quarta-feira, março 24, 2021

O Franco Atirador (The Deer Hunter), 1978



25 de dezembro de 1979 / 3h 03min / Drama, Guerra

Direção: Michael Cimino

Elenco: Robert De Niro, Christopher Walken, Meryl Streep e Jo
hn Cazales. 

Título original The Deer Hunter


Um grupo de amigos de uma cidade pequena fazem uma festa de casamento cheia de tensões emocionais, mas com muita alegria e inocência. Dos quatro rapazes presentes, três estão para partir para a Guerra do Vietnã sem ter a menor noção do inferno que os aguarda. Quando voltam todos estão de alguma forma marcados para sempre no corpo e na alma pelo conflito, mesmo quem não foi, não sairá ileso.

Talvez tenham sido as quase três horas de meia de duração que explicam por que nunca vi O Franco Atirador do começo ao fim. Sua montagem costuma dar saltos e a narrativa foge de modelos convencionais o que torna fácil você se perder sobre o que está acontecendo no filme quando você é aquele espectador que passa de vez em quando na sala se o filme está na tevê. Trata-se, enfim, de um filme para ver focado, para se prestar atenção nos detalhes. E se manter focado por três horas e meia é complicado quando se é adolescente. Tenho quase certeza de ter visto o filme com amigos em VHS, mas se vi, eu não tinha estrutura ainda para digerir.

Para mim, sempre foi o “Filme da roleta russa”, porque suas cenas de mais tensão envolvem este mórbido jogo onde se coloca uma bala no tambor de um revólver para depois girar e atirar na própria cabeça para ver se você tem sorte ou se vai morrer.

De fato, o filme influenciou toda uma “moda” que percorreu os anos 80. Eu lembro de notícias de pessoas no Brasil e de fora que morreram “praticando este esporte” na época. E realmente em certo momento O Franco Atirador parece girar em torno de como este jogo afeta os personagens que são obrigados a praticá-lo no campo de prisioneiros no Vietnã como forma de tortura, mas que depois, ao menos um deles, parece desenvolver certo fetiche pela prática.

É um daqueles casos em que nos perguntamos: este filme seria cancelado nos dias de hoje? Resposta: não sei. Não importa.

Mas ontem, finalmente, depois de uma queda de duas horas na internet, resolvi que já era hora de encarar e ver o que este filme tinha de tão bom. Devo confessar que, tanto o tempo de filme, quanto a intensidade das cenas, fazem de O Franco Atirador, um dos filmes de guerra mais imersivos e densos já feitos. Mas o diretor Michael Cimino parece manter a câmara afastada dos atores dando às vezes um ar documental ao filme. Os personagens não exalam nenhuma qualidade ou simpatia que nos faz torcer por eles. São gente comum, mas esquisita o suficiente para mantermos certa distância empática. Como se assistíssemos a um documentário intenso, sobre pessoas reais, mas não há um buraco confortável como um Harry Potter ou um Luke Skywalker do qual podemos assistir ao filme. O fio condutor é Michael, personagem de Robert De Niro, mas ele não é nenhum mar de simpatia. Não é alguém com quem gostaríamos de cruzar o caminho, não é um personagem confortável. E se, só vamos realmente compartilhar seus sentimentos e seu desespero nos minutos finais, isso é parte da genialidade do filme, do roteiro, do diretor e do tremendo ator que é Robert De Niro.

O título original é um caso a parte. Já que O Caçador de Veados causaria certa confusão com os títulos das pornochanchadas brasileiras da década de 70. Piadas a parte, o correto seria o Caçador de Alces, ou O Caçador de Cervos. É bom lembrar que, ao diferente do que acontece no Brasil, os americanos não veem no veado nenhuma conotação homofóbica. Ao contrário, é um dos símbolos mais poderosos de virilidade, sendo sua caça um esporte praticado por nobres e sua carne muito apreciada.

O animal em questão é usado em diversas metáforas na narrativa. Os amigos se reúnem para caçar antes de ir para guerra e logo depois do casamento. E ali, continuamos a entender melhor a personalidade de cada um.  Eles voltam com um alce morto por Michael (Robert De Niro) amarrado na parte da frente do carro. Mais tarde, Michael coloca o Steve ferido também na parte da frente de um carro no meio da guerra. Quando volta a caçar depois da Guerra, Michael se recusa a abater o alce. Como se agora houvesse uma identificação do caçador com a caça, ou porque atirar em outro ser, mesmo que para se alimentar, tenha ganhado outro significado agora.

 A história é centrada em Michael (Robert De Niro) e sua relação com os amigos Stan (John Cazale), Steven (John Savage), Nick (Christopher Walken) e Linda (Maryl Streep). Todos com atuações impecáveis e densas que conseguem nos fazer entender os personagens ao mesmo tempo que nos deixam sempre com uma dúvida do que realmente está acontecendo na cabeça deles.

Ficamos com uma sensação de imprevisibilidade e confusão. No começo, são sonhadores, imaturos e inconsequentes. Logo depois, são jogados na guerra em uma situação de realismo e violência visceral. Em um corte abruto, já estamos no meio da guerra, com atrocidades acontecendo para lá e para cá. Novo corte e Michael, Nick e Steven dividem uma cela de bambu mergulhada em um rio sujo, entre ratos e cadáveres. É quando chegamos a nossa famosa sequência de Roleta Russa que é usada como forma de tortura psicológica pelos vietcongs para com seus prisioneiros.

Michael e Nick conseguem se empoderar daquela tortura de tal maneira a usá-la como forma de escapar do campo de prisioneiros e resgatar Steven. Entretanto, este empoderamento cobra seu preço. Mesmo as balas que o revolver não dispara em suas cabeças, parecem penetrar fundo no seu subconsciente e rasgar suas almas.

Durante a fuga, um helicóptero americano consegue resgatar Nick, mas Michael e Steven caem do veículo o que acaba deixando Steven paraplégico.

Michael volta para casa e reencontra Linda. Mas tem dificuldades de se adaptar a antiga vida. Os dois tentam manter um romance, mas Michael não esquece a guerra e quer saber onde estão os amigos. Ele parece ter se tornado a personificação do veterano de guerra totalmente desprovido de emoções ou ilusões em relação a guerra. Mesmo assim, ele vai a todos os lugares vestindo seu uniforme e exibindo suas medalhas, provas concretas e palpáveis de um orgulho que ele mesmo não parece sentir. Como se elas camuflassem todos os horrores e traumas que passou.

Michael vai buscar Steven que se recusa a voltar agora sem pernas, preferindo ficar no hospital. Mas descobrem que uma grande quantidade de dinheiro chega regularmente para ele vindo de algum lugar do Vietnã. Michael, então, deduz que o dinheiro vem de Nick e volta ao Vietnã para buscá-lo. O desfecho é brutal, com Nick se “profissionalizando” como um “atleta” da Roleta Russa. Ele não consegue reconhecer Michael apesar de seus apelos e em uma tentativa desesperada, Michael aceita jogar mais uma vez com Nick na esperança de tirá-lo daquele transe e trazer ele de volta para casa.

Dedo na ferida

Além de um filme poderoso, O Franco Atirador foi lançado em 1978, apenas três anos após o fim da Guerra do Vietnã. Chegando na hora certa de mostrar os estragos psicológicos e físicos que a guerra havia causado na sociedade norte-americana, algo que, hoje, em 2021 ainda dói no imaginário coletivo desta sociedade. Até então, os filmes de guerra celebravam a bravura, o heroísmo e o triunfo daquela sociedade. A guerra do Vietnã já era criticada duramente na mídia em outras obras, como M.a.s.h (filme e série de tevê que se passavam na guerra da Guerra da Coreia, mas claramente faziam alusões ao Vietnã). Mas a crueza visceral de O Franco Atirador abriu caminhos para obras que se permitiram ser mais violentas e perturbadoras. Até então, morrer e perder a perna por seu país era retratado no cinema como uma grande honra. Veteranos eram heróis. Agora, se questionava: o que a nação havia feito por aqueles heróis? Fora o grande conflito travado em campos midiáticos na época questionando a legitimidade daquela guerra e o tratamento dado aos veteranos.

Mais do que questionador, O Franco Atirador é um soco no estômago que funciona tanto como estudo de personagem, filme político, ação e, claro, filme de guerra. As atuações também não ficam atrás. Vemos Robert De Niro, Christopher Walken e Maryl Streep no melhor de sua forma.

Não é à toa ganhou os Oscar de melhor filme, diretor, edição, som e melhor ator coadjuvante para Christopher Walken numa das melhores atuações da sua vida.

Digno de nota, foi o último filme de John Cazale, então marido de Maryl Streep, que estava com câncer terminal durante as filmagens, portanto suas cenas foram filmadas antes. Robert DeNiro – reza a lenda – peitou os produtores que queriam tirar o moribundo ator do filme. Alguns dizem que pagou o cachê de Cazales do próprio bolso. De Niro, nega. Cazales morreu antes do filme estourar como grande sucesso. Ao todo, o ator fez pouco mais de 5 filmes, mas todos indicados a mais de 42 prêmios. Todos indicados ao Oscar, sendo três deles vendedores.

