Escrito e dirigido por Eléonore Pourriat, Eu não sou um homem fácil é uma boa surpresa do Netflix. A produção francesa estreou em junho e pega leve em um tema muito atual, mesmo assim, vale a pena ser visto tanto por homens quanto por mulheres. O entretenimento é garantido principalmente pelas atuações de Vincent Elbaz e Marie-Sophie Ferdane. O primeiro convence como machista que vai se adaptando a nova condição de oprimido e a segunda como uma “mulher cafajeste”.

O filme opta por um caminho mais leve, lembrando muito mais o  constrangedor Do que as mulheres gostam, de 2000, com Mel Gibson, sobre um machista que descobre ter o poder de ler o pensamento das mulheres e passa longe do genial, A Cor da Fúria, de 1995, com John Travolta em um mundo invertido onde os negros são a casta superior e os brancos marginalizados.

O problema é que, o racismo contra negros é algo relativamente novo em termos históricos, datando da época da escravidão há 300 anos e agravado com as teorias eugênicas dos Séculos XIX e XX. A simples inversão dos papeis no filme de 1995 é suficiente para mostrar o absurdo da sociedade e causar incômodo e até, no meu caso, náuseas.

Já a situação da sociedade patriarcal remonta no mínimo uns 100 mil anos e não se restringe ao ser humano. Na verdade, a maioria das espécies de animais possui uma divisão da função entre machos e fêmeas e cada uma com características peculiares que foram, ou não, assimiladas pela raça humana. A simples inversão do papel não resolve o problema e ainda corre o risco de entrar no erro mais comum de pessoas leigas de pensar que o feminismo é apenas o contrário de machismo. (O contrário do machismo é a inteligência, caso alguém não saiba).

Por outro lado, a inversão dos papeis demonstra claramente que o mau-caratismo e a falta de consideração com os sentimentos das outras pessoas não é, infelizmente, apenas uma prorrogativa masculina, mas que a sociedade é mais tolerante com determinados deslizes de caráter de um gênero em detrimento de outro.


Faz rir, faz pensar e faz torcer


Mas se o filme não dá um parecer definitivo sobre as relações de poder entre machos e fêmeas da raça humana, ao menos consegue brincar com os clichês do gênero. E no momento em que fica claro a opção da narrativa por ser uma comédia romântica, confesso que fiquei até aliviado, já que o roteiro vinha se mostrando muito leve para um assunto tão pesado. Quando escolhe ser um estudo superficial, o filme se despe da pretensão de ser um tratado sobre o assunto e deixa claro que quer apenas divertir com um pouco de reflexão.

Neste contexto é fascinante como a direção aproveita os clichês do gênero comédia romântica para brincar e criticar a realidade. Quando Alexandra, por exemplo, percebe que Damien entende realmente de carros, ela começa realmente se apaixonar por ele, afinal, ele não é só um homem superficial preocupado apenas com moda e com a aparência. Ao mesmo tempo, mesmo sabendo e condenando as atitudes canalhas de Alexandra, ele não resiste a dar uma volta no carrão dela. Este momento beira o brilhantismo porque deixa claro que a diretora não vai ser condescendente com ninguém.

A piada sobre os “peitos pequenos” de Alexandra, os quais ela parece querer compensar com carrões e demonstrações de poder, também é digna de aplausos.

Os gays mostrados no mundo invertido também são um ponto alto. Trata-se apenas de homens e mulheres que se vestem de um jeito que a nossa sociedade acharia normal. Mas eles têm que fazer isso em um lugar reservado para não chocar.


Tem hora em que erra, mas tem grandes acertos


O problema maior de Eu não sou um homem fácil está no roteiro preguiçoso. Para começar, a transição para o mundo invertido é feita com Damien batendo a cabeça numa placa de rua. Não se preocupam em dar nenhuma explicação a mais. Tá certo que não precisa, mas a cena é meio broxante. Várias situações propostas como a relação de Damien com os pais não são resolvidas, simplesmente ficam de lado.

No final, fiquei com uma sensação de que, como é uma produção falada em francês e com uma ideia muito original, vai acabar saindo uma versão americana em breve e a história será melhor contada.

E se eu falei do maior problema, o maior mérito do roteiro para mim foi saber terminar a história de maneira coerente, sem cair na pieguice e também sem cair no dramalhão deprimente. Mas para saber o final, você vai ter que ver o filme. E, acredite, este filme merece ser visto!


segunda-feira, maio 07, 2018

Cobra Kai – Série continua a história de Karatê Kid 34 anos depois




Acabei de ver Cobra Kai, continuação direta da trilogia Karatê Kid do recém-falecido diretor, John G. Avildsen. Vi o primeiro filme no cinema em 1984. A produção fez sucesso nos EUA, mas passou batida no Brasil por causa do título “A Hora da Verdade”. Não, não tinha “Karatê Kid” no título nacional do primeiro filme nos cinemas.

O sucesso no Brasil só veio quando passou na Rede Globo em um domingo. Aí sim, alguém teve a lucidez de colocar o título original antes do nacional. Aí, ficou “Karatê Kid – A Hora da Verdade”.

