sábado, setembro 28, 2019

Diário de um peladeiro XXV - hat-trick na melhor pelada de 2019

Polêmica! Eu fiz 3 ou 4 gols hoje? Eu explico. O quarto gol saiu de uma sobra de dentro da área. O goleiro rebateu e a bola veio lindinha para meu pé direito. Bati de primeira em direção ao gol e o meu comparsa de ataque, o Bahiano (Vitor), ainda tocou nela praticamente em cima da linha e de letra para ficar ainda mais bonito. A torcida – Sim, hoje teve até torcida – falou que o gol era mais meu do que dele. Brincamos então que iríamos esperar a súmula do juiz para ver para quem ele daria o gol. Como quem escreve a bendita crônica aqui sou eu, isso me torna tecnicamente o responsável pela súmula. Então, no melhor estilo Sérgio Moro, vou mandar a imparcialidade para o saco e apitar descaradamente a meu favor. Se o Sérgio Moro pode, eu também posso. Então, sim, foram quatro gols. E vamos combinar, pelas minhas contas o Bahiano deve ter feitos uns 437 gols hoje, além de me dar um belíssimo passe para meu segundo gol. Então, a gente divide. Quatro para mim e 438 para ele. De qualquer forma, pela primeira vez em 2019 que fiz um hat-trick. A primeira vez que me deparei com o termo hat-trick foi em um jogo do Super-nintendo, o International Super star Soccer. Quando um jogador fazia três gols numa partida, aparecia esse hat-trick na tela. Etimologicamente falando, o termo Hat-Trick, ou truque do chapéu, vem dos mágicos que faziam o famoso truque de tirar um coelho da cartola. Na era vitoriana, era comum o mágico tirar três coelhos da cartola e em 1858, o termo foi usado por um jornal num jogo de cricket para descrever a atuação de um jogador que tinha feito muitos pontos. O resto é história. Eu não tinha feito mais de dois gols na mesma pelada este ano ainda. Ano passado foram três peladas em que fiz três gols. Todas no Tupi. Mas quatro acho que não faço desde setembro de 2013. Naquele dia eu fiz cinco e era futebol de salão. Neste período de setembro no qual fiquei sem jogar por conta do departamento médico, entrei para uma academia e tomei um monte de remédio para resolver a questão da dor no púbis, doravante batizada de lesão da virilha. Verifiquei e o termo correto é lesão no púbis, mas toda vez que falo em inflamação no púbis parece que eu sou o feliz proprietário de uma vagina inchada. Então púbis fica sendo virilha. Depois das primeiras duas semanas de adaptação na academia, eu resolvi dar um passo adiante e fiquei a terceira semana sem comer pão e tomar refrigerante. No total, perdi 4 kg em um mês. Na prática, eu perdi o que havia ganho entre junho e agosto. Votei para 89 kg. Eu preciso chegar a 84, mas vou fazer isso com calma. Ainda sem refrigerante e sem pão, mas sem exageros na esteira. Sobre o jogo, foi a minha melhor partida de 2019. Posso citar dois ou três passes errados, mas, tirando isso, foi só alegria. O primeiro gol foi um chute forte cruzado de fora da área, peguei bem na bola e ela fez uma curva linda, voando e pousando no chão, bem longe do goleiro. Depois foi o passe perfeito do Bahiano. O passei veio tão açucarado que fiquei com medo de pegar diabetes, mas peguei foi a bola na corrida no meio de três que chegaram atrasados. O goleiro ainda tocou nela, mas foi em vão. O terceiro foi outra bola que recebi na intermediária, ameacei tocar, mas chutei cruzado. O goleiro nem reagiu. E o quarto foi o polêmico que já mencionei e que vou dividir com o Bahiano. Deu para dar uns dribles, coisa que eu já havia até esquecido como era. Disputar e ganhar algumas bolas no meio de campo, dar passes para pelo menos dois gols e iniciar a jogada de mais uns três. Ganhei até aplausos da torcida que, vamos deixar bem claro, era composta pelo Victor Lamas e mais quase seis pessoas. Consegui correr bem, mas por vários momentos o cansaço pegou e agora com a academia as pernas doem de um jeito diferente. Futebol é uma coisa, esteira é outra. Vai demorar para pegar um bom ritmo de jogo. Mas não tem comparação, não tem coisa melhor que terminar o jogo sem aquela sensação que fui atropelado por um caminhão e depois estuprado por um mastodonte. Ainda mandei uma bola na trave quase do meio de campo. Em determinado momento do jogo veio uma bola pelo alto, lenta e precisa, na entrada da área. Eu estava sozinho, eu com a camisa 14 do Arrascaeta (comprei no Camelô) na entrada da área, de costas para o gol. Logicamente, me veio a vontade de tentar uma bela bicicleta. Estava tudo lá, a posição certa, o vento a favor, a conjunção dos astros alinhada, mas eu tive tempo de pensar e lembrei que mesmo se acertasse a bicicleta e fizesse o gol mais bonito da minha vida, eu teria que saltar, me atirar no ar com as pernas para cima e quando minha bunda aterrissasse novamente em solo brasileiro, haveria 90% de chances de todo o peso do meu corpo cair exatamente no local da minha lesão da coluna. Achei melhor não. Mas dei um belo passe que resultou em quatro ou cinco chutes consecutivos que não acabaram em gol. Melhor assim. Se eu chegar aos 84 kg talvez eu esteja mais disposto a inventar moda. Talvez a melhor lição disso tudo é que valeu a pena o sacrifício de largar pão e refrigerante. Valeu as horas na academia. Quer dizer que sacrifícios valem a pena? Essa é a pergunta que mais me fiz nos últimos anos. É como se rezasse ou orasse para o universo, para controlador da Matrix, talvez até para um deus, seja ele o Jeová dos cristãos, o Olódùmarè dos Yorubás, Brahma dos hindus, Odin dos meus antepassados nórdicos, ou Zeus dos gregos. Perguntei isso em voz alta semana passada imaginando se alguém, alguns deles, me responderia. Não sei quem respondeu, mas não há dúvidas que houve uma resposta clara: um grande “Sim”. E para não haver dúvidas, responderam quatro vezes, sim! Obrigado então, a todos os deuses pela resposta, estejam vocês onde estiverem. Saldo de 2019: 31 jogos 25 gols Clinton Davisson é jornalista, mestre em comunicação, pesquisador, roteirista e escritor. Autor de quatro livros, sendo um deles “Fáfia – A Copa do Mundo de 2022”, que será relançado este ano.