Sim, até nos bastidores, O Franco Atirador é visceral.

Talvez por isso, eu não tenha digerido o filme nas dezenas de tentativas de ver na adolescência. Talvez tenha visto, mas não tenha digerido completamente. Me faltava ter passado por experiências semelhantes aos dos personagens. Eu ainda estava no paraíso e pouco, ou nada, sabia do que era o inferno. Ainda não tinha tido uma arma apontada para a minha cabeça, muito menos visto gente morrendo... (sou jornalista, só para esclarecer).

Assim, temos um filme sobre seres humanos que saem do paraíso para terem seus corpos e almas dilacerados no inferno para, depois, descobrir que voltaram para uma espécie de purgatório desconfortável e ao qual precisam se readapatar. 

O fato é que na vida todos nós temos um pouco daqueles caçadores de alce. Começamos a vida cheia de ilusões, desejos e nos sentimos invencíveis. E em algum momento, a vida nos rasga, nos dilacera e temos que passar o resto dos nossos dias carregando e tentando superar essas marcas no nosso corpo e em nossas almas.

Uma obra que andava esquecida, mas que merece estar no patamar de outros clássicos que precisam ser vistos e revistos várias vezes. Fica a dica! Mas se prepare, porque machuca.

 

Clinton Davisson Fialho é jornalista, escritor, roteirista e vai voltar para a academia depois da pandemia. É formado em jornalismo, tem pós em cultura africana e indígena e mestrado em narrativa em novas tecnologias. Publicou quatro livros mas o quinto está no forno.

 

 

 

 

 

quinta-feira, janeiro 14, 2021

Antes que ela vá, 2017 de Matheus Benites

Drama juvenil minimalista passeia pelas ansiedades do amor

 

Um casal adolescente típico da Barra da Tijuca, região nobre do Rio de Janeiro, vive um namoro tranquilo até que ela anuncia que em seis meses irá se mudar para a França. Diante do conflito e das inseguranças que envolvem a situação, eles tentam levar a coisa da maneira mais saudável possível, mas ninguém é perfeito.



Que pensou em white people problems, está certo. São jovens brancos héteros, bonitos e com situação financeira confortável. Entretanto, apesar da saudável e necessária abertura que o cinema mundial e principalmente o Hollywoodiano vem dando a filmes que abordam problemas de minorias, é sempre bom saber que há espaço para todos. O Brasil não é só miséria, fome e violência. O rótulo de “filme de um casalzinho adolescente burguês” pode até se encaixar perfeitamente no filme de Matheus Benites, mas não o desqualifica como obra e nem ofusca seus méritos que são muitos.

O jovem diretor realizou a produção juntando R$ 12 mil com campanhas de Financiamento coletivo e fez um filme sensível, com ótimos diálogos, boas interpretações e que aborda um tema universal: a natureza dos relacionamentos humanos.

Embora os protagonistas interpretados por Gabriel Antunes e Maria Clara Parente sejam adolescentes, a natureza dos temas abordados: ciúmes, fidelidade, inseguranças, sexualidade, preocupação com o futuro, são inerentes a pessoas de todas as idades. Quem pensa o contrário deveria furar a bolha e prestar atenção em relacionamentos de idosos por exemplo. Vai por mim, meus pais fizeram Bodas de Ouro ano passado...

O filme lembra um pouco a trilogia Before de Richard Linklater, que mostra o relacionamento de um casal durante fases distintas separados por nove anos, sendo que cada filme foi produzido nove anos depois do outro. Fica aí a sugestão para o diretor de juntar o casal de atores daqui a dois ou três anos, quem sabe?

Com apenas dois atores em cena na sua uma hora e dez minutos de duração, o filme se sustenta nos diálogos naturalistas e na química do casal de atores. Sabemos que, ao se mudar para a França, a relação deles fatalmente irá se alterar e, provavelmente, vai acabar. Cada um deles está lidando com isso internamente e transmite para o outro o que seria a ponta do iceberg de seus dilemas, suas angústias e suas resoluções.

Com diálogos aparentemente banais, vamos entendendo a visão de mundo de cada um. As semelhanças e diferenças vão aparecendo. A química do jovem casal é impressionante. Gabriel Antunes e Maria Clara Parente fazem uma interpretação naturalista e provavelmente trouxeram para o texto experiências pessoais, tanto que estão ambos creditados no roteiro, algo muito semelhante ao trabalho de Linklater na trilogia Before.

O filme não é livre de problemas. A pobreza da produção pode ser vista principalmente na fraca captação de som que torna difícil, às vezes, entender o que os atores estão falando, principalmente na cena de abertura na praia. Ficamos sentindo uma falta de um desfecho mais consistente no terceiro ato. A impressão que se tem é que cenas importantes foram perdidas e a edição teve que se virar nos trinta depois.

Em compensação a fotografia é sempre criativa, tem ideias sempre inventivas para não deixar um filme de diálogos algo totalmente estativo e maçante.

O resultado é um filme sobre adolescentes que sai do lugar comum e nos convida a conhecer quase em tempo real, algumas horas de dois personagens com os quais nos identificamos e nos envolvemos.  “Antes que ela vá” consegue nos passar um pouco da angústia de quem sabe que seu romance tem data marcada para acabar. Aprendemos com eles que aquilo não é o fim do mundo e que eles devem aproveitar aquilo de bom que sua relação tem enquanto podem. Assim, através de dois adolescentes, entendemos que todos os romances de certa forma também são assim, a vida é assim. Não posso dizer com certeza se esta era a intenção do diretor, mas fica a dica de um filme que consegue nos passar uma mensagem profunda sem soberba, sem pretensões e de maneira leve. Agora é torcer para que o casal aproveite o tempo que vão ter juntos. É o mesmo que todos nós deveríamos fazer.

 

Clinton Davisson é jornalista e escritor, pós-graduado em educação e mestre em comunicação e doutorando em comunicação. Autor de quatro livros, entre eles, a premiado Hegemonia – O Herdeiro de Basten.


quarta-feira, dezembro 23, 2020

Cedo ou tarde, o negacionismo da ciência vai cobrar seu preço

Segunda edição ampliada do sucesso literário, vencedor do prêmio Nautilus e finalista do prêmio Portugal Telecom de Literatura.


Orgulhosos de sua supremacia militar e cultural sobre as outras civilizações da galáxia, os disonianos se autodenominaram A Hegemonia. 


Seu império e sua cultura, entretanto, estão ruindo lentamente e seus cidadãos migram em massa para a realidade virtual em busca de um mundo onde não há frustrações, nem tristeza. Neste cenário, o jovem estudante Ron Schowlen compra um diário neural e começa a gravar seus pensamentos e sua rotina na capital da Hegemonia; até que uma decepção o faz abandonar tudo e voltar, depois de dez anos, para Elôh, seu planeta natal. Lá ele vai ter que reencontrar seus irmãos, Shodan e Dúnia, soberanos do reino de Basten. A tensão entre os três só é quebrada pelo pedido de ajuda de uma tribo distante de marsupiais cuja vila está sendo invadida pelos agressivos dragões vermelhos. Durante a viagem pelo cenário grandioso do planeta Elôh, com seu anel de fogo e suas aberrações gravitacionais, Ron vai conhecer melhor a economia e a cultura de um mundo cheio de contrastes sociais e diversidades religiosas. Enquanto se preparam para a derradeira batalha contra os dragões, Ron e seus irmãos vão descobrir que, nos domínios da Hegemonia, nem tudo é o que parece e a verdade pode ser algo muito mais terrível do que nosso pior pesadelo.


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segunda-feira, dezembro 07, 2020

Diário de um peladeiro 2020 – 3 – Apocalipse now

Reunidos em campo depois de seis anos

Realizando o sonho

Domingo, 6 de dezembro de 2020.

Eu comecei a escrever esta parte três logo em fevereiro, mas só voltei a jogar no final de novembro. Não foi exatamente uma pelada. Ainda estamos respeitando e muito o isolamento social imposto pela pandemia do Covid-19, mas eu e meus gêmeos achamos uma quadra vazia e jogamos nós três sozinhos. Era meio-dia e não tinha ninguém nem na praça para assistir e foi o jogo mais esperado dos últimos anos. Melhor que a final da Libertadores.

Veja bem, este diário tinha o objetivo de levar um pouco dos sentimentos que a gente confronta na vida e a metáfora que eu sempre consigo ver com o que acontece dentro daquelas quatro linhas. Descobri que isso era útil para outras pessoas também. Dizem que o xadrez é o jogo da vida. Bom, o futebol é um xadrez com 11 peças para cada lado ao invés de 16 do xadrez. Claro, o futebol que eu jogo são apenas seis peças de cada lado. E com essas peças podemos simular estratégias de vida, ações, atitudes. Dá para saber mais sobre uma pessoa vendo-a jogar que conversando. O estilo de jogo, as atitudes, dizem muito sobre a pessoa. No meu caso, como já falei muitas vezes neste blog, existe a ansiedade. A mesma ansiedade que não me deixa dormir também costuma me atrapalhar a jogar. Afinal, quando você tem uma bola nos pés e poucos segundos para decidir o que fazer com ela, seu controle sobre a ansiedade é testado ao máximo. Lembrando que, do outro lado, há outras pessoas que querem tomar a sua bola e no seu time há pessoas que têm opiniões distintas sobre o que você deve fazer, como deve agir.

