Quem é fã de Stranger Things e/ou da recém versão cinematográfica de IT,
vai morrer de inveja, pois aquilo foi minha infância nos anos 80, tirando é
claro, os monstros e os palhaços. Éramos um grupo bem unido. Eu, Ricardo de
Melo, Christiano, Marcelinho, Ricardo “Sabão”, Alisson (meu irmão), Lenielson,
Zé Antônio e, claro, nossa única integrante feminina, Helisiane.
Devo dizer que, apesar do tempo, nós ainda tentamos manter essa ligação
e nos sentimos conectados. Mesmo no caso de quem já morreu, como o Marcelinho, eu
sempre ia visitar seus pais depois que ele morreu e nossa família mantém
contato. Dei o nome do meu filho de Marcelo por homenagem ao Marcelinho. Mas
isso já foi contado aqui.
Também já contei que meus dois professores de futebol foram o Ricardo e
o Christiano. Dois dos melhores jogadores com quem já tive a honra de jogar. Ambos
dois anos mais novos que eu. Ou seja, eu tinha 12 anos e eles 10. Era engraçado.
Mas hoje vamos focar na questão da organização do time infantil do
Moinho de Vento. A marcação dos jogos, a “convocação”, a escolha dos
adversários que iam lá nos enfrentar, volta e meia caia no colo meu e
principalmente do Christiano. Ambos dividíamos a função de jogadores e cartolas
e não tínhamos nem 16 anos na época.
Chegamos inclusive a contratar e demitir dois técnicos: o já falecido
João, um senhor com uma ampla bagagem futebolística e o Márcio “Caboclo”, que
até hoje acho o melhor técnico de futebol que já tive e nunca tive a chance de dizer
o quanto ele me ensinou e o quanto sou grato. E dói saber que, com 16 anos, eu “demiti”
injustamente da função um cara que tinha 26... Coisas de Clinton... Só rindo,
mesmo.
Eu e o Chris tínhamos pensamentos muito diferentes. Acho que por isso
dava certo. Vivíamos em atrito, mas era um atrito produtivo e amigável.
Confiávamos muito um no outro. Mas na hora de marcar os jogos, sempre
discordávamos. Pois, eu acreditava sempre em formar um bom time, chamar caras bons
para completar e fazer isso com antecedência. Já o Chris era fã do “na hora a
gente resolve”. Não tem frase que me irrita mais do que “na hora a gente
resolve”.
Mas não é justo botar a culpa no Chris. Primeiro porque quem tinha o
contato dos jogadores era ele. E nos anos 80 não tinha internet e nem celular. Chamar
jogadores era um trabalho 99% em cima dele e isso incluía ir durante a semana
na casa das pessoas chamar uma criança de 13 anos para jogar futebol e convencer
o pai dessa criança a levá-la num clube que ficava a 20km da cidade. E os
outros membros do grupo não ajudavam muito. Não era muito justo eu cobrar tanto
dele esse trabalho sempre. Mas eu cobrava.
Também tinha o fato dele gostar de ser o protagonista. Ele foi
certamente o melhor jogador com quem já joguei. Lembra muito o jeito do Messi
jogar hoje em dia e bastante do Maradona e do Zico. Para mim, no fundo, ele
achava que resolveria a parada sozinho e o resultado é exatamente o que acontece
com a Argentina do Messi. Pois é, não funcionava.
Faltando meia hora para o jogo, eu tinha que ir com o Marcelinho para o
meio do mato, na fazenda próxima, procurar por crianças que nunca tinha visto
na vida e perguntar se queriam botar uma camisa e jogar futebol para completar
o time.
Lembrando também que o Brasil de 30 anos atrás já era habitado por
brasileiros. Então, a gente convidava antecipadamente vários garotos da região
e, claro, eles não apareciam e a gente tinha que ir na casa deles no meio do
mato para lembrar. Eu penso, “que sorte dos garotos do Stranger Things terem só
monstros para enfrentar...”.
Mas eu carreguei por anos essa dúvida: é melhor armar um time forte para
vencer ou um time fraco para se destacar?
Bom, nesta última terça-feira, quando começou o jogo, vi que o time foi
divido entre coletes vermelhos e coletes verdes. O time de vermelho ficou muito
mais forte e eu fiquei no time de verde. Logo no primeiro passe que dei, a bola
foi para o lugar errado. É uma forma elegante de dizer que errei o passe de
forma ridícula. Foi uma sucessão de erros e derrotas. As regras ali são: a
duração de cada partida é de sete minutos ou dois gols. Eu saía, esperava sete
minutos e entrava. Tomava dois gols em 3 minutos e saía. Comecei a me
questionar novamente se não era melhor deixar o futebol para a galera que sabe
jogar. Que enxerga direito... Que não tem problemas de coordenação... Blá, blá,
blá...
Em determinado momento, esperando meus sete minutos do lado de fora, comecei
um diálogo interno. “Por que você está aqui? Não é para combater a ansiedade?
Não é para aprender a lidar com a depressão?”. Cheguei à conclusão que tenho
que tentar fazer o melhor possível dentro das possibilidades. Fazer o melhor
tem a ver também com tentar me divertir e, se possível, aprender alguma lição
aqui para levar para a vida, além de suar, dar o sangue ali!
Lembrei que foi assim no jogo do Flamengo contra o River Plate na
Libertadores, não foi? Eles viraram o jogo porque acreditaram até o fim. Não seria
legal eu tentar botar em prática isso?
