sábado, outubro 05, 2019

Diário de um peladeiro XXVI – Duas peladas sem marcar. Estava bom demais para ser verdade





Eu confesso. Achei que depois do sucesso da pelada de retorno com quatro gols, tudo seria só alegria: gols em profusão, mulheres se oferecendo na saída do jogo, contratos de patrocínio, Real e Barcelona brigando pelo meu passe. Mas a vida... Esta sim é uma caixinha de surpresas. E foram duas peladas seguidas sem marcar gol. E apesar de me sentir muito, mas muito melhor fisicamente por causa da malhação, não virei nenhum atleta de triátlon por causa de apenas um mês de academia. Que surpresa!

Claro que eu saí da droga da dieta durante a semana, dormi mal, estresse bravo porque tive que entregar o projeto da Funalfa e o do Doutorado. Mas não sei se essas são as desculpas apropriadas. Acho que não necessariamente precisa de uma desculpa. Joguei melhor, corri melhor, um dia é do caçador, mas tem dia que o mamute foge.
Mas analisando profundamente – e minha profissão é analisar coisas profundamente, fazer o que? -, ainda tem o fator do efeito Pigmaleão a ser vencido.
Eu explico: para quem não sabe, a culpa maior do racismo ter sobrevivido forte no mundo “civilizado” nos últimos 300 anos tem mais a ver com um erro da própria ciência, que acreditava realmente que a cor de pele e as etnias influenciavam na capacidade mental e do caráter da pessoa.
Mas a vantagem da ciência é que ela demora, mas acaba se corrigindo. Um dos golpes de misericórdia que baniu o racismo do meio científico foi só em 1963, com um estudo dos psicólogos norte-americanos, Robert Rosenthal e Lenore Jacobson. Eles demonstraram o que resolveram batizar de Efeito Pigmaleão. Inspirada no escultor grego, Pigmaleão que se apaixonou por sua própria escultura, Galatea, e pediu a deusa Vênus para dar vida... Tem a ver com o efeito de nossas expectativas e percepção da realidade na maneira como nos relacionamos com ela, como se realinhássemos a realidade de acordo com as nossas expectativas em relação a ela.
Eles fizeram um teste falso de inteligência com um grupo de crianças escolhidas aleatoriamente e MENTIRAM para os professores e para elas apontando um grupo que teria ido muito bem no teste e outro grupo que teria ido mal.
Assim, havia um grupo do qual se esperava muito e outro do qual se esperava pouco. Um ano depois fizeram um teste de verdade e as crianças apontadas aleatoriamente como as mais inteligentes realmente foram melhores nos testes. Isso provou que os professores, achando que aquelas crianças eram “melhores”, dedicaram-se mais a elas, deram mais atenção e incentivo. E as crianças, por sua vez, ganharam confiança porque receberam rótulos de “melhores” na testa. Logicamente quem foi rotulado de pior, acabou indo mal, pois era o que todos esperavam dele.
Isso provou que tratar negros como marginais ou mais propícios ao esporte e trabalhos braçais e brancos como seres mais inteligentes, mais propensos ao serviço intelectual acabava influenciando no comportamento e no destino destes indivíduos.
Enfim, para quem não sabe, ou não lembra, eu parei em 2003 porque machuquei a coluna e só voltei em 2015. Como com os problemas físicos, somados a falta de preparo, é normal que, mesmo melhorando um pouco, os colegas ainda pensem duas, três, quatro, cinco, quarenta e sete vezes, antes de tocarem a bola, mesmo que eu esteja só eu e o gol. Não é culpa deles, eu fiz as contas e a estatística é que eu acertava um a cada 5 chutes ao gol. Então, sim, eu sou do grupo de baixas expectativas no gramado.
Então, agora que o preparo físico está melhor, tenho que arriscar mais e melhorar na parte técnica para fugir do efeito Pigmaleão.
A notícia boa é que não tem nada doendo, estou correndo mais e cansando menos. Eu cansei mais hoje provavelmente porque dormi mal. Mas li três artigos científicos entre meia noite e quatro horas da manhã. Chupa insônia!
Sobre os jogos, até que não fui ruim. Quinta dei até passe de calcanhar cheio de estilo e hoje mandei uma bola na trave e fiz um corta luz bonito em um chute de longe que enganou o goleiro. Não vou reivindicar co-autoria do gol porque, ao contrário do Bahiano semana passada, eu nem encostei na bola. Mas foi uma participação direta.
Então é isso. Futebol continua sendo meu termômetro para ansiedade e sobre como eu me vejo, vejo a minha realidade e minhas expectativas. Talvez esta semana as minhas Galateas tenham sido os projetos para a Funalfa e o Doutorado. Talvez eu tenha gasto tanta energia neles que não sobrou muito para o futebol e este se tornou apenas um ponto de apoio, um ponto para abrandar o estresse e não um objetivo pelo qual eu devesse gastar energia. Sim, na verdade o futebol carrega em seu pacote a alegria de praticar esporte com pessoas legais e neste ponto eu dou muita sorte de estar sempre em boas companhias. Isso é meu combustível, meu agente antiestresse para dar força para outros projetos. Se a deusa Vênus transformar minhas Galateas em realidade já terá valido muito a pena.


 Saldo de 2019:
34 jogos
25 gols
Clinton Davisson é jornalista, mestre em comunicação, pesquisador, roteirista e escritor. Autor da série de livros Hegemonia e Fáfia – A Copa do Mundo de 2022.


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