sábado, agosto 31, 2024

Diário de um peladeiro 2024 – O retorno com autismo e TDAH na bagagem

 Como pode um trabalho feito com tanto carinho, de recuperação e reconstrução que realizei em minha autoestima com tanta esperança entre 2018 e 2020, ser derrubado de um golpe só em janeiro de 2024? A verdade é que, como já dizia o Lito do Youtube, um avião não cai por apenas um motivo. Entre 2022 e 2023 eu caí de cabeça no trabalho e deixei todo o resto em segundo plano, este resto, incluía minha saúde. Por uma série de fatores, que vão desde uma infestação de escorpiões, passando por 3 meses sem poder ficar na minha casa, dormindo em um colchão nada confortável, até uma distensão que demorou meses para sarar, o nível de estresse foi lá em cima. Quando voltei para minha adorável casa, fui informado que havia ali uma infestação de escorpiões amarelos, um dos mais venenosos do mundo. Encontrei escorpião na minha cama, na pia, no chão, na poltrona, em todo lugar.

Voltar lá no começo de tudo

Sem contar que eu estava lidando no trabalho com várias crises na saúde indígena. Dá-lhe viagens para o interior da Amazônia para resolver problemas estruturais de comunicação entre o Governo Brasileiro e os Yanomami. São mais de um milhão de indígenas no Brasil, 34 distritos sanitários de saúde indígena, 70 casas de saúde indígena, 376 polos bases, 1206 Unidades Básicas de Saúde indígena, tudo com dezenas de médicos, enfermeiros, motoristas, todo tipo de profissional, mas para responder as demandas de imprensa de todos os jornalistas do planeta, era só eu. O pior é que eu dava conta... Mas o fato é que começou uma depressão se formando como uma onda daquelas que a gente vê em vídeos no Youtube, que começa a crescer até virar algo monstruoso que parece que vai te engolir. Comecei a falhar, ficava cansado demais e o tempo todo. Acabei ficando sem o meu trabalho e não consegui arrumar outro em Brasília. Neste ponto o estresse e a autoestima foram para o ralo e os ralos de Brasília estavam cheios de escorpiões.

Este ano parei tudo e fui cuidar de mim novamente. Academia e médicos. Esta semana, depois de muitos testes e mais testes, saiu o laudo dizendo que sou autista nível 1 com TDAH. Comecei a estudar o autismo seriamente faz um ano, porque meus filhos são autistas nível 1 também. Como sou pesquisador, imergi na coisa. Não posso explicar os outros níveis de autismo e nem o TDAH, mas o autista nível 1 é uma mistura de X-Men com Superman. Temos o cérebro maior e mais neurônios, de fato somos muito inteligentes. O problema é que ter muito neurônio no cérebro é como uma repartição pública lotada, como tem muita gente, nem todo mundo trabalha e nem sempre de forma organizada. Uma representação do autismo foi feita de maneira belíssima no filme O Homem de Aço, do Zack Sneider. O jovem Clarck Kent sofre com os excessos de seus poderes, super-visão, super olfato, super audição e precisa da sua mãe para acalmá-lo. Esses somos nós, não enxergamos melhor, mas percebemos mais detalhes do que as pessoas normais, meu olfato é tão intenso que dá para saber o que uma vizinha está cozinhando dando uma fungada na janela; se eu foco em uma música que gosto, posso destrinchá-la com meu ouvido absoluto. Tudo para nós é mais intenso, nem sempre conseguimos processar informações, pois recebemos milhares de estímulos de uma só vez.

Nos apaixonamos facilmente porque não há por que se envolver com alguém, sem ser de forma intensa. As separações então, são dolorosas, mas o problema é que muitas vezes, enjoamos muito rápido das pessoas, da rotina, do trabalho. Paradoxalmente, também nos sentimos nervosos quando a rotina que gostamos é interrompida.

Enfim, embora o autismo não seja uma doença, usei a boa e velha receita que havia funcionado antes: academia e futebol. (com acompanhamento e recomendação médica, claro).

Hoje foi a primeira pelada desde Maricá em 2022, meses antes de me mudar para Brasília. Levei as chuteiras ainda cheio de barro maricaense, mas para minha surpresa, era futebol de salão. Soubesse teria levado a minha bola. Último artefato que comprei com meu salário astronômico de pesquisador da Fiocruz. Levo na próxima.

Eu estava com medo. Agora os exames físicos não eram encorajadores, eu tinha tido uma intoxicação alimentar brava na viagem para Brasília. Estava voltando à academia bem devagar.

O nome do time é sugestivo, “Fura Bola futebol clube”, temos até camisa com a nossa mascote, mustela putorius furo, estampada. Demorei a me achar em campo e o time inteiro também. Ao contrário da propaganda enganosa, a galera sabia jogar direitinho. Comecei tentando me movimentar bem, mas logo pedi para ir para o gol por falta de fôlego. Duas bolas bem chutadas e tomei dois frangos. Segunda pelada já me soltei mais no gol e fiz ao menos três boas defesas que perturbaram o time adversário.

Com o tempo voltei para a linha. Dificuldade de dominar a bola. Dei passe para um gol, já achei o suficiente. Depois um companheiro chutou no melhor estilo Branco em 1994 e eu tentei sair da frente no melhor estilo Romário em 1994, só que a bola bateu nas minhas costas e confundiu o goleiro. Embora polêmico, o juiz anotou gol meu na sumula. Houve mais duas chances de chutar, mas peguei muito de peito de pé na bola, algo que facilitou para o goleiro que era bom. Passei a pressionar a saída de bola e deu bons resultados. Em mais um chute, a bola bateu na trave e subiu, quando caiu de novo, pressionei o goleiro e o zagueiro e chutei livre para o gol. Que sensação maravilhosa. Saí comemorando de braços abertos, planando como um beija-flor obeso de 98 kg.

Talvez o grande destaque da pelada tenha sido a simpatia dos outros participantes. Ninguém reclamando, muita gentileza, muita cordialidade. No final todos exibiam um rosto feliz de terem passado um início de sábado em uma atividade saudável. Só fiquei com a impressão de que o mais velho ali devia ter a metade da minha idade. Mas para quem tinha medo de sair dali em uma ambulância, o resultado foi superpositivo.

Agora é continuar jogando e indo na academia enquanto foco no doutorado e artigos científicos. Até o lançamento do livro novo em Macaé, dá para perder ao menos uns 4kg. E começamos assim, mais uma volta por cima. Desta vez, quem sabe, definitiva.

 

Saldo 2024

Jogos 1

Gols 2

Três passes para gols

 

Clinton Davisson Fialho é jornalista, com pós em cultura africana e indígena e mestrado em novas tecnologias de comunicação. Como escritor é autor do clássico Fáfia, o jogador do futuro, do sucesso Hegemonia – Herdeiro de Basten, adotado como paradidático nas escolas do estado do Rio de Janeiro e agora do terror premiado Baluartes – Terra Sombria. Para este ano, deve lançar a prequel, Hegemonia – Vellanda, uma ficção científica sobre uma menina autista.

quinta-feira, dezembro 28, 2023

Ciência x Religião – fuja dos mortos da extrema direita, tema os vivos da extrema esquerda.

 

Existem similaridades irônicas entre o meio acadêmico e alguns princípios religiosos. Os evangélicos costumam usam a expressão “do mundo”, tipo, eu sou músico e já toquei música “do mundo” e agora só toco coisas da igreja.

No meio acadêmico também existe isso, só que, nas igrejas gostam de pensar que tem grandes respostas, além da salvação para a humanidade e devem compartilhar isso com o maior número de pessoas possível, incluindo muita cantoria nos ouvidos dos vizinhos, pregações na rua e por aí vai.



Na academia é o contrário, os eventos são para poucos, as respostas sempre questionadas, a divulgação é mínima e a interação e retenção de conhecimento só são rompidas em troca de muito dinheiro.

Os EUA encontraram uma solução bizarra e cômoda: mantém uma população com um nível educacional baixo e ainda difundem culturalmente que educação demais é exagerado, não é de bom tom. Aí, dão bolsas especiais para os gênios de diversos países para que levem suas pesquisas para a terra do Tio Sam. Assim, mantém uma população com um nível cultural que o governo considera mais dócil.