Respirei fundo. Faltavam 15 minutos para acabar o jogo. Entrei determinado
a correr com nunca, a dividir todas, ganhar todas as jogadas. Enfim, entrei com
outra postura! Só que, desta vez, entrei no time de vermelho...
Como estava com a minha sagrada camisa do Flamengo de camelô, não
coloquei colete. Vi que alguns do time falaram para colocar o colete vermelho
por cima da camisa do Flamengo. Mas ela já era vermelha, é meio tradicional na
pelada, quem tá com camisa do Flamengo não precisar usar o colete vermelho.
Sempre foi assim nas nossas peladas, ora pois... Não vi motivo para colocar. Ao
menos não no começo.
Agora no time mais forte, passei a jogar muito melhor. Fiz o primeiro
gol recebendo uma bola na intermediária e tocando rasteiro por baixo do
goleiro. Foi um frango. Escutei alguém falar “Pensei que fosse gol contra”. Mas
estava tão feliz de fazer um gol com a camisa do Flamengo na semana em que o
Flamengo foi Campeão da Libertadores e Campeão Brasileiro que não pensei muito
a respeito. O segundo gol foi um chute lindo de fora da área que pegou no ângulo
esquerdo do goleiro. Sensação de alegria indescritível.
Comecei a ganhar todas as divididas, driblar todo mundo, tudo que um
jogador normal faz e eu não costumava fazer há muito tempo. Mas só quando
recebi o terceiro passe de presente de um adversário que o meu próprio time
chamou atenção para um fato: a minha camisa do Flamengo, para quem não sabe, é
rubro negra, não vermelha, acredita? E naquela iluminação noturna estava sendo
confundida e muito com o colete verde. Meu próprio time estava deixando de
tocar a bola para mim, confundindo as camisas.
Achei uma coisa muito irônica. Porque tenho problemas de visão,
principalmente ao jogar à noite. Por um momento, dei aos meus companheiros de
time e adversários um gostinho de como é ser eu. Pois volta e meia erro passes
por não enxergar direito...
Mas para não deixar dúvidas e não criar mais problemas, vesti o colete
vermelho. Agora, devidamente uniformizado, continuei ganhando todas as divididas,
dando bons passes e fiz mais dois gols. Teve um momento em que driblei uns três
e fiquei de cara para o gol. Poderia ter até passado a bola, mas estava literalmente
de frente para o crime. Chutei, mas a bola não saiu legal e foi para fora. Teve
vários momentos que poderia passar a bola e passei. Teve momentos em que
poderia passar a bola e chutei para gol. Umas bolas entram, outras não. Sim, é
para isso que jogo futebol. Para entender que temos que tomar decisões, arcar
com as consequências e assumir as responsabilidades em cima destas decisões.
Reflexões a parte, uma coisa ficou bem clara: eu joguei bem melhor quando
joguei no time mais forte.
Não sei se isso representa uma vitória na minha discussão com o Chris.
Acho que tudo é relativo. Mas a lição que entendi nesta terça, com meus quatro
gols, é que eu na vida sempre tentei me cercar dos melhores e sempre funcionei
melhor no futebol, nos relacionamentos, na profissão e, enfim, na vida, quando
havia um “time bom” do meu lado e principalmente quando quem estava do meu
lado, jogava para mim e não contra mim.
Desculpe o parágrafo de autoajuda que virá a seguir, mas é inevitável e
necessário.
O problema não é jogar em time mais forte ou mais fraco. O que houve terça-feira
é que, depois que cometi uma série de erros, meu time parou de tocar a bola
para mim e aí, o time se tornou mais fraco de verdade. Quando entrei no time de
vermelho, entrei com outra postura e comecei a receber bolas boas. Ganhei
confiança e comecei a jogar bem. Uma coisa influencia outra. Uma postura firme
e positiva costuma gerar respostas firmes e positivas. Não foi culpa do time de verde, mas um processo autodestrutivo e coletivo que praticamente todo mundo está sujeito. Não deveria acontecer, mas acontece.
Saindo de terça-feira e indo para a vida. Os verdadeiros times ruins são
aqueles que a gente mesmo com atitudes firmes e positivas, recebe de volta
bolas quadradas. Percebi quantas vezes eu já estive em um time ruim de caráter.
De você dar o seu melhor e a pessoa que deveria estar jogando do seu lado, está
contra você. Isso é fácil perceber, quantos casais nós já vimos que não perdem
a oportunidade de desfilar todos os defeitos um do outro em público? Quantos colegas
de trabalho fazem nossa caveira quando damos as costas, às vezes, são pessoas pelas
quais você já comprou briga. Pessoas que você defendeu. Pessoas que você
pensava que eram do seu time, mas na verdade jogavam contra você.
Então, sim, escolher um time forte para jogar contigo na sua vida, é escolher
quem gosta de jogar com você; quem gosta de estar com você; quem gosta de te
elogiar, que se preocupa de verdade contigo. Às vezes, temos que trocar mesmo
de time, mesmo que o jogador seja uma esposa, um marido, um funcionário, um
chefe, ou mesmo um parente.
Então, como fiz quatro gols de novo, agora estou com 38 gols na
temporada. Faltam só dois para alcançar o Gabigol. Vou dar o melhor de mim, garanto
que vou jogar com toda raça, vontade, respeito e lealdade. Esteja em que time
estiver.
Saldo de 2019:
46 jogos
38 gols
46 jogos
38 gols
Clinton Davisson é jornalista, mestre
em comunicação, pesquisador, cineasta e escritor. Autor da série de livros
Hegemonia e Fáfia – A Copa do Mundo de 2022.
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