Parte da ansiedade vinha de ficar longe de duas pessoas que sempre foram diretamente afetadas pelas minhas atitudes dentro do campo da vida. Dois meninos gêmeos que agora estão tendo sua despedida da infância e virando adolescentes.

Quando eram mais novos, eu aproveitava a varanda grande do prédio para ensinar eles a jogar futebol. Eles não são exatamente craques. Puxaram o pai. Mas há esperança para eles ainda.

Desde junho eu estou de volta a Macaé, novamente perto deles e, depois de 6 longos anos, conseguimos jogar de futebol de novo. Jogamos em Macaé, na quadra pública do bairro Mirante da Lagoa. Um bairro que eu adoro. E depois de tantos anos sonhando com isso, lá estavam eles, meus filhos em campo, jogando comigo. Desajeitados com a bola, mas felizes como o pai, curtindo cada momento. É como se toda a felicidade do mundo, toda a esperança, tudo o que vale a pena neste mundo estivesse ali, representado naquelas duas pessoas. 

Parecia um sonho. Eles estavam lá de novo, depois de 6 anos, jogando bola comigo. E eu sabia que desta vez eu não acordaria. Não era um sonho, era o fim de um pesadelo.

Comprei a bola um mês antes, ela estava meio vazia. Claro que comprei também uma bomba para encher, claro que ela não funcionou. Mas jogamos assim mesmo. Fizemos cruzamentos, chutes de longe, passes.

Não contei direito, mas na hora que “era para valer” fiz cinco gols. Depois catei, depois cruzei. A bola não estava ideal, mas quem se importa. Eles estavam ali, de verdade. Não era mais um daqueles sonhos em que eu acordava chorando. Em que eu os abraçava durante o sonho para ver se conseguia trazer eles comigo para o mundo real. Não, desta vez, era tudo verdade.

A quadra também tinha cesta de basquete e usamos para treinar uns arremessos. Lembrando que minha última partida de basquete na vida em Volta Redonda no Recreio do Trabalhador e, com certeza, tem mais de 30 anos. Eles levam mais jeito para basquete que para futebol. Ensinei o que eu lembrava. Adoraram ver eu passar a bola pelas costas.

Enfim, talvez não seja o meu melhor texto. Mas foi um dos dias mais felizes da minha vida. E talvez a pelada mais importante do ano. E estes cinco gols, jogados apenas com duas crianças em uma quadra de Macaé valeram mais que os outros 20.

Como o coronavírus ficou mais intenso nos últimos dias, combinamos de não jogar de novo este ano. Então, encerramos aqui o diário de um peladeiro de 2020. Vamos ver o que acontece em 2021...

 

Saldo de 2020

11 jogos

25 gols

15 pontos no basquete

Clinton Davisson é jornalista, pós-graduado em educação e mestre em comunicação. Autor de quatro livros, entre eles, a premiado Hegemonia – O Herdeiro de Basten.

quarta-feira, junho 17, 2020

O Silva e o "novo normal"

Em tempos de mudar de cidade no meio da pandemia, tento me adaptar ao novo normal. Fui na casa de uma amiga mas não entrei para tomar café, conversamos na esquina tentando manter aquela distância, sempre de máscara.
Mas de repente, não mais que de repente, surge o Silva (vamos chamá-lo assim para não expor a pessoa) vendendo paçocas de máscara às 22h.

Acho que umas 200 pessoas já me contaram a mesma história na rua. Ele pedia ajuda porque estava desempregado e o filho não tinha jantando ainda. Ele não ia voltar para casa enquanto não tivesse jantar. Minha amiga foi em casa pegar dinheiro para o jantar da casa do Silva. Não sei por que exatamente, mas acreditamos nele imediatamente.

Enquanto ela foi em casa, sentei no meio fio para conversar com Silva.
Negro, aparentava ser mais novo que eu, mas não muito. Visivelmente em estado de choque. Era motorista de ônibus e estava desempregado por causa da crise. Não conseguiu o auxílio emergencial. Não conseguiu auxílio do governo municipal. Evangélico, deu com a porta na cara das trocentas igrejas que existem em Macaé. Diz que pediu ajuda no mercado e as pessoas riram dele.

Acho que não fosse a sensibilidade da minha amiga, eu também o teria confundido Silva com aqueles caras que pedem dinheiro para alimentar os filhos mas na verdade... Bom, você sabe do que estou falando.

Silva disse que até os traficantes estão se organizando nas favelas para não deixar o povo passar fome. Mas o fato é que ele não mora na favela.

Falam tanto de um "Novo Normal", mas o fato é que um pai de família desesperado para sustentar os filhos ainda é o mesmo normal.
Olhei o contraste entre hoje ser um dos dias mais felizes de 2020 para mim e provavelmente era um dos dias mais tristes na vida do Silva. Lembrei que já estive ali naquele lugar e me dei conta da quantidade de gente que está exatamente ali agora e estava também antes da pandemia.

Coincidentemente, parte do meu trabalho hoje foi justamente pesquisar como algumas cidades como Maricá-RJ conseguiram lidar com a crise, manter em 1% a taxa de desemprego durante a pandemia, manter os leitos com apenas 30% de ocupação com medidas simples. Com a Prefeitura estabelecendo parcerias com empresas, oferecendo benefícios para não haver demissões, buscando proteger os cidadãos não por caridade, mas porque isso ameniza a crise e as contas públicas.

Mas aí, vem o Silva para me trazer à realidade. De Macaé, de Petrópolis, de Juiz de Fora, do Brasil.
Nos tempos de jornalista policial, amigos da polícia militar, uma das classes mais desvalorizadas do RJ, me ensinaram um termo respeitoso que usariam para definir Silva: "Trabalhador". Sim, é uma palavra simples, mas carregada de significados dos quais predomina o RESPEITO.
Mas que respeito estamos tendo com o Silva, TRABALHADOR, que se propôs a não voltar para casa sem jantar para seu filho? Que diabos de "Novo Normal" é este?

Que porcaria de mundo é esse em que o Estado e a Sociedade deixa um indivíduo como Silva desamparado, humilhado, desesperado.

Muitos criticam o isolamento justamente por ser "coisa de rico". E quem não pode ficar isolado, como o Silva? Mas aí é que separamos o joio do trigo, ou melhor, a observação superficial do terraplanista do olhar científico. O ser humano é um animal social. Vivemos em sociedade porque somos mais fortes juntos. Pois o conceito de mais forte e o mais fraco em termos de raça humana é variável. Podemos ser fortes em um aspecto e fracos em outro. Vivendo em sociedade porque assim unimos nossas forças e compensamos nossas fraquezas.

Nestes aspecto, sim, estamos falhando como sociedade, estamos falhando como espécie. Silva me fez entender finalmente a carta deixada por Flavio Migliaccio. Realmente a humanidade não deu certo.





Clinton Davisson é jornalista e escritor, pós-graduado em educação e mestre em comunicação e doutorando da UFJF. Autor de quatro livros, entre eles, a premiado Hegemonia – O Herdeiro de Basten.

domingo, fevereiro 09, 2020

O legado de Andrew Koenig para o Coringa


Agora que o Coringa consagrou dois grandes atores com o Oscar, é bom lembrar que, antes de Heath Ledger e Joaquin Phoenix, o conceito de um Coringa sinistro e sombrio já havia causado um reboliço em 2003 com a magnífica e aterrorizante performance de Andrew Koenig em um curta metragem independente chamado Batman: dead end.
Realizado sem a permissão da DC ou da Warner, o curta viralizou em 2003 e certamente influenciou o tom mais sombrio de Batman Begins que estreou dois anos depois.
Na história Batman persegue o Coringa pelas ruas sombrias de Gothan City. O encontro dos dois gera um diálogo memorável, mas é interrompido por um plot twist que, na época, causou sensação da Comic Con de San Diego e provavelmente não deu origem apenas a Batman Begins, pois, o lançamento de Alien X Predador um ano e meio depois não pode ser só coincidência.
Um dos destaques do curta era a hipnótica atuação de Andrew Koenig como o Coringa em uma versão assustadora e com uma risada tenebrosa. Antes dele, o Coringa, ao menos no cinema e na TV, era nas versões mais leves de Jack Nicolson e Cézar Romero.
Ativista de direitos humanos e com algumas participações em filmes e séries de tevê, a carreira de Andrew não decolou. Ele era filho do ator Walter Koenig, o Pavel Checov da série clássica Star Trek. Andrew Koenig foi encontrado morto em sua casa em 2010, aos 41 anos. Em uma entrevista coletiva, o pai anunciou que seu filho cometera suicídio. Os motivos nunca foram esclarecidos pela família que pediu privacidade.
A consagração do Coringa como o segundo personagem (junto com Vito Corleone da saga O Poderoso Chefão) a dar Oscar para dois atores diferentes, tem uma contribuição significativa de Andrew Koenig. Uma pena ele não estar aqui para saborear um pouco do seu legado.
O curta Batman: dead end está disponível no Youtube no link: 


domingo, janeiro 26, 2020

Diário de um peladeiro 2020 – Parte 2 - E que a ginga esteja com você!