No Brasil é um pouco diferente. Quem se propõe a ser acadêmico tem alguns mimos e ainda tem a possibilidade de flertar com o grande pote de ouro da nossa sociedade há 300 anos que é os benefícios dos concursos públicos. Mas é importante frisar que uma coisa não é exatamente igual a outra. Quem realmente pode passar no concurso público são os concurseiros, um grupo oriundo da classe média alta que pode dedicar de dois a cinco anos de suas vidas para passar em um concurso e continuar fazendo parte da classe média alta.

A sociedade criou uma dependência dos avanços acadêmicos de forma mais efetiva do que um viciado depende de drogas fortes como a cocaína, o crack ou o Rivotril. E a academia ganha suas migalhas da indústria para produzir mais inovações como computadores mais rápidos, celulares melhores, drones, carros elétricos, etc. Mas eu confesso que preferia que essa relação fosse mais parecida com a das igrejas. Queria ver gente pobre lotando auditórios e pagando dízimo por aulas de biologia, física, ainda que aplicadas ao dia a dia. Já que falam tanto em matérias que sejam mais práticas nas rotinas diárias, que tal filosofia com ênfase na ética? Nada mais útil e transformador para a rotina do brasileiro.

Enfim, parafraseamos Carl Sagan que alertava 40 anos atrás que vivemos numa sociedade que é absolutamente dependente de tecnologia onde 90% das pessoas não entende nada de tecnologia.

Nunca um astronauta vai bater na sua porta perguntando se quer conhecer a palavra de Sir Isaac Newton, mas é bom avisar que já é de conhecimento público que os carros elétricos já vêm com aviso de que, quando apresentam defeitos, são jogados fora por falta de mecânicos que entendam aquela tecnologia.

Do outro lado as igrejas fazem parte dessa intrincada conspiração silenciosa, tentando transformar Darwin em uma espécie de demônio e apelidaram a ética de “ideologia”, um novo palavrão o qual não sabem explicar. Nem cogitam que a religião seja uma ideologia. Nos últimos anos flertaram abertamente e promiscuamente com o fascismo se negando a aceitar que o que faziam era fascismo, “apenas somos contra essas ideologias”, afirmam até hoje.

 Tudo isso se torna tão lamentável quanto desnecessário. Igreja, fé, religião não são elementos naturalmente antagônicos à ciência. Ao contrário, é comum que criações tecnológicas recentes sejam usadas rapidamente por religiosos e arrisco dizer: por que não usar esses elementos para combater o estresse, aumentar a interação presencial, a socialização, ou mesmo uma fuga da realidade necessária. Pois como diria a autora americana Shirley Jackson, “Nenhum organismo vivo pode existir muito tempo com sanidade sob condições de realidade absoluta; até cotovias e gafanhotos, supõem alguns, sonham. ”

O fato é que o meio acadêmico gosta do isolamento, rejeita os divulgadores científicos porque compactua com a exclusão. E assim caminhamos para uma distopia de um apocalipse zumbi como a série The Walking Dead, onde temos que fugir de zumbis que estão mortos, sem capacidade cognitiva, mas ao mesmo tempo temer os vivos, ávidos por neutralizar ou cancelar quem se atreve a expor questionamentos que fujam aos dogmas preestabelecidos. Enquanto isso, a grama está sempre cortada, as casas estão limpas, a gasolina, a comida e a munição nunca acabam, estamos sempre com roupas boas, os cabelos cortados, a barba aparada. E assim a vida segue, sem saber em qual notícia podemos confiar, mas sem perder a pose porque o Instagram tem que estar sempre com um conteúdo atrativo, não necessariamente verdadeiro.

domingo, outubro 22, 2023

"Simplificando com Marcos Machado: Uma Noite de Stand-Up Promete Agitar o Bairro do Brás, em São Paulo"

Marcos Machado, um comediante de destaque na cena do Stand-Up, tem conquistado o público com seu humor perspicaz e crítico. O jovem de São João de Meriti, aos 29 anos, já acumula 9 anos de experiência e aborda temas que vão desde a infância até questões mais sérias, como religião e desigualdade. Além de sua carreira como comediante, Marcos é também um ator com uma década de atuação em peças populares, incluindo "Sítio do Pica-pau Amarelo" e outros sucessos.

Com um histórico impressionante, Marcos Machado foi finalista em 6 competições de comédia, tendo vencido em 4 delas. Em fevereiro de 2022, ele estreou seu espetáculo solo "Simplificando", que tem sido um sucesso em todo o país. Em aproximadamente um ano, mais de 10 mil pessoas já riram com suas piadas no teatro, e nas redes sociais, seu alcance já atingiu milhões de pessoas.

 O talento de Marcos Machado não passou despercebido por celebridades, com Pedro Cardoso, Tatá Werneck, Ferrugem, Buchecha e Dira Paes elogiando seu trabalho. Pedro Cardoso o chamou de "genial", enquanto Tatá Werneck se declarou sua fã, e Ferrugem afirmou que "passa mal" com suas apresentações.

 Recentemente, Marcos Machado foi convidado pelo projeto "Incluir Direito UFMG" para apresentar um Stand-Up aberto ao público em um evento dedicado à consciência negra. O humorista, conhecido por seu sucesso entre o público jovem, aborda temas sensíveis como racismo, religião e desigualdade em suas apresentações. Ele compartilha experiências pessoais de forma engraçada, abordando questões complexas de maneira ácida e mordaz.

 

E o melhor está por vir! Marcos Machado se apresentará ao vivo em São Paulo no dia 27 de outubro, às 20h, no Point do Jamanta, no Bairro do Bras. Uma oportunidade imperdível para rir e refletir com um dos comediantes mais talentosos do país. Não perca essa chance de vivenciar o humor transformador de Marcos Machado em sua própria cidade!

 

Marcos Machado continua a cativar o público com seu humor inteligente e sua abordagem corajosa de questões sociais e preconceitos. Seu sucesso nos palcos e nas redes sociais é uma prova de que o humor pode ser uma ferramenta poderosa para questionar e desafiar normas sociais, levando as pessoas a refletir sobre o mundo ao seu redor.

 

 

Entrevista:

Como foi a sua infância e como ela te influenciou na comédia?

Minha infância, foi difícil, criança preta de comicidade e financeiramente falando não tínhamos nada, mas também não deixei de ser criança, fiz tudo o que uma criança da minha época tinha pra fazer, sonhadora, sonho de ser jogador de Futebol, mas não tive boas oportunidades, a comedia veio atreves do curso de teatro, foi onde eu conheci o humor, e numa apresentação eu fiz um monologo de comédia, o Stand Up, o vídeo da Matemática hoje é um marco na minha carreira por que de fato tenho dificuldades e resolvi falar sobre nos meus shows onde muita gente se identificou e gerou todo esse transtorno positivo na minha carreira.

 

Você explodiu nas redes sociais com o vídeo sobre matemática, mas isto foi resultado também de um processo. Fale um pouco da sua trajetória?

A internet é isso né, ela te dá toda ferramenta pra você se dar bem e mal ao mesmo tempo, a gente que escolhe o que queremos falar, mas temos as consequências e sim ela ajuda muito no processo de criatividade, me ajudou muito também.

 

Como você recebe este reconhecimento do público?

O reconhecimento do público na primeira vez que subi ao palco, foi uma coisa linda que me ganhou, amor à primeira vista, desde então não parei, os temas que abordo são de fatos temas que vivi na minha vida e a comedia me ajudou a poder falar sobre de forma cômica.

 

Como você começou sua carreira na comédia Stand-Up e o que o inspirou a abordar temas leves e críticos em suas apresentações?

O nome do meu show já fala por si só, eu poderia simplesmente desabafar no palco, mas eu preciso fazer todos rirem, então eu pego os temas e tento deixá-lo o mais leve e simples para que o público entenda o que quero passar e ao mesmo tempo rir da situação, é um público que se identifica comigo, que já viveu de tudo um pouco do que eu falo no show onde gera risadas de identificação.

 

Você aborda questões como racismo e desigualdade em seu Stand-Up. Como você equilibra o humor com a sensibilidade desses tópicos, e qual é a reação do público?

Tudo aconteceu muito rápido com o vídeo da Matemática, muita gente chegando e eu de início não sabia como lidar com tudo até mesmo pessoas querendo contratar o show, mas com estudos e amigos me ajudando fui administrando e entendendo o que estava acontecendo, meu público gosta da minha simplicidade e procuro não perder isso nos conteúdos que crio para eles.

