É engraçado falar de superstições. Porque vivemos numa época em que
começaram a desconfiar das pseudociências, como a astrologia, homeopatia,
numerologia, mas elas ainda são levadas a sério, muito a sério. Essas crenças esquisitas
se refugiam nas lacunas entre ciência e religião. E estas lacunas são tão
grandes que cabem teorias absurdas como terraplanismo e criacionismo. Por mais
que as pessoas entrem em estado de negação, a astrologia não é menos absurda
que o terraplanismo e o criacionismo. Sinto muito, mas é verdade.
Mas o assunto “pseudociências” é um troço complexo. Não podemos chamar
astrologia de religião, mas também perdeu o status de ciência, embora eu também
não ache justo esquecer que foram os astrólogos que descobriram os planetas
mais próximos, Mercúrio, Vênus, Marte, Saturno e Júpiter, milhares de anos
atrás. Religiosos foram os primeiros cientistas, os primeiros filósofos. Na
verdade, as fronteiras entre religião, superstição e ciência sempre foram
misturadas.
Na Roma antiga era normal você ir se consultar com um especialista em
ler a sua sorte nas entranhas de um pombo. Na idade média entrar num barco sem tocar
numa ferradura trazia má sorte e podia ser punido com a morte. Sim, muitas
superstições se transformaram em leis. Muitas práticas religiosas vieram de
superstições e, se parar para pensar, o processo de criação de uma superstição
é de observação e constatação. Ou seja, é um elemento embrionário do que viria
a ser o método científico.
Só começaram a se desembaraçar o que religião, do que é superstição e do
que é ciência há pouco tempo. Estranhamente um marco histórico recente no processo
de desatar destes nós foram de mágicos profissionais como Holdini 100 anos
atrás e James Randy nos anos de 1970 e 1980. Ambos se especializaram em desmascarar
“médiuns”. Holdini, conhecido até hoje como um dos maiores mágicos de todos os
tempos, ia nas casas das pessoas para sessões espíritas e usava os
conhecimentos como mágico profissional para revelar as artimanhas dos supostos
médiuns. Isso valeu uma briga feia com ninguém menos que Sir Arthur Conan Doyle
o célebre criador de Sherlock Holmes e que foi um dos grandes propagadores do
espiritismo ou espiritualismo na Inglaterra. Desmascarado publicamente e de
maneira humilhante por Holdini, Doyle rompeu a grande amizade que tinha com o
mágico.
James Randy desmascarou falsos médiuns nos anos 70, principalmente o
famoso Uri Geller. Que hoje se diz apenas um bom mágico. Randy também detonou
mundialmente a homeopatia com uma ajuda involuntária do Programa Fantástico da
Rede Globo.
Não vou entrar no mérito se existem, ou não, médiuns de verdade. Até
porque afirmar isso seria muita prepotência da minha parte. Mas que existem
médiuns charlatões, isso não se discute.
Enfim, Randy foi um dos responsáveis pelo fim da era dos médiuns
charlatões nas tevês americanas e logo depois no Brasil e no resto do mundo.
Randy deu um grande impulso no combate às pseudociências e eu sou um grande fã
dele.
Dito isso, eu confesso contraditoriamente que ainda sou supersticioso em
muitas coisas, sim! Sempre entro em campo com o pé direito, sempre! Sempre que
vejo uma mariposa, acho que vai dar azar, enquanto grilos ou gafanhotos sempre
associo à sorte. Já tive minha fase de acreditar em astrologia quando era
adolescente, hoje não consigo levar isso a sério, afinal, sou cético como todo bom
canceriano...
Este ano criei uma superstição esquisita (como se todas as superstições
minhas e de todas as pessoas do mundo já não fossem): na última semana de
setembro, eu comprei uma camisa do Flamengo no camelô. Afinal, ainda não fiquei
rico com cinema. Quando ficar, eu compro uma camisa oficial do Flamengo.
Comprei a 14 do Arrascaeta. Tanto porque gosto do jogador, como por ser o
número que eu jogava.
Na mesma semana fiz um monte de gol. Saí todo feliz. Mas aí veio o jogo
Flamengo x São Paulo. Claro que vesti a camisa no jogo. E o Flamengo empatou
com o São Paulo no Maracanã.
Desde então, evito jogar com a camisa do Flamengo antes dos jogos do
Flamengo. Vestir a camisa durante o jogo nem pensar. Dá azar para o Flamengo.
Aí, teve um jogo meu, se não me engano, foi 19 de outubro. Só sei que
joguei mal pra burro. E estava com a bendita camisa 14 do magnífico Giorgian De
Arrascaeta. Logo em seguida teve jogo do Flamengo x Grêmio, dia 23 de outubro.
E o resultado foi 5x0.
Pois bem, minha superstição é que se eu jogar mal com a camisa do
Flamengo, dou sorte para o Flamengo. Se jogar bem e fizer gols, dou azar.
Para tentar “quebrar a maldição” cheguei a vestir a camisa no dia do
jogo Flamengo x Vasco. Mas tirei antes do jogo começar porque fiquei com medo. Mesmo
assim, acabou 4x4. Ou seja, superstição confirmada.
Assim sendo, fui - na última terça-feira - jogar com a maldita camisa e
sempre repetindo em minha mente: “Clinton, você é um cara do meio acadêmico. Um
pesquisador. Em pouco tempo vai ter um doutorado. Como pode acreditar que fazer
gols com uma camisa fará com que o universo prejudique o Flamengo?”.
Então foi, desafiando todas as regras, neste ato de rebeldia com o
universo, que entrei em campo na terça-feira com a camisa do Flamengo, número
14, do Arrascaeta, comprada no camelô.
Para meu azar e para sorte do Flamengo, eu joguei muito mal.
Principalmente na primeira metade do jogo. Basta dizer que perdi todas, TODAS
as partidas que disputei. E não foi de propósito, não foi consciente, não foi
pelo Flamengo. Parecia que algo me prendia, mesmo. Claro que, jogar mal, não
significa correr menos. Mas estava totalmente fora de sintonia. Cometi até um
erro primário que foi tentar marcar o goleiro na saída de bola, deixando um
atacante livre. Por conta disso, o time adversário fez um gol.
Acho que só nos últimos 20 minutos do jogo, é que respirei fundo e
tentei me libertar daquela armadilha de achar que não sou merecedor de estar
ali, de que não sou capaz de jogar tão bem quanto os outros e todos aqueles
pensamentos negativos com os quais tenho que lidar na vida e no campo.
No final, me libertei disso e comecei a ser mais ousado. Obriguei o
goleiro a fazer boas defesas, pelo menos duas vezes. Em determinado momento,
peguei a bola e saí driblando, 1, 2, 3, 4 jogadores. Os dribles não foram de
graça. Levei muitos pontapés, inclusive resolvi que, a partir de semana que
vem, não jogo mais sem caneleira. Enfim, me soltei no jogo, mas já era tarde.
Nenhum gol, nenhuma partida vencida. Se depender da superstição, o Flamengo vai
ser campeão no sábado com muitos gols. Se isso acontecer, vou fazer até uma
campanha com os amigos e leitores do Blog que forem flamenguistas para trocar
minha camisa de camelô por uma original. Combinado?
Saldo de 2019:
45 jogos
34 gols
45 jogos
34 gols
Clinton Davisson é jornalista, mestre
em comunicação, pesquisador, cineasta e escritor. Autor da série de livros
Hegemonia e Fáfia – A Copa do Mundo de 2022.
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