O site Omelete, que acompanho desde que surgiu há 10 anos, elegeu Pelé – O Nascimento de uma lenda como o pior filme da década que acabou (entre 2010 e 2019). Eu sou suspeito, mas adoro filmes de futebol. Eu gostei do filme. Apesar de realmente não ter como ignorar os defeitos tanto na parte narrativa, quanto na parte de fidelidade histórica. Mas pior da década?
Meu filme de futebol preferido ainda é o clássico Fuga para Vitória (Victory, 1981), dirigido pelo lendário John Huston, que coloca um time com Pelé, Bobby Moore e Osvaldo Ardiles, enfrentando um time de nazistas em plena Segunda Guerra Mundial. O time ainda contava com ninguém menos que Silvester Stallone como goleiro e o oscarizado Michael Caine (o Alfred do Batman do Nolan) como capitão e centroavante. Para quem não conhece, o filme conta a história de um capitão inglês (Caine), detido em um campo de prisioneiros durante a Segunda Guerra Mundial e que usa o futebol para distrair os outros companheiros prisioneiros. O diretor do presídio, um nazista interpretado pelo também premiadíssimo, Max von Sydow (o padre de O Exorcísta), desafia os prisioneiros para um jogo contra os guardas alemães. Com Pelé em Campo e Silvester Stallone no gol, vocês já imaginam que não houve 7x1, ao menos naquela vez. O filme é uma verdadeira declaração de amor ao futebol.

Mas voltando ao “filme do Pelé” de 2016, sim, o filme é ruim, não resta dúvida. Mas a maior crítica que se faz é como a história coloca a “ginga” como algo parecido com a “força” de Star Wars. Como é um filme escrito e dirigido por norte-americanos, dá para imaginar que a ideia veio dos professores de capoeira que nos EUA e Europa realmente gostam de se referir à ginga como algo místico. Para brasileiros é apenas não ter cintura dura, é o remelexo, a desenvoltura, é algo natural, mas para gente com cintura dura como... Eu, é sim, algo sobrenatural muito parecido com a força de Star Wars.
Bom, na quarta e na quinta peladas do ano eu fiz um gol em cada uma. Ambas foram na Faefid – Faculdade de Educação Física da UFJF.
Semana passada eu ainda estava com um bom fôlego. Corri, driblei. Tive boas chances e alguma eu mesmo criei. O gol veio em uma jogada que teve que ser repetida três vezes para dar certo. Passe da direita para eu pegar de primeira na entrada da área. Eu tentei parar a bola outras vezes e não deu certo. A marcação chega muito rápido. Quando peguei de primeira, fiz o gol.
Fiz novamente meu duelo pessoal com meu amigo (e ator recrutado), o Lucas Scafuto. Ele ganhou uma bola na entrada da área e eu, ao tentar cortar, chutei o pé dele e parei a jogada para não fazer falta ou não machucar mais. Ele prosseguiu e fez o gol. Fez o correto. Eu é que optei conscientemente por pegar mais leve com medo de machucar o amigo.
Depois driblei ele no meio de campo e toquei para um atacante que fez o gol. Empatamos, eu acho.
O fato é que emagreci. Estou mais leve. Isso tem ajudado.
Mas aí, veio a pelada de 25 de janeiro. Um mês depois do Natal. Em apenas 25 dias, eu fiz 11 gols em apenas cinco jogos. Ano passado, só alcancei essa marca apenas no dia 25 de maio, depois de 16 jogos e quase 6 meses. Houve uma evolução no meu futebol, na minha ginga, verdade seja dita. A ginga está comigo agora! Mas vamos lembrar que, em Star Wars temos o lado negro e o lado luminoso da força. Será que isso também ocorre com a ginga?
Na pelada passada, antes de começar, fiquei treinando o famoso giro. Receber a bola de costas para o gol, girar e a chutar. Hoje houve duas oportunidades de fazer isso e não consegui. Preferi passar para alguém. Numa delas, eu não consegui dominar a bola, mas acabei dando um passe bonito, ainda que involuntário para o João (Johnny) que fez um golaço. Mas o legal é que dei passes para vários gols e armei pelo menos duas belas jogadas.
Dei muitos chutes. Dois de esquerda muito bonitos. Um o goleiro defendeu após a bola ter pego na mão do André e outro foi para fora, passando bem pertinho da trave.
Mas finalmente consegui fazer o bendito giro. Recebi a bola do Bruno Kaehler, meu eterno garçom e ameacei devolver. Tive calma para ir girando devagar em busca de uma jogada. Quando não apareceu, chutei forte para o gol de direita. Foi o gol mais bonito até agora, o que me deixou mais feliz. Mais até que o de letra. Porque foi um gol finalmente construído por mim ao invés de esperar por passes na entrada da área.
O lado negro da ginga
Em determinado momento, estava fazendo a marcação da saída de bola do time adversário. E fui disputar a bola com o Fernando Junior. Um cara que é forte no lado luminoso da ginga. Tem uma habilidade impressionante, do tipo que é legal assistir jogar. Mas como eu não estava ali para assistir, entrei mais duro. Funcionou. A bola bateu em nós dois e foi em direção à linha de fundo. Então, ele usou a ginga, como bom Jedi que é. Fingiu que ia sair com ela pela esquerda, mas deu as costas para mim, protegendo a bola. Só que eu fui atrás e dei um carrinho com a certeza que ele iria para a esquerda, só que ele não foi...
 Eu até acertei a bola, mas também acertei o pé dele que travou. Ele acabou se contundido. Acho que num jogo oficial, eu seria expulso ou pelo menos um cartão amarelo pelo carrinho por trás. Uma jogada perigosa.
Resultado: tirei o Fernando do jogo. No começo, eu e muita gente achamos que ele estava enfeitando o lance. Escutei até a voz do meme: “Foi nada, foi nada, se jogou. Esperou o contato, o contato veio. Viu que o juiz estava marcando tudo e pulou”. Mas infelizmente foi sério.
Dá o que pensar. Foi uma jogada perigosa. Assim, como parei depois de chutar o pé do Lucas Scafuto semana passada, deveria ter parado. Tenho conceitos sobre o esporte bem definidos. Na minha idade então, o jogar está muito mais priorizado que o vencer. Se quisesse vencer sempre. Continuaria confortavelmente na defesa. Enfim, ele e todos os outros levaram na esportiva. Mas é sempre algo triste. Fiquei com a impressão que, no duelo de gingas, ele usou o lado luminoso e eu cai na tentação do lado negro. Machucar uma pessoa, ainda mais um amigo, nunca é bom.
Para alívio da minha pesada consciência, Fernando aceitou minhas desculpas. A ginga é forte nele. E isso aí, amigo! Que a ginga esteja com você!

Saldo de 2020
5 jogos
11 gols
Clinton Davisson é jornalista, pós-graduado em educação e mestre em comunicação. Autor de quatro livros, entre eles, a premiado Hegemonia – O Herdeiro de Basten. Foi roteirista da série Malhação e consultor na elaboração da série Ilha de Ferro da Globoplay. Atualmente trabalhando no piloto da série Baluartes.

quarta-feira, janeiro 15, 2020

Diário de um peladeiro 2020 – Parte I


 

Aviso, o texto abaixo toma diversas liberdades poéticas ao elogiar o medicamento cloridrato de metilfenidato, popularmente conhecido como Ritalina. Entretanto, é sempre bom lembrar que este medicamente só deve ser usado com indicação e acompanhamento médico. 


Voltando com o Diário do Peladeiro após quase desistir de escrever. Foi uma coisa curiosa. Eu tinha melhorado 99% da depressão em novembro, graças a academia, o futebol e os amigos. Crédito também para minha companheira de aventuras, a Gabriela Moreira.
Enfim, resolvi que, para tentar enterrar a depressão de uma vez, por todas, deveria ir além de só fazer terapia com psicóloga. Aí, fui numa psiquiatra e resolvemos que deveria tomar um remédio para ansiedade. O escolhido foi o succinato de desvenlafaxina monoidratado. Esse troço dos diabos simplesmente me apagou dezembro todo. Um dos efeitos mais malucos do remédio foi a confusão mental, desaconselhando na bula, por exemplo, a dirigir. O ápice desse efeito foi num jogo em dezembro em que comecei jogando com a camisa vermelha e depois troquei para azul. O resultado é que dei três passes de cabeça para o time errado. Mas o “melhor” foi quando desarmei o meu amigo, Bruno Kaehler, que era do meu time e entreguei a bola para o adversário. Teve momentos em que simplesmente esquecia o que estava fazendo ali no campo. Numa dessas, o Osmir, da pelada de Quinta, teve um acesso de raiva e quase me matou. Eu parecia o gif do John Tavolta, perdido em campo. Mesmo assim, foi nessa última pelada do ano, com passe justamente do Osmir, que fiz meu último gol de 2019. O de número 40.