 

Você tem uma presença significativa nas redes sociais, com milhares de seguidores. Como as plataformas online impactaram sua carreira e como você mantém seu conteúdo relevante para seu público?

O teatro me ajudou muito no sentido de encarar o público, sou muito tímido, tinha dificuldades para falar em público e isso eu consegui encarar com as técnicas que aprendi no teatro, e a comedia me deu mais liberdade de criações de personagens para as apresentações teatrais.

 

Sabemos que você tem uma apresentação marcada em São Paulo no Point do Jamanta. O que o público pode esperar dessa apresentação e quais são seus planos futuros na comédia Stand-Up?

Dia 27/10 sexta feira, vai ser um show lindo, com tudo que já passei na comedia SP é um palco onde muitos comediantes querem pisar, o público é cativante, receptivo, vai ser um lindo show. E para o futuro quero poder ter estrutura para rodar com esse show pelo Brasil inteiro e quem sabe uma turnê fora do Brasil.

 

terça-feira, outubro 17, 2023

A Cuca vai pegar!

 Novo romance de Clinton Davisson mergulha no lado sombrio das lendas folclóricas do Brasil


Resenha de Jorge Luiz Calife

 

            Nascido em Volta Redonda, Clinton Davisson é um autor muito versátil. Seu primeiro livro “Fáfia e a Copa do Mundo de 2022” imaginava o futuro do futebol em 1999. No ano de 2007 ele produziu a sua obra mais ambiciosa até então, a space opera “Hegemonia – O herdeiro de Basten”, no cenário de um universo fechado, dentro de uma esfera de Dyson. Paralelamente o autor exerceu uma intensa atividade acadêmica, se tornando mestre em Comunicação pela UFJF e se pós-graduando em cultura africana e indígena pela FeMass de Macaé. Seu novo livro “Baluartes – Terra Sombria” é um resultado dessa experiencia. Trocando o mundo da ficção espacial pela fantasia de terror ele nos leva a acompanhar as aventuras de três jovens, caçadores de fantasmas, que desembarcam no Brasil colonial no distante ano de 1780.

Nossos heróis são o português Luís Monteiro, o príncipe africano Akim Shinedu do reino do Daomé

e a índia Jaciara, única sobrevivente da tribo dos Oitacás. Eles são os baluartes, jovens com poderes especiais convocados pela igreja católica para livrar o mundo das assombrações. E sua primeira missão, num vilarejo de Minas Gerais, é enfrentar ninguém menos do que a Cuca. Aquela bruxa mistura de mulher e jacaré que todos aqueles que já tiveram infância conhecem dos episódios do Sítio do Pica Pau Amarelo. Na verdade, ficamos sabendo que esta criatura tem uma origem europeia, como muitos fantasmas brasileiros, e lá no velho continente é chamada de Coca.

A Cuca é malvada e tem muitos poderes. Uma vez, lá no Sítio, ela bebeu uma poção mágica e se transformou na loira Angélica. Seu objetivo era seduzir o inocente Pedrinho, mas o feitiço não deu certo e ela acabou ficando com o Luciano. No romance do Clinton a Cuca do século dezoito é ainda mais perversa e consegue sequestrar todas as crianças do vilarejo de Ibitipoca. Conseguindo a ajuda dos curupiras, aqueles guardiões da floresta da mitologia indígena. Nosso trio de heróis tenta salvar as crianças e acaba caindo em uma armadilha mortífera. Sim, como diz a música, “A Cuca te pega, e pega daqui e pega de lá.

Essa primeira parte do livro é cheia de detalhes sobre os costumes e a vida no Brasil colônia. Na segunda parte voltamos alguns meses no tempo e estamos na universidade de Pavia, onde o grupo começa a se formar, alguns meses antes de viajar para o Brasil. Viajando para Gênova os nossos heróis salvam a vida do músico Amadeus Mozart e da escritora inglesa Mary Wollstonecraft, que no futuro se tornará mãe da criadora do Frankenstein. Esses encontros com personagens históricos, como Tiradentes e Napoleão Bonaparte são outro detalhe pitoresco do livro. O grupo vai parar no sinistro castelo de Montaldeo, onde enfrenta um fantasma assassino.

Um dos personagens mais interessantes é a Jaciara, que tem o poder de ver o futuro. Em certo momento ela fala de “um olho que tudo vê” o que me fez lembrar daquele clássico do filme B, “O Homem dos olhos de raios X” com o Ray Milland.

O resultado é uma narrativa que se lê com prazer e quando termina ficamos querendo mais. Quem sabe um confronto com a Mula Sem Cabeça ou o Saci Pererê. Mas é só esperar. Afinal as aventuras dos Baluartes estão apenas começando.

 

Jorge Luiz Calife é jornalista e autor pertencente à vertente ficção científica “hard”, ou seja, com maior rigor científico, detalhamento e pesquisa. Foi Calife quem sugeriu a Arthur C. Clarke uma sequência para 2001: Uma Odisseia no Espaço, inclusive fora creditado por Clarke em 2010: Uma Odisseia no Espaço 2. Trabalhou também como tradutor de obras importantes da ficção científica no Brasil como Duna de Frank Herbert e Eu, robô de Isaac Asimov.

 

segunda-feira, agosto 28, 2023

Precisamos aprender a conviver com a depressão se quisermos vencê-la

 
Esta semana parei para pensar sobre a minha companheira a Senhora Depressão. Pois, apesar de estar vivendo um momento único em termos de produtividade no trabalho, na vida pessoal e na vida artística. Tem coisas que mantém a depressão por perto. A vida não é o nosso Instagram.

Às vezes, os recursos que usamos para nos proteger e sobreviver nos momentos mais difíceis, são equivalentes a adrenalina que nos impede de sentir a plenitude da dor enquanto estamos “quentes”. Quando tudo esfria, sua respiração volta ao normal, você percebe que passou por assédios morais que vão te traumatizar para sempre porque você não reagiu na hora parte para manter o emprego, parte porque não sabia se defender como hoje, parte... bom, parte para não perder a condição de Réu Primário.


Quando tudo esfria, você percebe que foi real que a casa de seus filhos pegou fogo, que não inventou que sua amiga caiu da moto para debaixo de um carro e morreu destroçada. Que ouviu coisas que achou melhor relevar porque ouviu de alguém que você ama.

Um dia você acorda com cicatrizes abertas e entende que vai demorar um tempo para pararem de doer. É neste momento que se torna imprescindível entender que a recuperação é um processo que pode ser lento, mas, convenhamos, desistir não acelera.

A jornada de superação da depressão é uma estrada repleta de desafios, mas aprender a conviver com essa condição é um passo crucial para conquistar uma vida saudável e significativa. A depressão não é apenas uma batalha a ser vencida, mas também um território a ser explorado e compreendido. Ao abraçar essa perspectiva, é possível desenvolver estratégias eficazes para lidar com os altos e baixos emocionais, promovendo uma sensação duradoura de bem-estar mental.
Educar-se sobre a depressão é empoderador. Quanto mais você entende os sintomas, as causas subjacentes e as opções de tratamento, mais capacitado estará para tomar decisões informadas sobre sua saúde mental. Isso também pode ajudar a normalizar sua experiência, ao perceber que você não está sozinho e que muitas outras pessoas enfrentam desafios semelhantes.

Aprender a conviver com a depressão envolve aceitação, autocompaixão e educação. É fundamental aceitar que a depressão é parte da sua experiência, mas não define quem você é como pessoa. Ao invés de lutar contra esses sentimentos, aceite-os como uma parte temporária e tratável da sua vida. Isso permite que você se liberte do estigma associado à depressão e se concentre em explorar maneiras construtivas de lidar com ela.

terça-feira, junho 20, 2023

Resenha de Baluartes: Terra Sombria

Por Lawrence Gonçalves

Riqueza de informações nos primeiros capítulos. Aparentemente desconexas, demandam seguimento para começar a entender porque são informados tantos detalhes.

As descrições de comportamentos humanos em imagens são convincentes, como se dá ao ilustrar gestos comuns, mas ligeiramente específicos. Por exemplo, o contorno de um cumprimento de Jaciara (longa reverência simpática).

