Acho que 2019 é um daqueles anos de superação. Digo isso porque 2018 o
pior ano da minha vida. Sem sombra de dúvidas. Estas crônicas de peladeiro
representam muito o meu lema para 2019, roubado descaradamente de “Procurando
Nemo”, ou seja, “Continue a nadar”, no meu caso, continue também a jogar.
Entretanto, tem horas que a gente tem que dar um passo para trás para poder
seguir mais firme para frente. A dor no púbis finge que melhora e depois piora.
Confesso que não fui ao médico (de novo) especificamente para tratar sobre isso
porque não me acostumo com os serviços do SUS. É muito constrangedor ir ao
médico e ele te olhar com uma cara como se eu estivesse cometendo um pecado
terrível ao tomar o tempo dele com meu púbis inflamado por futebol enquanto ele
poderia estar salvando um bombeiro que caiu da escada ao salvar um gato, um
policial que fraturou o fêmur perseguindo um terrorista, ou mesmo um tumor cerebral
no secretário da ONU que deverá fazer um discurso que impedirá a terceira
guerra mundial (Para quem não sabe, este é parte do plot dos filmes Viagem
Fantástica e de Fuga de Nova Iorque).
Durante meus “anos de glória do futebol” havia o Eduardo, um português
dono de uma rede de padarias em Barra Mansa. Uma simpatia de pessoa. Me contava
com orgulho que foi patrão do Zinho, ex-Flamengo, Palmeiras e Seleção
Brasileira.
Apesar de simpático, Dudu era terrível com a bola nos pés. Mas até nisso
ele era simpático, porque reconhecia suas limitações. Ficava praticamente
debaixo da trave a espera de uma bola para chutar ao gol. Não sentia nenhum
constrangimento com isso. Estava de boa com a gente e a gente estava de boa com
ele.
Sempre admirei aquela capacidade de aceitar os próprios limites, de
estar ali pelo prazer de estar. Hoje, muitas lesões depois, cá estou eu,
renegado a função do Dudu nas peladas de quinta. É engrado pensar em aceitar os
limites. É exatamente o que preciso fazer, mas, já diria o sábio Jedi, Obi Wan
Kenobi, tudo é uma questão de ponto de vista. Afinal, eu acho que minha limitação
ainda não é ter que ficar embaixo da trave, esperando uma bola sobrar.
Minha limitação talvez seja não ter ainda humildade suficiente para me relegar
a posição do nobre português. Assim, depois de um tempo, parei de fazer a
bendita posição. Saí debaixo da trave e fui buscar jogo. Deu certo.
Não posso dizer que foi exatamente um dia bom. Meus chutes teimaram em ir sempre para o
lado errado. Sempre pegando errado na bola. Inclusive, houve o momento em que a
bola sobrou para mim debaixo da trave e caprichei no chute, peguei errado. Eu
estava a um metro e meio do gol, que estava vazio, e a bola foi para fora. Acertei
alguns passes e dei assistências. Principalmente depois que vim buscar a bola.
Corri muito, o que foi o mais importante.
Bom, isso foi na quinta. Aí, veio o sábado. Outra pelada. Essa deu quase
tudo errado. Um amigo esqueceu de levar a bola e os coletes. Fui buscar uma
bola e uma bomba de encher na secretaria da Faefid. A bola não enchia, a bomba
estava com defeito. Sem coletes, em um dos dias mais frios do ano, dividimos
corajosamente os times em “com camisa” x “sem camisa”.
Com todos os problemas, a Pelada começou com 20 minutos de atraso. Ainda
tivemos duas paradas longas por contusão. Ao menos não fui eu quem se machucou,
se é que isso serve de consolo. Duas pessoas se machucaram em choques. Na segunda
vez, um rapaz se contundiu numa disputa de bola e ficou deitado uns 5 minutos no
gramado sintético. Em um daqueles eventos surreais que teimam em acontecer na
minha vida, enquanto observava de longe o contundido, escutei gritos atrás de
mim. Ouvi: “Massagem! Ele precisa de massagem! Quem quer massagem?”. Me virei e vejo dois homens negros de
aproximadamente 1,80 de altura entrando com camisas de vôlei no gramado
sintético e correndo em direção ao rapaz contundido. Percebi que eram carecas e
lembravam o Sebastian Soul, garoto propaganda da C&A. Se não eram gays,
faziam uma perfeita imitação. Eu ri alto. Fiquei perplexo, pois não sabia se
estavam apenas se divertindo com a situação, se estavam tirando onda com a
nossa cara, se eram realmente entendidos em massagem, talvez estudantes de
ortopedia querendo ajudar, se eram atores. Ficamos realmente sem saber. Até
porque eles deram meia volta e saíram rindo.
Provavelmente estavam apenas se divertindo com nossa cara.
Passado o momento surreal, voltamos ao futebol e no curto período de
tempo que se seguiu, eu continuei chutando para fora. Fui no meio buscar jogadas
e acertei a maioria dos passes. Mas os chutes foram sempre para fora. Percebi
que minha chuteira está rasgada, mas não posso culpá-la pelas bolas mal
direcionadas. Fui para o gol e até que fui bem, apesar de fazer uma jogada esquisita
na qual eu abaixei para pegar a bola e ela passou debaixo da minha perna, isso
acabou tirando completamente o jogador adversário da jogada. Um drible
perfeito. Totalmente involuntário, mas perfeito.
Vale o registro do chute do Pedro, que acredito eu, ser estudante de
medicina. Ele estava com a sagrada camisa do Flamengo e talvez já antecipando as
bençãos de São Arrascaeta, chutou uma bola que foi exatamente no ângulo. Em outros
tempos eu saltaria para trás e tentaria fazer a defesa de mão trocada. Acho que
não adiantaria, mesmo assim. A bola entrou lindamente na “gaveta”. Foi o gol
mais bonito que já tomei...
E assim, resolvi que é hora de parar um pouco para tratar a lesão no púbis.
Não apenas porque em menos de dois meses levei um lençol mais lindo que já
tomei e agora o gol mais bonito, mas porque a lesão não para de doer e pelo que
me informei a respeito, a tendência, caso eu não trate isso, é piorar. Vou ficar
pelo menos um mês em repouso, tomando anti-inflamatório e depois academia. Só
depois eu volto ao meu querido mundo do futebol. Só espero não engordar de novo.
Vou ficar muito pau da vida se isso acontecer. Só de escrever isso, já bate
saudade do futebol.
Saldo de 2019:
29 jogos
20 gols
29 jogos
20 gols
Clinton Davisson é jornalista, mestre
em comunicação, pesquisador, roteirista e escritor. Autor de quatro livros,
sendo um deles “Fáfia – A Copa do Mundo de 2022”, que será relançado este ano.
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