Sim, o saldo final de 2019 foram 40 gols em 48 jogos. Contra 21 gols em 27 jogos em 2018. Como será 2020?

Mas ainda falando de 2019.... Dormi e tive muita diarreia em dezembro todo. Travei em praticamente tudo que estava fazendo e quando foi lá pelo final do mês, eu resolvi parar. E quando deu exatos 15 dias que parei de tomar o remédio, me veio ainda uma droga de um surto, no dia sete de janeiro, que deixou todos os amigos mais próximos (não necessariamente próximos geograficamente) assustados. Um ataque de pânico tão forte que assustou até minha terapeuta. Enfim, remédio dos diabos! Caro para burro, me deixou prostrado, perdi um mês da minha vida e ainda surtei no início de janeiro de uma forma que é melhor nem escrever aqui. Já passou. Bola pra frente!
Voltei lá na médica e pedi para trocar o remédio. Sugeri Ritalina. Oh, sagrada Ritalina, dádiva dos deuses criada para pessoas com TDH tenham foco e potencializa a concentração. Ou seja, passei a jogar dopado...
O resultado é que joguei três peladas em 2020 e já fiz nove gols. Fora a disposição para fazer os projetos, estudar, ler e tudo que tanto preciso. Em comparação ao ano passado, eu só fui chegar a 9 gols depois de 13 jogos e cinco meses. Foi um bom começo. Aliás, foi ótimo! Viva a Ritalina!
O primeiro gol foi em Barra Mansa no meu querido e lendário Moinho de Vento, dia 2 de janeiro. O gol veio de um passe do meu mestre e mentor Ricardo de Mello no campinho em que aprendi a jogar bola 38 anos atrás. Foi simbólico. Não foi exatamente um jogo, mas conta como o primeiro gol de 2020. A ideia de voltar às origens permeia todo esse blog. Redescobrir a identidade perdida. Precisava voltar lá no Moinho de Vento. Precisava olhar com clareza aquele lugar que ajudou a construir minha personalidade até então perdida. Precisava fazer um gol lá... Precisava me encontrar.
Depois veio uma pelada da quinta-feira, dia 9 de janeiro. Não fiz nenhum gol. Lembro que corri bastante. O goleiro fez duas defesas tão difíceis de dois chutes meus, que até se machucou, fui até cumprimentá-lo.
É a pelada mais organizada que participo, mas como tem muita gente, dá a impressão de que o tempo passa mais rápido e quando vejo, já acabou. Lembro que cheguei cedo e fiquei correndo no campo, treinando dominar a bola sem olhar para ela, com a cabeça levantada, como eu fazia nos tempos de escolinha de futebol... Bilhões de anos atrás... Durante o jogo, tentei fazer isso e a bola passou debaixo do meu pé duas vezes. Acho que o treino não valeu muito...
O que ficou de relevante foi mais a dor nos dois joelhos que, mesmo depois de 20 dias sem jogar e sem malhar, não melhoraram. Confesso que fiquei preocupado. Marquei até ortopedista para o mês que vem.
Depois veio o glorioso retorno da pelada de Sábado, na Faefid, dia 11 de janeiro. Resolvi subir de ônibus porque me obriga a andar um pouco e me aquecer no processo. O problema é que tive que passar no banco primeiro para pegar dinheiro para pagar a pelada. Isso me fez perder o ônibus e chegar atrasado.
Cheguei lá, um calor sinistro, abafado. Enfim, fiquei mais ousado desta vez. Tentei dribles, dei bons passes, mas comprovei uma coisa muito óbvia que já vinha suspeitando desde que voltei a jogar em 2015: eu não tenho fôlego ou pique para acompanhar a garotada de menos da metade da minha idade, mas por algum fenômeno biológico desconhecido, eu sou sempre o último a me cansar. Então, no final da pelada, todo mundo se arrastando e eu correndo. Aprendi a usar isso a meu favor. No final, com a defesa do adversário cansada, eu estava sempre indo e voltando e me colocava bem. Fiz três gols justamente neste final de jogo, quando todo mundo estava cansado e eu estava “inteiro” ou talvez, menos acabado que os outros.
O primeiro gol veio num passe açucarado. Eu estava só tive que matar a bola com muito, muito cuidado, morrendo de medo de perder aquele gol feito e chutar. O segundo foi um passe do Furlan e eu estava de costas para o gol. Toquei de letra e calcanhar e a bola entrou. Até agora, meu gol mais bonito do ano. O último foi também um belo passe do Furlan que eu só tive que chutar longe do goleiro. Pensando bem, acho que todos os gols foram passes do Daniel Furlan. Mas sei que dei passe para pelo menos dois gols dele também.
Momento curioso. Teve um jogador que eu não sei o nome. Dei um ótimo passe no meio de campo por baixo das pernas nele. Teve um momento em que eu roubei a bola no meio, cara a cara com o goleiro, chutei por debaixo das pernas dele. Era o mesmo cara. Só que desta vez, ele conseguiu defender com a ponta do calcanhar.
Fiz três, mas perdi uns seis. Acho que pode melhorar. Sempre pode, né?
Depois veio a pelada de ontem, 14 de janeiro, terça-feira. Pelada da imprensa, no mesmo Soccer Aero ball da pelada de Quinta-feira. Desta vez, fiz cinco gols e dei uns passes para, pelo menos mais quatro. Melhor atuação até agora. Embora, claro, no meu universo perfeccionista, ainda tenho muito que melhorar. Mas já é o maior número gols numa única pelada desde que voltei a jogar em 2015 (depois de 12 anos parados por problema na coluna, para quem não sabe). Viva a Ritalina!
Difícil até lembrar de todos os gols. Mas vou tentar. Foram dois gols de um lado do campo e três do outro. Lembro que o primeiro foi o mais bonito porque recebi o passe de fora da área e emendei de direita de primeira para o gol. A bola foi suave, no alto, nem lenta e nem rápida, o goleiro pulou, mas ela passou deixado do braço dele. É ótimo quando a gente faz o gol com um movimento automático, sem pensar muito.
Teve o Anderson, tio do Rodrigo, um baixinho muito bom de bola. Segundo nosso amigo, Lucas Demolinari, era uma mistura de Soteldo (Santos) com Thiago Neves (Cruzeiro). Ele me lembrou incrivelmente o Genésio do Moinho de Vento, que por sua velocidade na marcação, ganhou o apelido carinhoso de Carrapato. Fizemos uma boa dupla, dei uns três ou quatro passes para ele fazer gols. Não contei, mas com certeza ele fez mais que eu, que fiz cinco.
Realmente não lembro de todos os gols que fiz, mas lembro de dois que perdi. Um porque foi debaixo da trave com um passe preciso do meu garçon predileto, o Bruno Kaehler, que, seguindo a linha de raciocínio de comparações, é uma mistura de Modric com Geromel.
Enfim, o Bruno fez uma jogada fantástica, passando por dois na linha de fundo e cruzando para mim praticamente dentro do gol. A bola veio rápida e passou por debaixo das minhas pernas. É o tipo de gol mais triste de se perder. Mas acontece. O que eu gostei é que não desisti e fui atrás da bola e consegui recuperar e iniciar outra jogada.
 Tentei chutar de longe três vezes, uma foi para fora, outra o goleiro defendeu e outra na trave. E o gol que mais lamentei ter perdido foi um que recebi na entrada da área, consegui tirar o goleiro com um drible curto e chutar de esquerda. Mas a bola não pegou corretamente e foi para fora, por muito pouco.
Acho que perdi uns três gols de ótimos passes. Mas fico sempre naquela dúvida: pegar de primeira e seja o que Deus quiser ou dominar e chutar, dando chance para a defesa chegar e cortar? Mas tudo se resume, desde o começo, desde que voltei a jogar, a aceitar os próprios erros. A lidar com a ansiedade, não com remédios que me deixam com sono e diarreia, mas com treino. Enfiando na cabeça que sou humano. Humanos erram. Humanos acertam. Mas só acertam aqueles que tentam. Então, tentei. Chutei de esquerda, a bola entrou, acho que foi passe do Anderson. O Bruno/Geromel/Modric me deu passe para pelo menos mais dois gols. Um eu peguei de primeira e entrou. Outro eu dominei e chutei, entrou. A vida é simples. A minha ansiedade é que complica.
Tenho certeza que fiz um gol com passe do Fernando Junior também e quase certeza que dei passe para ele também fazer gol.
Enfim, foi um dia muito legal e o ano está só começando. Um ano ainda cheio de incertezas, mas também cheio de possibilidades. Talvez de mudança de cidade, mas com certeza de mudança de vida, mudança de atitude, de postura. Saí do modo sobrevivência, que foi muito útil e necessário nos últimos dois anos, porque ninguém sabe o inferno que passei..., mas agora entrei no modo do combate. Viva a Ritalina!