 


Entre os baluartes, clássico conflito de crenças recebe tratamento conciliador em diálogo dentro de uma igreja. Um tanto quanto generosa a providência do autor para explanar a dissolução dessas contradições humanas. Mas, por fim, convence rapidamente, ao equalizar tal simplicidade com saberes pouco triviais que se põem ao conhecimento do leitor. Aliás, outra característica que se observa ao longo da construção é a disposição para o azeitamento das diferenças, num esforço para viabilizar a coesão do grupo de personagens.

 

‘Lembranças’, um dos primeiros capítulos, tem função de revelações. Interessante e cuidadoso, o excerto anuncia sentidos importantes para atiçar o interesse em seguir adiante. Este capítulo tem característica acentuada que também se encontra nos demais, - arremata-se em si mesmo, o que parece ser aspecto contínuo na construção do livro: cada capítulo assemelha-se a um episódio de novela televisiva. Em ‘Lembranças’, há espaço para reminiscências de mais velhos que, como eu, assistiu Sítio do Pica-Pau amarelo e conheceu muito bem a Cuca (Coca, de agora em diante). Ou achava que conhecia. Insinuava-se suficiente, até então, a imaginação de Monteiro Lobato.

 

Diante de ‘A volta dos que não foram’, supõe-se que será enaltecido o teor sombrio da história. No entanto, trata-se de um recurso mnemônico do autor a par de suas vocações temáticas. De fato, o curto capítulo traz boas novas, enquanto ao final outro integrante do folclore nacional integra o enredo de forma assustadora. O ponto alto do sombrio, no entanto, parece concentrar-se no último quadro da trama, em típico cenário de castelo mal-assombrado. De qualquer forma, com perfis menos triviais, Coca, Sacis e Curupiras já preparam o leitor para a atmosfera lúgubre da história, o que imprime à Baluartes sua classificação indicativa básica.

Personagens do folclore nacional recebem projeção sombria e respeitosa no correr da história. Talvez essa reverência associe-se à projeção de Clinton Davisson atualmente. Retomado o olhar para o Brasil, a reconhecida vocação para a valorização das riquezas nacionais personifica a condução do país em 2023. Neste caso, alcançam-se raízes folclóricas e talentos modernos, como o autor, que adiciona ao lúdico e fantástico um aspecto de rigor acadêmico na descrição de fatos e boatos ao longo do enredo.

 

Com o mesmo rigor se estende a abordagem de personagens históricos, estrangeiros ou nacionais. Para não demorar-se muito, basta dizer o quanto é inusitado encontrar Mozart em meio a flechas mágicas, índios canibais e reinados africanos. Adicione-se, sem prenúncio das surpresas que a leitura traz, o trabalhoso tour por épocas históricas contíguas e dimensões paralelas.

Embora os capítulos apresentem uma boa cadência e conclusões provisórias, a obra sustenta pontas soltas. Baluartes tem densidade para seguir. Hoje um desafio maior, visto a limitada prontidão para bullet points, o acompanhamento dos personagens, seus assuntos a serem resolvidos e os propósitos de sua irmandade esotérica promete reavivar uma disposição para expectativas. De fato, apenas assim seria saciado o desejo criado neste primeiro volume. Lugar já menos comum, a leitura de Baluartes põe-nos como que diante da TV, esperando os próximos capítulos da novela. Parabéns, Clinton Davisson!

 

 

Att, Lawrence

segunda-feira, março 13, 2023

Apesar de cansativo, Tudo em todo lugar ao mesmo Tempo explica o mundo polarizado em que vivemos e propõe soluções

Sobre o fato de Tudo em todo lugar ao mesmo tempo ter levado a estatueta de melhor filme, eu posso dizer que se trata de um filme sobre a guerra entre as três gerações: os Baby boomers nascidos dos anos 40 aos 60, a Geração X, nascida dos anos 60 ao final dos 70, e os mileniais do final dos anos 80 para cá. Talvez isso explique o sucesso da produção dos “Daniels”.

Classificado naquela lista de filmes “ame ou odeie”, Tudo em todo lugar ao mesmo tempo, não conseguiu nem meu amor e nem meu ódio.
Como pai de mileniais, acho muito útil. Como comédia, dei ótimas risadas. Como fã da série Ricky & Morty, sei que já vi coisa muito mais inteligente e engraçada sobre o mesmo assunto. Mas como fã de boas atuações, aí fiquei feliz, porque o diferencial do filme é que temos bons atores que dão peso e credibilidade à trama. Ke Huy Quan dá um show mudando constantemente de personalidade, de tímido, para confiante e até para um galã, tudo isso num picar de olhos, sem que a gente duvide disso. Não vemos Ke Huy Quan, atuando, vemos várias pessoas dentro de um corpo. Isso bastaria para pagar o ingresso.
Já Jamie Lee Curtis está hilária, em uma hora ela é literalmente um monstro, na outra vira interesse amoroso de outro universo.
As homenagens a Matrix, Ratatouille e, claro, a Ricky & Morty não são nada sutis. E o filme fica se explicando a cada 15 minutos para não correr o risco de não ser entendido pela galera que está acostumada a ir ao Youtube para entender o final de filmes... da Marvel...
Mas é como serviço de utilidade pública que o filme se justifica, mostrando o conflito de três gerações. Trata-se de algo que é totalmente antenado com que acontece nesta realidade polarizada em que vivemos. Afinal, Michelle Yeoh é uma mãe de meia idade que tem que lidar com o marido sem sal, o pai que a considera um fracasso e a filha que é uma milenial que se sente incompreendida (pleonasmo, todo milenial se sente incompreendido e acha o esforço para compreender alguma coisa algo extremamente doloroso). Ela tem que fazer a ponte entre a geração do pai, que representa os conceitos e preconceitos preguiçosos do século XX, que não consegue entender nem de perto coisas óbvias (do tipo racismo e homofobia são coisas erradas), e a filha com toda a intolerância que os nascidos no século XXI tem com a geração anterior (para os mileniais, o mundo começou neste século e tudo que existia antes era errado e indigno de esforço para ser entendido, com isso, eles justificam um sentimento de eterno e contínuo cancelamento).
Michelle Yeoh representa a azarada geração X, que nasceu entre os anos 60 e 70, que consegue entender (não exatamente concordar, apenas entender de leve) tanto a geração anterior, quanto a posterior e, por isso, é odiada por ambos. Afinal, não vai cancelar os velhos como querem os jovens e nem cancelar os jovens como querem os velhos.
Neste ponto, sim, Tudo em todo lugar ao mesmo tempo tem muito a dizer, tem muito a ser entendido. Não se deixe intimidar pela trama aparentemente complicada pois, como eu já disse, o filme para e se explica a cada 15 minutos. É basicamente uma mãe recrutada por pessoas que têm acesso a um multiverso para impedir que um ser poderoso e rancoroso destrua todos os universos. Esse ser maligno, é claro, é uma versão de sua filha, ou seja, uma milenial que quer acabar com tudo porque acha que isso é mais fácil do que tentar entender o mundo, entender a mãe, entender o avô.
Do outro lado está uma versão do avô que acha que precisa matar a milenial porque, afinal, não tem capacidade para entende-la. Retrato mais fiel do mundo de hoje não há. Por isso levou o Oscar.
Enfim, se você tem filhos que nasceram da década de 90 para cá, principalmente se nasceram neste século, Tudo em todo lugar ao mesmo tempo é obrigatório, mesmo que você ache chato. É um manual de instruções sobre como lidar com mileniais. E acredite, nunca houve uma geração mais complicada de se lidar. Seja um bom pai, seja uma boa mãe e assista, uma, duas, três, quantas vezes for necessário. Não quer dizer que seja um filme bom, não quer dizer que seja ruim. Você não precisa gostar, eu mesmo acho que não gostei. Mas é um filme necessário.

domingo, julho 31, 2022

O recorde do Fliperama e aquele rapaz idiota que apareceu (e sempre aparece)

 

Estava jogando fliperama. Era a primeira metade da década de 80 e fliperamas não ficavam em shoppings, até porque Shoppings não existiam no Brasil fora das capitais e eu estava numa cidade pequena, do interior de Minas Gerais.

Eu devia ser tão novo que minha mãe estava comigo no bendito Fliperama. Sabe o que é engraçado? Eu não tenho certeza se estava jogando Donkey Kong ou Pac Man. Só sei que naquele dia minha mãe comprou muitas fichas, porque era mais barato naquela cidade pequena.