Quando estreou “Karatê Kid 2 – A hora da verdade continua”, faturou alto nos cinemas nacionais também. Com direito ao sucesso da música de Peter Cetera, Glory of Love que chegou a ser indica ao Oscar.

A saga fechou com “Karatê Kid 3 – O Desafio Final”, que foi o mais fraco dos filmes. Com uma história bem surreal e situações de luta que expuseram ainda mais o problema crônico é que Pat Morita nunca ter sido um bom lutador. O filme afundou nas bilheterias e teve péssimas avaliações da crítica.

Depois tentaram ressuscitar a série com um Karatê Kid 4 com a futura oscarizada, Hilary Swank, e fizeram um filme muito, mas muito ruim. Aí veio a ótima refilmagem produzida por Will Smith com seu filho, Jaden Smith, como o jovem que sofre Bullying e Jackie Chan como o mentor. O cenário foi transportado para a China e o filme fez sucesso, mesmo sem o charme do original, mas com personalidade própria.

Agora, é o próprio Will Smith quem também produz, ao lado de Ralph Macchio, esta série que continua diretamente a saga original.

Para quem não sabe, os filmes originais acompanhavam a vida do franzino Daniel Larusso (Ralph Macchio), criado com muita dificuldade pela mãe, Lucille (Randee Heller) - o pai morreu quando ele tinha apenas oito anos. O menino sofre bullyng dos valentões riquinhos da escola porque se envolveu com Ali (Elisabeth Shue) ex-namorada do macho alpha do pedaço, Johnny Lawrence (William Zabka).

A tensão entre o garoto franzino de origem humilde contra os valentões ricos da escola encontra um elemento chave quando o Sr. Miyagi, (Pat Morita que foi indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante pelo papel) zelador do prédio onde Daniel mora com a mãe, se mostra um grande mestre de artes marciais e resolve treiná-lo para enfrentar os valentões, ou o bullying como se diz hoje. O final é arrebatador quando Daniel participa de um torneio de Karatê e vence. Descobrimos que o grande vilão não é Lawrence, mas o seu mestre, Kreese (Martin Kove) dono de uma escola de Karatê chamada Cobra Kai.

Jonny reconhece a coragem e a determinação de Daniel.

Vamos lembrar que John G. Avildsen já havia ganhado o Oscar de melhor diretor por Rocky – O Lutador em 1977 e sabia como ninguém filmar dramas de superação através da luta.



Curiosidade pessoal

Quando escrevi meu primeiro romance, Fáfia – A Copa do Mundo de 2022, entre 1993 e 1995 (lancei em 1999) cheguei a escrever duas linhas brincando com uma possível continuação onde Daniel LaRusso se tornava mestre. Um personagem assistia televisão quando via um comercial de um filme: “Aos Sessenta anos, ele resolve ajudar um rapaz frágil e problemático nas milenares técnicas do Karatê! Ralf Macchio, ele agora é o mestre em KARATÊ OLD - PARTE X!”

Bom, minha profecia se concretizou parcialmente com Cobra Kai. O plot da série é muito melhor que o do filme que imaginei 25 anos atrás.



A história



Cobra Kai mostra a vida e redenção de Johnny Lawrence 34 anos depois da derrota no torneio. Temos a impressão que ele não se recuperou até hoje do chute na cara que levou do Daniel. Trata-se de um homem destruído pelo alcoolismo. Fracassado como pai e profissionalmente falido. O sucesso de Daniel LaRusso em comerciais de tevê, como empresário, só parecem aumentar seu sofrimento e sua sensação de fracasso.

A princípio é difícil enxergar o Johnny do final do primeiro filme como um derrotado. Ele aprendeu a lição e vemos que ele pega o troféu e entrega a Daniel. Mas parando para pensar dois minutos e lembro de muitos amigos e parentes que sucumbiram ao alcoolismo por conta de golpes duros na vida, Johnny perdeu a mãe e é obrigado a conviver com o padrasto idiota. Conheço pessoalmente gente que morreu por conta de alcoolismo.

De certa forma, Johnny Lawrence segue um caminho parecido com o Sr. Miyagi, que, no primeiro filme, também usa o álcool para tentar anestesiar as dores do passado envolvendo a perda de entes queridos.

E é salvando um garoto franzino, Miguel (Xolo Maridueña), de um grupo de valentões da escola que Johnny começa sua escalada rumo à redenção.

Ele reabre a escola Cobra Kai e começa inicialmente a treinar o jovem Miguel que é imigrante equatoriano. Logo vários nerds e “perdedores” da escola se juntam ao grupo de alunos do Cobra Kai. O mais fascinante é como o discurso de “Ataque primeiro”, “Não existe dor neste dojo” e “Não tenha piedade” se ajusta perfeitamente a discussão contemporânea da geração mimimi.

