sexta-feira, março 13, 2009

Crepúsculo – versão literária de É o Tcham

Um mergulho na cabeça dos adolescentes com muita cumplicidade

Morando com o pai na pacata cidadezinha de Forks no norte dos Estados Unidos, a jovem Isabella (Bella) conhece o complicado Edward e ambos se apaixonam. O problema é que o rapaz é um vampiro e tem que controlar seus instintos assassinos para não chupar o sangue da menina. Enquanto tenta convencer seu amado a lhe dar uma mordidinha, Bella vai ficar conhecendo como é o mundo dos vampiros “vegetarianos” ou seja, que comem animais por respeitar a vida humana.
Quando ouvi falar pela primeira vez de Stephenie Meyer, havia uma pressa da mídia em comparar a autora norte-americana que é mórmon, com outra evangélica famosa, J.K. Rowling. De fato a série Crepúsculo parece ser uma espécie de Harry Potter para meninas. Alguns elementos são desconfortavelmente parecidos: o elemento fantástico inserido no cotidiano dos jovens, a escola como cenário, o desajuste social e o mergulho em um universo próprio sobrenatural.
Embora o livro seja um sucesso no Brasil, a crítica foi praticamente unânime ao afirmar não só a precariedade literária da obra de Meyer, como o fato do livro ser chato de verdade. Como a minha resenha vem com quase um ano de atraso, resolvi fazer diferente e tentar encontrar o que há de positivo em Crepúsculo. Mas aí necessitamos de uma desmistificação de como funciona o mercado capitalista. Existe sim toda uma indústria cultural que busca dar ao consumidor aquilo que ele quer de maneira mais genérica possível. Mas como o produto “arte” não é tão fácil de produzir quanto um Big Mac, o jeito é sair procurando elementos que se encaixem nos moldes que a indústria precisa. Assim, quando dizem que Crepúsculo foi produzido artificialmente para suprir a demanda deixada pelos fãs de Harry Potter trata-se de uma grande mentira. É como dizer que Ronaldo o fenômeno foi criado em laboratório e não um atleta que passou por “peneiras”, treinos e diversos desafios para chegar onde chegou.
Mas se a única crítica fosse essa, o trabalho de falar bem de Stephenie Meyer seria muito fácil. Mas a maioria das críticas se referem a qualidade da obra. Crepúsculo é uma espécie de versão literária da banda É o Tcham, um conjunto de Axé Music que alcançou um grande sucesso nos anos 90 com tipo de música que ninguém gostava, mas todo mundo ouvia. A razão do sucesso da banda passava longe das Sheillas ou de Carla Perez. Elas só tornavam a banda aceitável para os homens, mas eram as mulheres que lotavam os shows do grupo.
De fato, até hoje, ninguém escuta É o Tcham pelas melodias (?) e pelas letras da música (?), mas pelas coreografias, a dança e o ritmo. No caso, Crepúsculo também afeta as mulheres por elementos diferentes de uma literatura tradicional. Longe de ser um livro perfeito, a história já começa incomodando pelo ritmo de Big brother da narrativa: “dormi”, “acordei”, “tomei café”. Stephenie Meyer teve coragem de escolher fazer uma narração em 1ª pessoa logo em seu primeiro trabalho literário, mas trata-se de uma técnica difícil de ser controlada. Para piorar, dizem que uma boa história precisa de um bom vilão. Mas somente nos capítulos finais do livro somos apresentados a um antagonista e este é extremamente esquisito. Não se explica direito como, onde, nem porque do infeliz ficar obcecado com Isabella, apenas que ele é um “farejador” (ah, bom! Por que não disse logo?) e mais nada.
Ironicamente, o maior trunfo do livro está justamente em seus “problemas”. Primeiro a lengalenga entre Edward e Isabella: o vampiro segue a menina o tempo todo só para dizer que os dois não podem ficar juntos; espera no estacionamento para dizer: “não podemos ficar juntos”; vai ao seu quarto vê-la dormindo e quando ela acorda, diz: “Não podemos ficar juntos”. Inverossímil? Me desculpem os certinhos, mas quem nunca fez isso na adolescência ou mesmo depois de velho, não sabe o que é namorar de verdade. E ler Crepúsculo levanta estas memórias com uma facilidade incrível. Como se Meyer narrasse os passos para a “dança do acasalamento” em nossa cabeça.
A prosa é fluida apesar da predileção da autora por adjetivos grandes e seqüenciais; e os meninos devem se irritar com as constantes descrições do peito e dos braços musculosos de Edward. Mas é justamente nesse paradoxo de sentimentos, atitudes e frustrações que reside a essência de nossa adolescência e que Stephenie Meyer soube capturar de maneira arrebatadora.
Acho que não leria outro exemplar da série com tanta boa vontade, assim como não escutaria uma música de axé só para sonhar com a Claudia Leite. Mas acho que, assim como a dança faz parte da música, Crepúsculo carrega elementos literários que merecem ser estudados de perto, sem preconceitos e exageros pernósticos. Só espero que o contrário também não ocorra e sejamos obrigados a engolir as mesmas fórmulas de Meyer como se fosse um novo padrão a ser seguido na literatura. Isso aconteceu com a música nas rádios dos anos 90 e não fez bem para ninguém.

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