E aí, de tanto jogar, finalmente, pela primeira vez na vida, deixei meu recorde naquela tela de maiores pontuadores. O problema é que não vi isso. Terminei de jogar e dei as costas para a máquina. E falei para minha mãe que já deu. Que queria ir embora.

— Olha lá, Tato! – apontou minha mãe.

Eu já estava na porta do Fliperama quando ela me mostrou que eu tinha colocado um recorde na máquina. Voltei correndo e fui lá tentar descobrir como escrevia meu nome ou minhas iniciais naquela tela enquanto minha mãe comemorava.

Assim que terminei, apareceu um cara surgindo de nada. Faz tanto tempo, mas tanto tempo, que não lembro que idade ele tinha, não lembro se era negro, branco, alto, baixo, magro ou gordo, e quando tento imaginar o rosto dele, lembro no mendigo do filme Cidade dos Sonhos. Com certeza era apenas um garoto, provavelmente bem-vestido, nada a ver com aquele mendigo medonho do filme que vi mais de 20 anos depois no cinema. Mas é assim que minha memória gravou. Talvez porque ele tinha a voz grossa. Não era a de um garoto, mas eu tinha o que? 10? 14 anos? Mas isso não importa, o que importa é o que ele disse:

— Você gosta de colocar seu nome nos recordes, né? – Havia um sarcasmo tão palpável na voz dele, que eu poderia sentir aquilo me abrando, podia sentir o cheio azedo do sarcasmo.

Aí, o cara foi falar com o rapaz que vendia as fichas. Falou com todos que estavam jogando. Só faltou subir na mesa e gritar:

— Ele tá colocando o nome dele no jogo! Não pode!

Eu já estava saindo, minha mãe já estava saindo. Não sei se ela ouviu, mas fomos embora e deixamos o homem reclamando.

Eu entendi na mesma hora, com entendo até hoje. Ele chegou e não me viu jogando. Chegou depois. Ou estava jogando outra coisa. Tudo o que ele viu foi eu vir da ponta do fliperama e colocar meu nome ali no recorde, como se tivesse trapaceado. Para ele, eu estava enganando todo mundo, inclusive a minha mãe.

Aquilo me deixou chateado. Tanto que voltei outros dias lá e joguei até encontrar o cara e fazer novamente o recorde na frente dele, para ele ver que eu não estava mentindo.

— Agora você fez o recorde – disse o mendigo monstro da Cidade dos Sonhos. – Sem jamais admitir que aquele recorde naquele dia era meu.

Eu penso nisso porque aquele foi só o início de uma série de situações em que pessoas desconfiaram, duvidaram e até afirmaram que eu não tinha capacidade, que eu não merecia alguma coisa.

Com o tempo, eu vi que não era só comigo. Que todo mundo já passou por uma situação parecida em que um desavisado resolve que você é ladrão, trapaceiro, corrupto, desonesto, fraco, incompetente, tudo isso baseado em uma observação rasa. Todo mundo já foi julgado dessa forma. E acho que é por isso que eu não lembro o rosto do rapaz. Porque aquilo se tornou para mim uma soma de várias pessoas, um Frankenstein de rostos colados ou sobrepostos. Para quem não sabe, o mendigo monstro de Cidade dos Sonhos é a própria protagonista, ou melhor, a atriz Naomi Watts, coberta de maquiagem de mendigo. Assim como ele representa as minhas dúvidas, meus receios, minhas inseguranças, tanto quanto representa todas as pessoas idiotas que me julgaram de uma forma errada e continuam julgando, julgando e julgando.

Mas assim é a vida. Um movimento constante de ter que provar o seu valor para o mundo, provar que merece estar nele. Provar para pessoas que talvez nem seja más, burras, ou idiotas, elas são apenas um reflexo dos horrores que habitam dentro de nós.

sexta-feira, setembro 24, 2021

E eles foram embora

 


Depois de dois meses, a festa acabou. Os meninos voltaram a morar com a mãe que já está recuperada, graças aos deuses. Durante dois meses eu pude ser pai deles em tempo integral de novo depois de 7 anos. É bem diferente de ver apenas nos finais de semana. É diferente quando você é o responsável por alimentar eles todo dia. Quando você pode ensinar valores como a importância de eles lavarem a louça e passarem um pano no chão todo dia sem precisar pedir.

É diferente quando você propositalmente os enche de comida porque estão em fase de crescimento e você não consegue falar não quando pedem mais um bife, mais dois sanduíches, mais um prato de macarronada. Você faz o possível para deixá-los felizes porque passaram por um incêndio e quase perderam a mãe. Você gasta tudo que tem para que eles esqueçam o trauma. Compra sorvete, compra açaí, compra churros, leva para praia, leva para passear de carro para que não lembrem do incêndio. Compra roupas novas porque perderam muita coisa. Mas eles não reclamam, apenas agradecem. Pedem permissão para poder pegar o chocolate que você comprou para eles, mesmo depois de você dizer que comprou para eles.

O medo pelo excesso de Coca-Cola e aí você compra garrafinhas d’água bonitinhas para incentivar a tomar mais água e fica feliz porque gasta um galão de água mineral por semana, já que Rio das Ostras em geral não tem água encanada, mesmo depois de 20 anos, então você tem sempre que comprar água mineral.

Não tem mais conversas sobre o universo, a vida, política, sobre meninas e como eles vão fazer quando se apaixonarem por alguém. A paciência de ensiná-los a dirigir. Enxugar as lágrimas deles quando estão preocupados com a mãe. Ensinar que não pode gritar com a mãe. Ensinar que, quando acontecer algo errado, que falem comigo. Não precisam resolver sozinhos agora, que vai chegar um dia em que eles terão que resolver tudo sozinhos, mas não agora.

Agora a casa está silenciosa. Eu parto para outro desafio que pode me ajudar a ser um pai melhor para eles. A chance de estar ainda mais presente. Mas para isso, vou ter que me afastar um pouco. E por mais que tenha a confiança na competência da mãe em cuidar deles, sei que a função dela não é ser pai. Eu tenho que fazer a minha parte, custe o que custar.

Agora a casa está silenciosa, mas não completamente. Eu ouço um choro infantil, bem baixinho em alguns momentos. Dá para imaginar uma criança que machucou o joelho e tá fazendo beicinho. Dá para imaginar uma criança que teve arrancado tudo o que era importante. Aí, percebo que o choro é meu. Porque nunca na vida me senti tão sozinho.

domingo, agosto 29, 2021

Reflexões da insônia

 


Quando eu era criança, eu tinha medo de fantasmas. Passei o ensino fundamental todo praticamente sem entrar no banheiro da escola com medo da loura do banheiro. Até em casa eu obrigava meu irmão mais novo a ir ao banheiro comigo com medo de alguma coisa terrível que poderia aparecer. Ia ao banheiro de porta aberta, mas com medo dela se fechar de repente e aquela coisa me pegar.

Hoje na vida adulta eu tenho saudade daqueles fantasmas. Sinto falta deles. Porque ao menos com a presença de um adulto, o fantasma não aparecia. E eles não me atormentavam o dia inteiro, só quando eu ia ao banheiro. Quando adultos os nossos medos são piores e os pesadelos acontecem quando estamos acordados. E as inseguranças nunca, nunca vão embora.

Os medos são diferentes e muito mais assustadores. Medo de não ser bom o suficiente. Medo de não conseguir proteger as pessoas que amamos. Medo de decepcionar as pessoas que amamos. Mas o maior medo é de decepcionar aquela criança que nós fomos algum dia e muitos anos atrás tinha medo de fantasmas, mas acreditava que teria no futuro, uma vida feliz, que seria uma boa pessoa e que mudaria o mundo.

Reflexões da insônia - Rio das Ostras, 30/08/021


Clinton Davisson é jornalista, professor e mestre em Comunicação. Autor de quatro romances, entre eles o sucesso Hegemonia - O Herdeiro de Basten.

 

quarta-feira, março 24, 2021

O Franco Atirador (The Deer Hunter), 1978



25 de dezembro de 1979 / 3h 03min / Drama, Guerra

Direção: Michael Cimino

Elenco: Robert De Niro, Christopher Walken, Meryl Streep e Jo
hn Cazales. 