Neste ponto, o roteiro é extremamente inteligente ao lançar ao ar a discussão sem realmente abraçar um lado. Vemos a filosofia de Johnny dando resultados, como Eli (ótima presença de Jacob Bertrand) um jovem traumatizado com as cicatrizes deixadas por uma cirurgia de correção de lábio leporino. Johnny não tem nada de politicamente correto e ensina o jovem a enfrentar a vida agressivamente. O garoto sai, faz um cabelo moicano chamativo e uma tatuagem enorme de falcão nas costas. Depois disso, supera o trauma da cicatriz e arruma até namorada.

Cobra Kai seria uma série bem ao gosto da geração bolsominion se o roteiro não tivesse um contraponto. E é exatamente Daniel LaRusso, agora um bem sucedido empresário com uma franquia de venda de carros. Ele também tem que se virar na luta para ser um bom pai, bom marido e ainda enfrentar a concorrência agressiva.

Ao se deparar com o retorno de Johnny, do Cobra Kay, de descobrir que agora é pai de uma bela adolescente já com o primeiro namorado e dos problemas da vida empresarial, Daniel também começa a assumir uma postura agressiva.



Alertado pela esposa, Amanda (Courtney Henggeler com boa presença) seu comportamento, Daniel volta a treinar Karatê e arruma um pupilo. Não exatamente um jovem frágil e desprotegido, mas justamente Robby Keene (Tanner Buchanan), ninguém menos que o confuso, rebelde e frustrado filho de Johnny Lawrence, que, decepcionado com o pai, resolve provocá-lo indo trabalhar justamente com seu grande rival. Não, Daniel não sabe que Robby é o filho de Johnny e sim, a série usa vários destes artifícios novelescos, mas aqui até que funcionam e funcionam bem. A filha de Daniel, por exemplo, Samantha LaRusso (Mary Mouser), vai acabar namorando justamente o aprendiz de Lawrence, Miguel. E tudo vai ser resolvido novamente no mesmo torneio, que aliás, não mudou a arte gráfica e nada da sua identidade visual mesmo depois de 34 anos.

Mas estes “defeitos” acabam deixando a história ainda mais deliciosa. Johnny e Daniel são dois lados de se encarar o Karatê e a vida. Um mais agressivo, outro mais poético. Ambos os lados parecem caminhar para um equilíbrio. Johnny vai tendo seu arco de crescimento e aprendendo tanto quanto ensina aos seus alunos. Já Daniel percebe que sua vida não é tão perfeita como pensava e por momentos ele quase vira o antagonista da série. Só isso já valeria a pena assistir Cobra Kai.



Mas há também vários outros pontos positivos como as referências, às vezes forçadas, mas sempre hilárias aos anos 80 e 90, como Johnny ainda ter o mesmo carro e às vezes usar até algumas roupas velhas da época do primeiro filme. Ele também afirma não saber o que é Facebook e se irritar ao descobrir que Miguel nunca ouviu falar de Gun’s and Roses. Há boas surpresas como Randee Heller voltando ao papel de Lucille, mãe de Daniel e constantes homenagens e referências aos primeiros filmes, inclusive a inesquecível trilha sonora de Bill Conti! Tudo isso vai deliciar os fãs de Karatê Kid. Já quem não conhece... Bom, quem não conhece?



Mas a grande sacada da série é trazer Johnny Lawrence para o centro das atenções. Como se ele tivesse sido transportado dos anos 80 para cá instantaneamente com uma atuação sensacional de William Zabka que dá ao seu personagem exatamente um equilíbrio entre um cara durão irritado com sua vida e um homem em busca de consertar os erros do passado, mas sem nunca abaixar a cabeça. Ele praticamente não sorri e notamos sua alegria e satisfação com os alunos com um meio sorriso discreto. Tão pouco chora, sua interpretação é sempre contida, como se carregasse o peso dos anos de desilusões daquele jovem arrogante do filme de 1984. Ele também nunca deixa o lado bad-ass para trás. Ao saber que sua aluna é vítima de ciberbullying, Johnny se revolta e comenta que “na minha época, a gente fazia bullying olhando nos olhos da pessoa. Hoje se escondem atrás de um computador, são uns covardes”.

Embora baseado nos personagens e em uma história clássica dos anos 80, Cobra Kai traz a tona uma discussão atual sobre a busca do equilíbrio em uma época em que predomina uma cultura de radicalismo entre preto e branco, esquerda e direita, capitalismo ou comunismo, politicamente correto ou incorreto. Saber se impor, exigir respeito e ao mesmo tempo entender e respeitar o próximo e as diferenças é o grande desafio do mundo contemporâneo, algo muito mais complicado e difícil que vencer um torneio. Basta lembrar que escândalos sexuais já afetam a entrega do prêmio Nobel, desconstroem carreiras no cinema, medalhas olímpicas foram confiscadas por conta de comprovações de doping com conivência do governo russo, enfim, entramos de vez em uma era em que vencer a todo custo não é primordial. Os meios são mais importantes que os fins. Ao mesmo tempo, ainda precisamos nos impor, porque o mundo e nossa sociedade continua sendo implacável com os perdedores.



Agora é ficar na torcida para a série fazer sucesso e trazer novas temporadas. Porque ficou bem claro que a história entre Johnny e Daniel ainda tem muita coisa para nos ensinar e nos divertir.