Saldo de 2020
3 jogos
9 gols
Clinton Davisson é jornalista, pós-graduado em educação e mestre em comunicação. Autor de quatro livros, entre eles, a premiado Hegemonia – O Herdeiro de Basten. Trabalhou nas séries Malhação, Tapas & Beijos, foi consultor na série Ilha de Ferro da Globoplay. Atualmente trabalhando no piloto da série Baluartes.

domingo, dezembro 15, 2019

Contabilidade de 2018 em comparação a 2019

Depois de muito procurar, encontrei o post lá no Facebook que me inspirou fazer o Diário de um peladeiro.

Lembrando que, em 2018 houve uma tentativa de voltar para a academia em setembro e outubro, mas eu exagerei e acabei com uma tendinite no pé esquerdo por conta da esteira.

A média de gols para um peladeiro foi pequena em 2018 em comparação a meus colegas que costumam fazer uma média de 2 a 3 gols por pelada. Mas eu gostei de saber que fiquei com uma média parecida com o de jogadores profissionais.






Enfim, o ano ainda não acabou. Em 2018 foi assim:

Clinton - 27 jogos, 21 gols

Lucas Paquetá -95 jogos, 18 gols
Vinícius Jr - 46 jogos, 20 gols


Em 2019 o futebol foi fundamental para conseguir sair da depressão. Por enquanto temos:

47 jogos
39 gols
57 assistências

É possível que haja ao menos mais uma pelada em 2019. Dá para chegar aos 40 gols. Vamos ver!

Especial de Natal – Porta dos Fundos


Grupo humorístico choca fanáticos religiosos ao apresentar Jesus gay e alerta para o perigo do fundamentalismo cristão
Ao completar 30 anos, Jesus (Gregório Duvivier) volta de 40 dias de tentação no deserto e se depara com uma festa surpresa organizada por seus pais, José (Rafael Portugal) e Maria (Evelyn Castro). Entretanto, ele volta do deserto com Orlando (Fábio Porchat), um amigo gay com quem aparentemente está tendo um relacionamento.
Para complicar a situação, tio Vitório (Antonio Tabet), aparece sem ser convidado na festa e diz que é hora de Jesus saber que ele, e não José, é seu pai “biológico”. Claro, tio Vitório é ninguém menos que Deus, o todo poderoso.
Agora, Jesus precisa decidir se segue os caminhos de um messias como quer seu pai, ou continua numa vida mais simples e menos problemática. Entretanto, o aparentemente inofensivo Orlando revela ser o Diabo e que todo o processo no deserto fazia parte de suas provações e tentações. Agora, Jesus e o Diabo terão um combate final para salvar a humanidade.
Feito de forma debochada e provocativa pelo grupo Porta dos Fundos, o especial de Natal começa meio lento, com a chegada dos três reis magos com diálogos fracos e bobos. Mas a chegada de Jesus faz a história decolar e cria-se dois pontos de tensão na história. Por um lado, Jesus tentando a mesmo tempo esconder as experiências constrangedoras no deserto com Orlando enquanto precisa aceitar a nova condição de saber que seu pai é na verdade seu Tio Vitório, ou melhor, Deus, que ainda lhe mostra que, assim como seu pai “biológico”, Jesus também tem poderes sobrenaturais. O outro ponto de tensão é a insistência de Vitório ao querer seduzir Maria, sob os olhares ciumentos e desconfiados de José.
No final, o especial diverte e não perde mais o pique. Fazendo referências a várias discussões recentes da cultura Pop, inclusive a famosa piada referente a Vingadores: Ultimato sobre como o Homem-Formiga poderia derrotar Thanos...
No quesito interpretação, o maior destaque é Antonio Tabet no papel de Deus, que, com uma ajuda do roteiro, consegue imprimir a história uma discussão religiosa pertinente, sobre as diferenças conceituais de Deus entre o primeiro e o segundo testamento. Na verdade, é o único ponto que separa a história de um mero besteirol divertido. Embora o fato de ter um Jesus que teria tido experiência homossexuais como parte do processo de tentação seja uma clara e explícita intenção de alfinetar parte do fanatismo religioso que vem ganhando terreno na mídia e na política brasileira nos últimos anos, o fato é que não é uma elemento gratuito e acaba entrando de forma orgânica no roteiro. Na verdade, estranhei o fato de a história dar a entender em parte que a homossexualidade seria uma das artimanhas do diabo e não algo natural. Ou seja, em certo momento, temos a impressão que aquele Jesus não nasceu gay, mas foi tentado pelo Diabo. Algo que o roteiro felizmente corrige no final.
Fundado em 2012, o Grupo Porta dos Fundos herdou a tocha do Caceta e Planeta e usou a internet para dar uma verdadeira injeção de vigor ao humor brasileiro no século XXI. A partir daí, toda uma nova geração de humoristas começou a aparecer em uma profusão que depois de um tempo começou a superar o próprio Porta dos Fundos. O grupo também encontrou resistência por parte da população mais conservadora quando o humorista Gregório Duvivier começou a assumir posições políticas que iam contra os interesses de conservadores e fanáticos religiosos.
Com um humor politicamente incorreto desde sua criação aproveitando a liberdade das redes sociais, o Porta dos Fundos, sofreu críticas paradoxais, já que a maioria dos radicais religiosos que criticavam o humor do grupo, se diziam a favor do politicamente incorreto, mas desde que fosse contra minorias como mulheres, gays, pobres, deficientes e negros. Já contra religiões só se fossem de origem africana ou árabe. Ou seja, eram cristãos fundamentalistas que chegaram até a fazer campanha contra o filme produzido pelo grupo em 2016.
Contradições
O termo evangélico, ou crente, é normalmente usado no Brasil para designar seguidores de religiões cristãs derivadas da reforma protestante iniciada por Martinho Lutero em 1517. A ideia era fazer frente ao domínio católico e principalmente aos princípios excessivamente radicais como a impossibilidade de realizar qualquer interpretação da Bíblia que não fosse a oficializada pelo Papa. A burguesia na época abraçou a ideia de, por exemplo, não ter que se envergonhar do lucro. O movimento protestante simbolizava uma liberdade religiosa, uma visão mais flexível da Bíblia. Se a Igreja Católica adotasse este procedimento menos radical, poderia evitar, por exemplo, a punição a Galileu Galilei, por dizer que a Terra era girava em torno do Sol ou mesmo a morte de Giordano Bruno por afirmar que poderiam existir outros mundos.
Nos dias de hoje, com a Igreja Católica buscando uma linha mais humanista com o Papa Francisco, grande parte dos protestantes do mundo defendem exatamente uma interpretação menos flexível da Bíblia. Ao menos no que se refere a temas como aborto e homossexualidade. Embora não haja estudos conclusivos, é bem provável que o fundamentalismo cristão seja ainda uma minoria nos países mais evoluídos, mas que vem crescendo no Brasil como consequência de vários fatores como deficiência no sistema educacional, pobreza, alto índice de criminalidade e falta de credibilidade dos órgãos de imprensa.
O crescimento da pobreza e o agravamento da crise econômica nos últimos cinco anos no Brasil, bem como a instabilidade econômica vem criando um campo fértil para a radicais religiosos como ocorreu em países islâmicos nos anos 60 e 70. Embora o Porta dos Fundos seja apenas um grupo de humor, é bom lembrar que foi tentando explicar astronomia com um livro de humor provocativo que Galileu Galilei foi condenado pela Igreja Católica quase 500 anos atrás.
Ao terminar de assistir o Especial de Natal, fiquei com a sensação de ter visto algo divertido, engraçado, mas que também é um manifesto político. O pensamento que me veio foi meio assustador, pois, cutucando fanáticos religiosos com vara curta, provavelmente o Grupo vai conseguir bater recordes de audiência no Netflix, mas será que ainda é seguro fazer isso no Brasil?
Em tempos em que o país sofre ameaça de se tornar uma espécie de Talibã Cristão dos Trópicos, fazer da arte uma forma de protesto é praticamente obrigatório para todos aqueles que defendem a democracia. Mas na história recente muitas pessoas, como Vladimir Herzog, pagaram com a vida por causa disso. Fica a torcida para que não se precise chegar a este ponto e que como no Especial de Natal, Jesus também saia vitorioso e se imponha com seus ideais de tolerância e amor ao próximo.