Título original The Deer Hunter


Um grupo de amigos de uma cidade pequena fazem uma festa de casamento cheia de tensões emocionais, mas com muita alegria e inocência. Dos quatro rapazes presentes, três estão para partir para a Guerra do Vietnã sem ter a menor noção do inferno que os aguarda. Quando voltam todos estão de alguma forma marcados para sempre no corpo e na alma pelo conflito, mesmo quem não foi, não sairá ileso.

Talvez tenham sido as quase três horas de meia de duração que explicam por que nunca vi O Franco Atirador do começo ao fim. Sua montagem costuma dar saltos e a narrativa foge de modelos convencionais o que torna fácil você se perder sobre o que está acontecendo no filme quando você é aquele espectador que passa de vez em quando na sala se o filme está na tevê. Trata-se, enfim, de um filme para ver focado, para se prestar atenção nos detalhes. E se manter focado por três horas e meia é complicado quando se é adolescente. Tenho quase certeza de ter visto o filme com amigos em VHS, mas se vi, eu não tinha estrutura ainda para digerir.

Para mim, sempre foi o “Filme da roleta russa”, porque suas cenas de mais tensão envolvem este mórbido jogo onde se coloca uma bala no tambor de um revólver para depois girar e atirar na própria cabeça para ver se você tem sorte ou se vai morrer.

De fato, o filme influenciou toda uma “moda” que percorreu os anos 80. Eu lembro de notícias de pessoas no Brasil e de fora que morreram “praticando este esporte” na época. E realmente em certo momento O Franco Atirador parece girar em torno de como este jogo afeta os personagens que são obrigados a praticá-lo no campo de prisioneiros no Vietnã como forma de tortura, mas que depois, ao menos um deles, parece desenvolver certo fetiche pela prática.

É um daqueles casos em que nos perguntamos: este filme seria cancelado nos dias de hoje? Resposta: não sei. Não importa.

Mas ontem, finalmente, depois de uma queda de duas horas na internet, resolvi que já era hora de encarar e ver o que este filme tinha de tão bom. Devo confessar que, tanto o tempo de filme, quanto a intensidade das cenas, fazem de O Franco Atirador, um dos filmes de guerra mais imersivos e densos já feitos. Mas o diretor Michael Cimino parece manter a câmara afastada dos atores dando às vezes um ar documental ao filme. Os personagens não exalam nenhuma qualidade ou simpatia que nos faz torcer por eles. São gente comum, mas esquisita o suficiente para mantermos certa distância empática. Como se assistíssemos a um documentário intenso, sobre pessoas reais, mas não há um buraco confortável como um Harry Potter ou um Luke Skywalker do qual podemos assistir ao filme. O fio condutor é Michael, personagem de Robert De Niro, mas ele não é nenhum mar de simpatia. Não é alguém com quem gostaríamos de cruzar o caminho, não é um personagem confortável. E se, só vamos realmente compartilhar seus sentimentos e seu desespero nos minutos finais, isso é parte da genialidade do filme, do roteiro, do diretor e do tremendo ator que é Robert De Niro.

O título original é um caso a parte. Já que O Caçador de Veados causaria certa confusão com os títulos das pornochanchadas brasileiras da década de 70. Piadas a parte, o correto seria o Caçador de Alces, ou O Caçador de Cervos. É bom lembrar que, ao diferente do que acontece no Brasil, os americanos não veem no veado nenhuma conotação homofóbica. Ao contrário, é um dos símbolos mais poderosos de virilidade, sendo sua caça um esporte praticado por nobres e sua carne muito apreciada.

O animal em questão é usado em diversas metáforas na narrativa. Os amigos se reúnem para caçar antes de ir para guerra e logo depois do casamento. E ali, continuamos a entender melhor a personalidade de cada um.  Eles voltam com um alce morto por Michael (Robert De Niro) amarrado na parte da frente do carro. Mais tarde, Michael coloca o Steve ferido também na parte da frente de um carro no meio da guerra. Quando volta a caçar depois da Guerra, Michael se recusa a abater o alce. Como se agora houvesse uma identificação do caçador com a caça, ou porque atirar em outro ser, mesmo que para se alimentar, tenha ganhado outro significado agora.

 A história é centrada em Michael (Robert De Niro) e sua relação com os amigos Stan (John Cazale), Steven (John Savage), Nick (Christopher Walken) e Linda (Maryl Streep). Todos com atuações impecáveis e densas que conseguem nos fazer entender os personagens ao mesmo tempo que nos deixam sempre com uma dúvida do que realmente está acontecendo na cabeça deles.

Ficamos com uma sensação de imprevisibilidade e confusão. No começo, são sonhadores, imaturos e inconsequentes. Logo depois, são jogados na guerra em uma situação de realismo e violência visceral. Em um corte abruto, já estamos no meio da guerra, com atrocidades acontecendo para lá e para cá. Novo corte e Michael, Nick e Steven dividem uma cela de bambu mergulhada em um rio sujo, entre ratos e cadáveres. É quando chegamos a nossa famosa sequência de Roleta Russa que é usada como forma de tortura psicológica pelos vietcongs para com seus prisioneiros.

Michael e Nick conseguem se empoderar daquela tortura de tal maneira a usá-la como forma de escapar do campo de prisioneiros e resgatar Steven. Entretanto, este empoderamento cobra seu preço. Mesmo as balas que o revolver não dispara em suas cabeças, parecem penetrar fundo no seu subconsciente e rasgar suas almas.

Durante a fuga, um helicóptero americano consegue resgatar Nick, mas Michael e Steven caem do veículo o que acaba deixando Steven paraplégico.

Michael volta para casa e reencontra Linda. Mas tem dificuldades de se adaptar a antiga vida. Os dois tentam manter um romance, mas Michael não esquece a guerra e quer saber onde estão os amigos. Ele parece ter se tornado a personificação do veterano de guerra totalmente desprovido de emoções ou ilusões em relação a guerra. Mesmo assim, ele vai a todos os lugares vestindo seu uniforme e exibindo suas medalhas, provas concretas e palpáveis de um orgulho que ele mesmo não parece sentir. Como se elas camuflassem todos os horrores e traumas que passou.

Michael vai buscar Steven que se recusa a voltar agora sem pernas, preferindo ficar no hospital. Mas descobrem que uma grande quantidade de dinheiro chega regularmente para ele vindo de algum lugar do Vietnã. Michael, então, deduz que o dinheiro vem de Nick e volta ao Vietnã para buscá-lo. O desfecho é brutal, com Nick se “profissionalizando” como um “atleta” da Roleta Russa. Ele não consegue reconhecer Michael apesar de seus apelos e em uma tentativa desesperada, Michael aceita jogar mais uma vez com Nick na esperança de tirá-lo daquele transe e trazer ele de volta para casa.

Dedo na ferida

Além de um filme poderoso, O Franco Atirador foi lançado em 1978, apenas três anos após o fim da Guerra do Vietnã. Chegando na hora certa de mostrar os estragos psicológicos e físicos que a guerra havia causado na sociedade norte-americana, algo que, hoje, em 2021 ainda dói no imaginário coletivo desta sociedade. Até então, os filmes de guerra celebravam a bravura, o heroísmo e o triunfo daquela sociedade. A guerra do Vietnã já era criticada duramente na mídia em outras obras, como M.a.s.h (filme e série de tevê que se passavam na guerra da Guerra da Coreia, mas claramente faziam alusões ao Vietnã). Mas a crueza visceral de O Franco Atirador abriu caminhos para obras que se permitiram ser mais violentas e perturbadoras. Até então, morrer e perder a perna por seu país era retratado no cinema como uma grande honra. Veteranos eram heróis. Agora, se questionava: o que a nação havia feito por aqueles heróis? Fora o grande conflito travado em campos midiáticos na época questionando a legitimidade daquela guerra e o tratamento dado aos veteranos.

Mais do que questionador, O Franco Atirador é um soco no estômago que funciona tanto como estudo de personagem, filme político, ação e, claro, filme de guerra. As atuações também não ficam atrás. Vemos Robert De Niro, Christopher Walken e Maryl Streep no melhor de sua forma.

Não é à toa ganhou os Oscar de melhor filme, diretor, edição, som e melhor ator coadjuvante para Christopher Walken numa das melhores atuações da sua vida.

