sexta-feira, setembro 02, 2016

Star Trek Sem fronteiras




A série de tevê Star Trek, que completa 50 anos este mês de setembro de 2016, foi criada por um piloto de avião e policial que resolveu ser roteirista. Gene Roddenberry poderia fazer uma trinca com Antoine de Saint-Exupéry e Richard Bach como meus autores preferidos, todos eles pilotos de avião e com uma inocência e um otimismo que beiram a breguice.  Sim, o universo imaginado por Roddenberry mostra um futuro promissor para a humanidade que deixará não apenas as limitações do planeta Terra como as limitações sociais, políticas, religiosas... O homem transcenderá a fome, a pobreza, as guerras, os preconceitos, as injustiças e se tornará algo mais. Se transformará na tripulação da USS Enterprise, o suprassumo do ser humano: eficiente, determinado, justo, corajoso, conciliador, cheio de compaixão. Não é preciso hesitar nem um segundo para determinar que, de todos os universos criados no século XX, seja a galáxia distante de Star Wars, a Terra-média de O Senhor dos Anéis, Westeros de Game of thrones e até o mundo dos “não trouxas” criado por J.k. Rowling, a Federação dos Planetas Unidos de Star Trek é de longe o de melhor qualidade de vida.

Agora com Star Trek – Beyond temos o mito nerd Simon Pegg como roteirista e o inesperado Justin Lin, um chinês conhecido por ignorar as leis da física em seus filmes em pró de elementos, digamos, hiperdramáticos. Ao contrário de J.J. Abrams, Lin é fã assumido das séries de TV. E não é que ele mostrou realmente uma boa parte da essência da série? Lá estava o clima de amizade, companheirismo e o idealismo. A visão de um futuro onde as guerras se tornam obsoletas e a ciência em seu estado puro triunfam sobre o ego, a ganância, a vaidade.

Como de praxe, muitas homenagens, principalmente ao falecido Leonard Nimoy que geram pelo menos dois momentos de suor nos olhos. Nem mesmo a última série de Star Trek que foi ao ar na TV, a série Enterprise, ficou de fora das homenagens, com direito a uma nave da classe NX. Estas homenagens desta vez foram mais sutis ou mais orgânicas à trama que os momentos forçados do filme anterior que chegou a mostrar Spock gritando “KHANNNN” com a sutileza de um zagueiro da terceira divisão do futebol carioca.

Apesar de tudo, não é o melhor filme dessa “Trilogia do Abrams” (o criador de Lost continua como produtor). O primeiro filme ainda é mais interessante, mas esse é mais equilibrado e realmente lembra um (bom) episódio superproduzido da série de TV. Um problema do filme está no vilão que nunca entendemos direito o que diabos pretende e por que? Como ele conseguiu tamanho poder de fogo e por que resolveu usá-lo só naquela hora? Quem são os ajudantes dele? Outro problema que se repetiu nos três filmes: por que os escudos da Enterprise e da Federação parecem nunca funcionar contra os vilões?

E tem a história: depois de três anos da missão de cinco anos da Enterprise para explorar o espaço profundo, Kirk começa a ficar entediado, chegando a se questionar se era essa mesmo a vida que ele queria para si. Até que, ao atender um pedido de socorro, se depara com um novo e poderoso inimigo que, apesar de não entendermos muito bem o que quer, sabemos que é mal e faz maldades. Presos num planeta desconhecido, sem poder fazer contato com a Federação, nossos heróis tem que usar suas habilidades para evitar que um vilão chamado Krall dê o créu na tripulação da Enterprise e de uma estação espacial próxima.

Além das qualidades já citadas, tem a personagem de Sofia Boutella, Jaylah, uma Bad Ass que rouba cenas no melhor estilo coadjuvantes da Disney salvando a história com altas doses de simpatia e acrescentando boas cenas de luta corporal que, se parar para pensar, sempre foram marcas registradas da série na geração clássica e na nova. A rima (termo muito usado pelo diretor George Lucas para classificar cenas que os personagens parecem voltar a pontos semelhantes durante fases diferentes da jornada do herói) feita pela música Sabotage dos Beastie Boys, conectando com a primeira cena de introdução do jovem James Kirk lá no primeiro filme com a cena de batalha decisiva, foi um dos pontos altos do filme e boas sacadas do diretor, bem como a presença de uma nave da classe NX no filme, sim, quem assistiu a última série de Star Trek a ir ao ar na TV, a polêmica Star Trek: Enterprise, vai entender do que estou falando.

A polêmica mais falada atualmente sobre a sexualidade do piloto Hikaru Sulu foi mostrada de forma eficiente, sutil e respeitosa em duas cenas curtas: uma mostra a foto da filha do personagem ao lado de seu painel de controle e outra em que ele encontra seu parceiro (ponta do co-roteirista Doug Young) e sua filha na estação espacial. Honestamente, para uma série que sempre se notabilizou por lutar por causas polêmicas como o racismo, preconceito, guerra do Vietnã numa época em precisava ter muita coragem para fazer isso nos EUA, a cena foi sutil até demais. O ator George Takei, o Sulu original, gay assumido, declarou que não gostou da homenagem, provavelmente um gesto de pura humildade ou mesmo modéstia. Particularmente achei a homenagem perfeita e totalmente compatível com a utopia de Gene Roddenberry combatendo preconceito com inteligência e elegância.

Com resultado irregular nas bilheterias mundiais, a morte de Leonard Nimoy e a morte prematura do jovem Anton Yelshin, não será surpresa se este terceiro Star Trek encerrar esse ciclo no cinema. Acho que cumpriu bem a função de lembrar ao público atual que existiu Star Trek e uma nave chamada Enterprise. Mas fico no aguardo para que a série retorne à tevê que seu habitat natural e de forma mais moderna e com a força que sempre teve.