terça-feira, dezembro 10, 2019

Bacurau – sem spoilers



Produto nacional com gostinho de quero mais

Bacurau é um filme original. Além da rima, essa verdade cria um problema de expectativa. A única inspiração que ficou clara para mim foi o filme O Alvo (Hard Target, 1993) com Jean Claude Van Dame e que aposto que ninguém mais lembra. Embora também tenha me feito lembrar o Ju-on (2002), o Grito, original japonês, porque, ao contrário da adaptação norte-americana, o original japonês tem como personagem principal a casa e não um protagonista específico. Aqui, é a mesma coisa. O personagem principal de Bacurau é... Bacurau, formada por seus excêntricos e normais habitantes.
O roteiro e a direção não têm pressa de nos apresentar a cidade e seus moradores para depois começar a mexer as peças do xadrez. O filme mistura muita, mas muita crítica social com uma violência exacerbada, nudez e uma sensação de nunca saber direito para onde o roteiro está indo, o que é ótimo. E quando achamos que conhecemos aquele mundo, o roteiro vai nos dando uns nós e uns “WTF?” que nos deixam desorientados e cada vez mais curiosos.
Termina o filme e temos a sensação de ter ido além de um filme, mas uma experiência. Bacurau é para ser experimentado, para ser vivido, sem pudor, sem vergonha e sem culpa, como fazem os habitantes da cidade.
Para deixar a coisa ainda mais original e mais “WTF?”, trata-se de uma ficção científica assumida, embora num futuro que pareça não ser tão distante e nem tão improvável e pelo fato de que a história poderia se passar tanto hoje, quanto uns 40, 70 anos atrás, afinal, o Brasil sempre foi assim. A ficção científica entra no recheio da crítica social deixando o filme cheio de camadas para você ficar pensando depois. Mas é bom repetir, a gente vai sempre concluir que o Brasil sempre foi assim, como é retratado em Bacurau.
Agora, a expectativa estraga um pouco. Porque elogios demais e a nossa ligação de intimidade com os filmes de ação de Hollywood cobram um pouco demais do filme. No manual do roteiro hollywoodiano, Bacurau teria menos 10 minutos apresentando a cidade a mais 10 minutos no seu ato final, com um pouco mais de tensão. Não sei se foi de propósito, mas deixou um gosto de quero mais.
Coincidentemente, o filme e seu contexto deixam ganchos para uma continuação. Afinal, que mundo é aquele? Que Brasil é aquele de Bacurau, tão real e tão fantástico?
Para esse povo chato que reclama de excesso de filmes de super-heróis e da Fórmula Marvel, como se fosse obra do diabo, que vá então ver Bacurau. Só não espere um filme de super-heróis e com a Fórmula Marvel. Bacurau é original. Não crie expectativas, apenas abra a boca e prove.

segunda-feira, dezembro 02, 2019

O pequeno príncipe ao pé da letra


Finalmente o curta metragem O Pequeno Príncipe ao pé da letra. A ideia nasceu quando tentava explicar para meus alunos sobre a polêmica frase "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas." do Pequeno Príncipe de Antoine de Saint-Exupéry. É para levar ao pé da letra? Resolvi fazer este vídeo para explicar duas situações que aconteceriam se fosse levar a frase ao pé da letra.
Com Gabi Bowem, Jean Gabriel Álamo, Lucas Scafuto e Luís Fernando Oliveira. Direção de Fotografia de Layla Santos. Roteiro, edição e direção de Clinton Davisson. Produção de Clinton Davisson e Gilmar David.
Lembrando que é um vídeo experimental sem grandes pretensões, então, desculpem adiantadamente alguma coisa e espero que se divirtam e compartilhem e deem joinha, claro!

quinta-feira, novembro 28, 2019

Diário de um peladeiro XXXV – Diga-me com quem andas e te direi se vai ganhar o jogo


Quem é fã de Stranger Things e/ou da recém versão cinematográfica de IT, vai morrer de inveja, pois aquilo foi minha infância nos anos 80, tirando é claro, os monstros e os palhaços. Éramos um grupo bem unido. Eu, Ricardo de Melo, Christiano, Marcelinho, Ricardo “Sabão”, Alisson (meu irmão), Lenielson, Zé Antônio e, claro, nossa única integrante feminina, Helisiane.
Devo dizer que, apesar do tempo, nós ainda tentamos manter essa ligação e nos sentimos conectados. Mesmo no caso de quem já morreu, como o Marcelinho, eu sempre ia visitar seus pais depois que ele morreu e nossa família mantém contato. Dei o nome do meu filho de Marcelo por homenagem ao Marcelinho. Mas isso já foi contado aqui.
Também já contei que meus dois professores de futebol foram o Ricardo e o Christiano. Dois dos melhores jogadores com quem já tive a honra de jogar. Ambos dois anos mais novos que eu. Ou seja, eu tinha 12 anos e eles 10. Era engraçado.
Mas hoje vamos focar na questão da organização do time infantil do Moinho de Vento. A marcação dos jogos, a “convocação”, a escolha dos adversários que iam lá nos enfrentar, volta e meia caia no colo meu e principalmente do Christiano. Ambos dividíamos a função de jogadores e cartolas e não tínhamos nem 16 anos na época.
Chegamos inclusive a contratar e demitir dois técnicos: o já falecido João, um senhor com uma ampla bagagem futebolística e o Márcio “Caboclo”, que até hoje acho o melhor técnico de futebol que já tive e nunca tive a chance de dizer o quanto ele me ensinou e o quanto sou grato. E dói saber que, com 16 anos, eu “demiti” injustamente da função um cara que tinha 26... Coisas de Clinton... Só rindo, mesmo.
Eu e o Chris tínhamos pensamentos muito diferentes. Acho que por isso dava certo. Vivíamos em atrito, mas era um atrito produtivo e amigável. Confiávamos muito um no outro. Mas na hora de marcar os jogos, sempre discordávamos. Pois, eu acreditava sempre em formar um bom time, chamar caras bons para completar e fazer isso com antecedência. Já o Chris era fã do “na hora a gente resolve”. Não tem frase que me irrita mais do que “na hora a gente resolve”.
Mas não é justo botar a culpa no Chris. Primeiro porque quem tinha o contato dos jogadores era ele. E nos anos 80 não tinha internet e nem celular. Chamar jogadores era um trabalho 99% em cima dele e isso incluía ir durante a semana na casa das pessoas chamar uma criança de 13 anos para jogar futebol e convencer o pai dessa criança a levá-la num clube que ficava a 20km da cidade. E os outros membros do grupo não ajudavam muito. Não era muito justo eu cobrar tanto dele esse trabalho sempre. Mas eu cobrava.
Também tinha o fato dele gostar de ser o protagonista. Ele foi certamente o melhor jogador com quem já joguei. Lembra muito o jeito do Messi jogar hoje em dia e bastante do Maradona e do Zico. Para mim, no fundo, ele achava que resolveria a parada sozinho e o resultado é exatamente o que acontece com a Argentina do Messi. Pois é, não funcionava.
Faltando meia hora para o jogo, eu tinha que ir com o Marcelinho para o meio do mato, na fazenda próxima, procurar por crianças que nunca tinha visto na vida e perguntar se queriam botar uma camisa e jogar futebol para completar o time.
Lembrando também que o Brasil de 30 anos atrás já era habitado por brasileiros. Então, a gente convidava antecipadamente vários garotos da região e, claro, eles não apareciam e a gente tinha que ir na casa deles no meio do mato para lembrar. Eu penso, “que sorte dos garotos do Stranger Things terem só monstros para enfrentar...”.
Mas eu carreguei por anos essa dúvida: é melhor armar um time forte para vencer ou um time fraco para se destacar?
Bom, nesta última terça-feira, quando começou o jogo, vi que o time foi divido entre coletes vermelhos e coletes verdes. O time de vermelho ficou muito mais forte e eu fiquei no time de verde. Logo no primeiro passe que dei, a bola foi para o lugar errado. É uma forma elegante de dizer que errei o passe de forma ridícula. Foi uma sucessão de erros e derrotas. As regras ali são: a duração de cada partida é de sete minutos ou dois gols. Eu saía, esperava sete minutos e entrava. Tomava dois gols em 3 minutos e saía. Comecei a me questionar novamente se não era melhor deixar o futebol para a galera que sabe jogar. Que enxerga direito... Que não tem problemas de coordenação... Blá, blá, blá...
Em determinado momento, esperando meus sete minutos do lado de fora, comecei um diálogo interno. “Por que você está aqui? Não é para combater a ansiedade? Não é para aprender a lidar com a depressão?”. Cheguei à conclusão que tenho que tentar fazer o melhor possível dentro das possibilidades. Fazer o melhor tem a ver também com tentar me divertir e, se possível, aprender alguma lição aqui para levar para a vida, além de suar, dar o sangue ali!
Lembrei que foi assim no jogo do Flamengo contra o River Plate na Libertadores, não foi? Eles viraram o jogo porque acreditaram até o fim. Não seria legal eu tentar botar em prática isso?
Respirei fundo. Faltavam 15 minutos para acabar o jogo. Entrei determinado a correr com nunca, a dividir todas, ganhar todas as jogadas. Enfim, entrei com outra postura! Só que, desta vez, entrei no time de vermelho...
Como estava com a minha sagrada camisa do Flamengo de camelô, não coloquei colete. Vi que alguns do time falaram para colocar o colete vermelho por cima da camisa do Flamengo. Mas ela já era vermelha, é meio tradicional na pelada, quem tá com camisa do Flamengo não precisar usar o colete vermelho. Sempre foi assim nas nossas peladas, ora pois... Não vi motivo para colocar. Ao menos não no começo.
Agora no time mais forte, passei a jogar muito melhor. Fiz o primeiro gol recebendo uma bola na intermediária e tocando rasteiro por baixo do goleiro. Foi um frango. Escutei alguém falar “Pensei que fosse gol contra”. Mas estava tão feliz de fazer um gol com a camisa do Flamengo na semana em que o Flamengo foi Campeão da Libertadores e Campeão Brasileiro que não pensei muito a respeito. O segundo gol foi um chute lindo de fora da área que pegou no ângulo esquerdo do goleiro. Sensação de alegria indescritível.
Comecei a ganhar todas as divididas, driblar todo mundo, tudo que um jogador normal faz e eu não costumava fazer há muito tempo. Mas só quando recebi o terceiro passe de presente de um adversário que o meu próprio time chamou atenção para um fato: a minha camisa do Flamengo, para quem não sabe, é rubro negra, não vermelha, acredita? E naquela iluminação noturna estava sendo confundida e muito com o colete verde. Meu próprio time estava deixando de tocar a bola para mim, confundindo as camisas.
Achei uma coisa muito irônica. Porque tenho problemas de visão, principalmente ao jogar à noite. Por um momento, dei aos meus companheiros de time e adversários um gostinho de como é ser eu. Pois volta e meia erro passes por não enxergar direito...
Mas para não deixar dúvidas e não criar mais problemas, vesti o colete vermelho. Agora, devidamente uniformizado, continuei ganhando todas as divididas, dando bons passes e fiz mais dois gols. Teve um momento em que driblei uns três e fiquei de cara para o gol. Poderia ter até passado a bola, mas estava literalmente de frente para o crime. Chutei, mas a bola não saiu legal e foi para fora. Teve vários momentos que poderia passar a bola e passei. Teve momentos em que poderia passar a bola e chutei para gol. Umas bolas entram, outras não. Sim, é para isso que jogo futebol. Para entender que temos que tomar decisões, arcar com as consequências e assumir as responsabilidades em cima destas decisões.
Reflexões a parte, uma coisa ficou bem clara: eu joguei bem melhor quando joguei no time mais forte.
Não sei se isso representa uma vitória na minha discussão com o Chris. Acho que tudo é relativo. Mas a lição que entendi nesta terça, com meus quatro gols, é que eu na vida sempre tentei me cercar dos melhores e sempre funcionei melhor no futebol, nos relacionamentos, na profissão e, enfim, na vida, quando havia um “time bom” do meu lado e principalmente quando quem estava do meu lado, jogava para mim e não contra mim.
Desculpe o parágrafo de autoajuda que virá a seguir, mas é inevitável e necessário.
O problema não é jogar em time mais forte ou mais fraco. O que houve terça-feira é que, depois que cometi uma série de erros, meu time parou de tocar a bola para mim e aí, o time se tornou mais fraco de verdade. Quando entrei no time de vermelho, entrei com outra postura e comecei a receber bolas boas. Ganhei confiança e comecei a jogar bem. Uma coisa influencia outra. Uma postura firme e positiva costuma gerar respostas firmes e positivas. Não foi culpa do time de verde, mas um processo autodestrutivo e coletivo que praticamente todo mundo está sujeito. Não deveria acontecer, mas acontece. 
Saindo de terça-feira e indo para a vida. Os verdadeiros times ruins são aqueles que a gente mesmo com atitudes firmes e positivas, recebe de volta bolas quadradas. Percebi quantas vezes eu já estive em um time ruim de caráter. De você dar o seu melhor e a pessoa que deveria estar jogando do seu lado, está contra você. Isso é fácil perceber, quantos casais nós já vimos que não perdem a oportunidade de desfilar todos os defeitos um do outro em público? Quantos colegas de trabalho fazem nossa caveira quando damos as costas, às vezes, são pessoas pelas quais você já comprou briga. Pessoas que você defendeu. Pessoas que você pensava que eram do seu time, mas na verdade jogavam contra você.
Então, sim, escolher um time forte para jogar contigo na sua vida, é escolher quem gosta de jogar com você; quem gosta de estar com você; quem gosta de te elogiar, que se preocupa de verdade contigo. Às vezes, temos que trocar mesmo de time, mesmo que o jogador seja uma esposa, um marido, um funcionário, um chefe, ou mesmo um parente.
Então, como fiz quatro gols de novo, agora estou com 38 gols na temporada. Faltam só dois para alcançar o Gabigol. Vou dar o melhor de mim, garanto que vou jogar com toda raça, vontade, respeito e lealdade. Esteja em que time estiver.