Digno de nota, foi o último filme de John Cazale, então marido de Maryl Streep, que estava com câncer terminal durante as filmagens, portanto suas cenas foram filmadas antes. Robert DeNiro – reza a lenda – peitou os produtores que queriam tirar o moribundo ator do filme. Alguns dizem que pagou o cachê de Cazales do próprio bolso. De Niro, nega. Cazales morreu antes do filme estourar como grande sucesso. Ao todo, o ator fez pouco mais de 5 filmes, mas todos indicados a mais de 42 prêmios. Todos indicados ao Oscar, sendo três deles vendedores.

Sim, até nos bastidores, O Franco Atirador é visceral.

Talvez por isso, eu não tenha digerido o filme nas dezenas de tentativas de ver na adolescência. Talvez tenha visto, mas não tenha digerido completamente. Me faltava ter passado por experiências semelhantes aos dos personagens. Eu ainda estava no paraíso e pouco, ou nada, sabia do que era o inferno. Ainda não tinha tido uma arma apontada para a minha cabeça, muito menos visto gente morrendo... (sou jornalista, só para esclarecer).

Assim, temos um filme sobre seres humanos que saem do paraíso para terem seus corpos e almas dilacerados no inferno para, depois, descobrir que voltaram para uma espécie de purgatório desconfortável e ao qual precisam se readapatar. 

O fato é que na vida todos nós temos um pouco daqueles caçadores de alce. Começamos a vida cheia de ilusões, desejos e nos sentimos invencíveis. E em algum momento, a vida nos rasga, nos dilacera e temos que passar o resto dos nossos dias carregando e tentando superar essas marcas no nosso corpo e em nossas almas.

Uma obra que andava esquecida, mas que merece estar no patamar de outros clássicos que precisam ser vistos e revistos várias vezes. Fica a dica! Mas se prepare, porque machuca.

 

Clinton Davisson Fialho é jornalista, escritor, roteirista e vai voltar para a academia depois da pandemia. É formado em jornalismo, tem pós em cultura africana e indígena e mestrado em narrativa em novas tecnologias. Publicou quatro livros mas o quinto está no forno.

 

 

 

 

 

quinta-feira, janeiro 14, 2021

Antes que ela vá, 2017 de Matheus Benites

Drama juvenil minimalista passeia pelas ansiedades do amor

 

Um casal adolescente típico da Barra da Tijuca, região nobre do Rio de Janeiro, vive um namoro tranquilo até que ela anuncia que em seis meses irá se mudar para a França. Diante do conflito e das inseguranças que envolvem a situação, eles tentam levar a coisa da maneira mais saudável possível, mas ninguém é perfeito.



Que pensou em white people problems, está certo. São jovens brancos héteros, bonitos e com situação financeira confortável. Entretanto, apesar da saudável e necessária abertura que o cinema mundial e principalmente o Hollywoodiano vem dando a filmes que abordam problemas de minorias, é sempre bom saber que há espaço para todos. O Brasil não é só miséria, fome e violência. O rótulo de “filme de um casalzinho adolescente burguês” pode até se encaixar perfeitamente no filme de Matheus Benites, mas não o desqualifica como obra e nem ofusca seus méritos que são muitos.

O jovem diretor realizou a produção juntando R$ 12 mil com campanhas de Financiamento coletivo e fez um filme sensível, com ótimos diálogos, boas interpretações e que aborda um tema universal: a natureza dos relacionamentos humanos.

Embora os protagonistas interpretados por Gabriel Antunes e Maria Clara Parente sejam adolescentes, a natureza dos temas abordados: ciúmes, fidelidade, inseguranças, sexualidade, preocupação com o futuro, são inerentes a pessoas de todas as idades. Quem pensa o contrário deveria furar a bolha e prestar atenção em relacionamentos de idosos por exemplo. Vai por mim, meus pais fizeram Bodas de Ouro ano passado...

O filme lembra um pouco a trilogia Before de Richard Linklater, que mostra o relacionamento de um casal durante fases distintas separados por nove anos, sendo que cada filme foi produzido nove anos depois do outro. Fica aí a sugestão para o diretor de juntar o casal de atores daqui a dois ou três anos, quem sabe?

Com apenas dois atores em cena na sua uma hora e dez minutos de duração, o filme se sustenta nos diálogos naturalistas e na química do casal de atores. Sabemos que, ao se mudar para a França, a relação deles fatalmente irá se alterar e, provavelmente, vai acabar. Cada um deles está lidando com isso internamente e transmite para o outro o que seria a ponta do iceberg de seus dilemas, suas angústias e suas resoluções.

Com diálogos aparentemente banais, vamos entendendo a visão de mundo de cada um. As semelhanças e diferenças vão aparecendo. A química do jovem casal é impressionante. Gabriel Antunes e Maria Clara Parente fazem uma interpretação naturalista e provavelmente trouxeram para o texto experiências pessoais, tanto que estão ambos creditados no roteiro, algo muito semelhante ao trabalho de Linklater na trilogia Before.

O filme não é livre de problemas. A pobreza da produção pode ser vista principalmente na fraca captação de som que torna difícil, às vezes, entender o que os atores estão falando, principalmente na cena de abertura na praia. Ficamos sentindo uma falta de um desfecho mais consistente no terceiro ato. A impressão que se tem é que cenas importantes foram perdidas e a edição teve que se virar nos trinta depois.

Em compensação a fotografia é sempre criativa, tem ideias sempre inventivas para não deixar um filme de diálogos algo totalmente estativo e maçante.

O resultado é um filme sobre adolescentes que sai do lugar comum e nos convida a conhecer quase em tempo real, algumas horas de dois personagens com os quais nos identificamos e nos envolvemos.  “Antes que ela vá” consegue nos passar um pouco da angústia de quem sabe que seu romance tem data marcada para acabar. Aprendemos com eles que aquilo não é o fim do mundo e que eles devem aproveitar aquilo de bom que sua relação tem enquanto podem. Assim, através de dois adolescentes, entendemos que todos os romances de certa forma também são assim, a vida é assim. Não posso dizer com certeza se esta era a intenção do diretor, mas fica a dica de um filme que consegue nos passar uma mensagem profunda sem soberba, sem pretensões e de maneira leve. Agora é torcer para que o casal aproveite o tempo que vão ter juntos. É o mesmo que todos nós deveríamos fazer.

 

Clinton Davisson é jornalista e escritor, pós-graduado em educação e mestre em comunicação e doutorando em comunicação. Autor de quatro livros, entre eles, a premiado Hegemonia – O Herdeiro de Basten.


quarta-feira, dezembro 23, 2020

Cedo ou tarde, o negacionismo da ciência vai cobrar seu preço

Segunda edição ampliada do sucesso literário, vencedor do prêmio Nautilus e finalista do prêmio Portugal Telecom de Literatura.


Orgulhosos de sua supremacia militar e cultural sobre as outras civilizações da galáxia, os disonianos se autodenominaram A Hegemonia. 


Seu império e sua cultura, entretanto, estão ruindo lentamente e seus cidadãos migram em massa para a realidade virtual em busca de um mundo onde não há frustrações, nem tristeza. Neste cenário, o jovem estudante Ron Schowlen compra um diário neural e começa a gravar seus pensamentos e sua rotina na capital da Hegemonia; até que uma decepção o faz abandonar tudo e voltar, depois de dez anos, para Elôh, seu planeta natal. Lá ele vai ter que reencontrar seus irmãos, Shodan e Dúnia, soberanos do reino de Basten. A tensão entre os três só é quebrada pelo pedido de ajuda de uma tribo distante de marsupiais cuja vila está sendo invadida pelos agressivos dragões vermelhos. Durante a viagem pelo cenário grandioso do planeta Elôh, com seu anel de fogo e suas aberrações gravitacionais, Ron vai conhecer melhor a economia e a cultura de um mundo cheio de contrastes sociais e diversidades religiosas. Enquanto se preparam para a derradeira batalha contra os dragões, Ron e seus irmãos vão descobrir que, nos domínios da Hegemonia, nem tudo é o que parece e a verdade pode ser algo muito mais terrível do que nosso pior pesadelo.


Compre aqui

segunda-feira, dezembro 07, 2020

Diário de um peladeiro 2020 – 3 – Apocalipse now

Reunidos em campo depois de seis anos

Realizando o sonho

Domingo, 6 de dezembro de 2020.

Eu comecei a escrever esta parte três logo em fevereiro, mas só voltei a jogar no final de novembro. Não foi exatamente uma pelada. Ainda estamos respeitando e muito o isolamento social imposto pela pandemia do Covid-19, mas eu e meus gêmeos achamos uma quadra vazia e jogamos nós três sozinhos. Era meio-dia e não tinha ninguém nem na praça para assistir e foi o jogo mais esperado dos últimos anos. Melhor que a final da Libertadores.

Veja bem, este diário tinha o objetivo de levar um pouco dos sentimentos que a gente confronta na vida e a metáfora que eu sempre consigo ver com o que acontece dentro daquelas quatro linhas. Descobri que isso era útil para outras pessoas também. Dizem que o xadrez é o jogo da vida. Bom, o futebol é um xadrez com 11 peças para cada lado ao invés de 16 do xadrez. Claro, o futebol que eu jogo são apenas seis peças de cada lado. E com essas peças podemos simular estratégias de vida, ações, atitudes. Dá para saber mais sobre uma pessoa vendo-a jogar que conversando. O estilo de jogo, as atitudes, dizem muito sobre a pessoa. No meu caso, como já falei muitas vezes neste blog, existe a ansiedade. A mesma ansiedade que não me deixa dormir também costuma me atrapalhar a jogar. Afinal, quando você tem uma bola nos pés e poucos segundos para decidir o que fazer com ela, seu controle sobre a ansiedade é testado ao máximo. Lembrando que, do outro lado, há outras pessoas que querem tomar a sua bola e no seu time há pessoas que têm opiniões distintas sobre o que você deve fazer, como deve agir.

Parte da ansiedade vinha de ficar longe de duas pessoas que sempre foram diretamente afetadas pelas minhas atitudes dentro do campo da vida. Dois meninos gêmeos que agora estão tendo sua despedida da infância e virando adolescentes.

Quando eram mais novos, eu aproveitava a varanda grande do prédio para ensinar eles a jogar futebol. Eles não são exatamente craques. Puxaram o pai. Mas há esperança para eles ainda.

Desde junho eu estou de volta a Macaé, novamente perto deles e, depois de 6 longos anos, conseguimos jogar de futebol de novo. Jogamos em Macaé, na quadra pública do bairro Mirante da Lagoa. Um bairro que eu adoro. E depois de tantos anos sonhando com isso, lá estavam eles, meus filhos em campo, jogando comigo. Desajeitados com a bola, mas felizes como o pai, curtindo cada momento. É como se toda a felicidade do mundo, toda a esperança, tudo o que vale a pena neste mundo estivesse ali, representado naquelas duas pessoas. 

Parecia um sonho. Eles estavam lá de novo, depois de 6 anos, jogando bola comigo. E eu sabia que desta vez eu não acordaria. Não era um sonho, era o fim de um pesadelo.

Comprei a bola um mês antes, ela estava meio vazia. Claro que comprei também uma bomba para encher, claro que ela não funcionou. Mas jogamos assim mesmo. Fizemos cruzamentos, chutes de longe, passes.

Não contei direito, mas na hora que “era para valer” fiz cinco gols. Depois catei, depois cruzei. A bola não estava ideal, mas quem se importa. Eles estavam ali, de verdade. Não era mais um daqueles sonhos em que eu acordava chorando. Em que eu os abraçava durante o sonho para ver se conseguia trazer eles comigo para o mundo real. Não, desta vez, era tudo verdade.

A quadra também tinha cesta de basquete e usamos para treinar uns arremessos. Lembrando que minha última partida de basquete na vida em Volta Redonda no Recreio do Trabalhador e, com certeza, tem mais de 30 anos. Eles levam mais jeito para basquete que para futebol. Ensinei o que eu lembrava. Adoraram ver eu passar a bola pelas costas.

Enfim, talvez não seja o meu melhor texto. Mas foi um dos dias mais felizes da minha vida. E talvez a pelada mais importante do ano. E estes cinco gols, jogados apenas com duas crianças em uma quadra de Macaé valeram mais que os outros 20.

Como o coronavírus ficou mais intenso nos últimos dias, combinamos de não jogar de novo este ano. Então, encerramos aqui o diário de um peladeiro de 2020. Vamos ver o que acontece em 2021...

 

Saldo de 2020

11 jogos

25 gols

15 pontos no basquete

Clinton Davisson é jornalista, pós-graduado em educação e mestre em comunicação. Autor de quatro livros, entre eles, a premiado Hegemonia – O Herdeiro de Basten.

quarta-feira, junho 17, 2020

O Silva e o "novo normal"

Em tempos de mudar de cidade no meio da pandemia, tento me adaptar ao novo normal. Fui na casa de uma amiga mas não entrei para tomar café, conversamos na esquina tentando manter aquela distância, sempre de máscara.
Mas de repente, não mais que de repente, surge o Silva (vamos chamá-lo assim para não expor a pessoa) vendendo paçocas de máscara às 22h.

Acho que umas 200 pessoas já me contaram a mesma história na rua. Ele pedia ajuda porque estava desempregado e o filho não tinha jantando ainda. Ele não ia voltar para casa enquanto não tivesse jantar. Minha amiga foi em casa pegar dinheiro para o jantar da casa do Silva. Não sei por que exatamente, mas acreditamos nele imediatamente.

Enquanto ela foi em casa, sentei no meio fio para conversar com Silva.
Negro, aparentava ser mais novo que eu, mas não muito. Visivelmente em estado de choque. Era motorista de ônibus e estava desempregado por causa da crise. Não conseguiu o auxílio emergencial. Não conseguiu auxílio do governo municipal. Evangélico, deu com a porta na cara das trocentas igrejas que existem em Macaé. Diz que pediu ajuda no mercado e as pessoas riram dele.

Acho que não fosse a sensibilidade da minha amiga, eu também o teria confundido Silva com aqueles caras que pedem dinheiro para alimentar os filhos mas na verdade... Bom, você sabe do que estou falando.

Silva disse que até os traficantes estão se organizando nas favelas para não deixar o povo passar fome. Mas o fato é que ele não mora na favela.

Falam tanto de um "Novo Normal", mas o fato é que um pai de família desesperado para sustentar os filhos ainda é o mesmo normal.
Olhei o contraste entre hoje ser um dos dias mais felizes de 2020 para mim e provavelmente era um dos dias mais tristes na vida do Silva. Lembrei que já estive ali naquele lugar e me dei conta da quantidade de gente que está exatamente ali agora e estava também antes da pandemia.

Coincidentemente, parte do meu trabalho hoje foi justamente pesquisar como algumas cidades como Maricá-RJ conseguiram lidar com a crise, manter em 1% a taxa de desemprego durante a pandemia, manter os leitos com apenas 30% de ocupação com medidas simples. Com a Prefeitura estabelecendo parcerias com empresas, oferecendo benefícios para não haver demissões, buscando proteger os cidadãos não por caridade, mas porque isso ameniza a crise e as contas públicas.

Mas aí, vem o Silva para me trazer à realidade. De Macaé, de Petrópolis, de Juiz de Fora, do Brasil.
Nos tempos de jornalista policial, amigos da polícia militar, uma das classes mais desvalorizadas do RJ, me ensinaram um termo respeitoso que usariam para definir Silva: "Trabalhador". Sim, é uma palavra simples, mas carregada de significados dos quais predomina o RESPEITO.
Mas que respeito estamos tendo com o Silva, TRABALHADOR, que se propôs a não voltar para casa sem jantar para seu filho? Que diabos de "Novo Normal" é este?

Que porcaria de mundo é esse em que o Estado e a Sociedade deixa um indivíduo como Silva desamparado, humilhado, desesperado.

Muitos criticam o isolamento justamente por ser "coisa de rico". E quem não pode ficar isolado, como o Silva? Mas aí é que separamos o joio do trigo, ou melhor, a observação superficial do terraplanista do olhar científico. O ser humano é um animal social. Vivemos em sociedade porque somos mais fortes juntos. Pois o conceito de mais forte e o mais fraco em termos de raça humana é variável. Podemos ser fortes em um aspecto e fracos em outro. Vivendo em sociedade porque assim unimos nossas forças e compensamos nossas fraquezas.

Nestes aspecto, sim, estamos falhando como sociedade, estamos falhando como espécie. Silva me fez entender finalmente a carta deixada por Flavio Migliaccio. Realmente a humanidade não deu certo.





Clinton Davisson é jornalista e escritor, pós-graduado em educação e mestre em comunicação e doutorando da UFJF. Autor de quatro livros, entre eles, a premiado Hegemonia – O Herdeiro de Basten.