Saldo de 2019:
46 jogos
38 gols

Clinton Davisson é jornalista, mestre em comunicação, pesquisador, cineasta e escritor. Autor da série de livros Hegemonia e Fáfia – A Copa do Mundo de 2022.

quinta-feira, novembro 21, 2019

Diário de um peladeiro XXXIV – A superstição da camisa de camelô


É engraçado falar de superstições. Porque vivemos numa época em que começaram a desconfiar das pseudociências, como a astrologia, homeopatia, numerologia, mas elas ainda são levadas a sério, muito a sério. Essas crenças esquisitas se refugiam nas lacunas entre ciência e religião. E estas lacunas são tão grandes que cabem teorias absurdas como terraplanismo e criacionismo. Por mais que as pessoas entrem em estado de negação, a astrologia não é menos absurda que o terraplanismo e o criacionismo. Sinto muito, mas é verdade.
Mas o assunto “pseudociências” é um troço complexo. Não podemos chamar astrologia de religião, mas também perdeu o status de ciência, embora eu também não ache justo esquecer que foram os astrólogos que descobriram os planetas mais próximos, Mercúrio, Vênus, Marte, Saturno e Júpiter, milhares de anos atrás. Religiosos foram os primeiros cientistas, os primeiros filósofos. Na verdade, as fronteiras entre religião, superstição e ciência sempre foram misturadas.
Na Roma antiga era normal você ir se consultar com um especialista em ler a sua sorte nas entranhas de um pombo. Na idade média entrar num barco sem tocar numa ferradura trazia má sorte e podia ser punido com a morte. Sim, muitas superstições se transformaram em leis. Muitas práticas religiosas vieram de superstições e, se parar para pensar, o processo de criação de uma superstição é de observação e constatação. Ou seja, é um elemento embrionário do que viria a ser o método científico.
Só começaram a se desembaraçar o que religião, do que é superstição e do que é ciência há pouco tempo. Estranhamente um marco histórico recente no processo de desatar destes nós foram de mágicos profissionais como Holdini 100 anos atrás e James Randy nos anos de 1970 e 1980. Ambos se especializaram em desmascarar “médiuns”. Holdini, conhecido até hoje como um dos maiores mágicos de todos os tempos, ia nas casas das pessoas para sessões espíritas e usava os conhecimentos como mágico profissional para revelar as artimanhas dos supostos médiuns. Isso valeu uma briga feia com ninguém menos que Sir Arthur Conan Doyle o célebre criador de Sherlock Holmes e que foi um dos grandes propagadores do espiritismo ou espiritualismo na Inglaterra. Desmascarado publicamente e de maneira humilhante por Holdini, Doyle rompeu a grande amizade que tinha com o mágico.
James Randy desmascarou falsos médiuns nos anos 70, principalmente o famoso Uri Geller. Que hoje se diz apenas um bom mágico. Randy também detonou mundialmente a homeopatia com uma ajuda involuntária do Programa Fantástico da Rede Globo.
Não vou entrar no mérito se existem, ou não, médiuns de verdade. Até porque afirmar isso seria muita prepotência da minha parte. Mas que existem médiuns charlatões, isso não se discute.
Enfim, Randy foi um dos responsáveis pelo fim da era dos médiuns charlatões nas tevês americanas e logo depois no Brasil e no resto do mundo. Randy deu um grande impulso no combate às pseudociências e eu sou um grande fã dele.
Dito isso, eu confesso contraditoriamente que ainda sou supersticioso em muitas coisas, sim! Sempre entro em campo com o pé direito, sempre! Sempre que vejo uma mariposa, acho que vai dar azar, enquanto grilos ou gafanhotos sempre associo à sorte. Já tive minha fase de acreditar em astrologia quando era adolescente, hoje não consigo levar isso a sério, afinal, sou cético como todo bom canceriano...
Este ano criei uma superstição esquisita (como se todas as superstições minhas e de todas as pessoas do mundo já não fossem): na última semana de setembro, eu comprei uma camisa do Flamengo no camelô. Afinal, ainda não fiquei rico com cinema. Quando ficar, eu compro uma camisa oficial do Flamengo. Comprei a 14 do Arrascaeta. Tanto porque gosto do jogador, como por ser o número que eu jogava.
Na mesma semana fiz um monte de gol. Saí todo feliz. Mas aí veio o jogo Flamengo x São Paulo. Claro que vesti a camisa no jogo. E o Flamengo empatou com o São Paulo no Maracanã.
Desde então, evito jogar com a camisa do Flamengo antes dos jogos do Flamengo. Vestir a camisa durante o jogo nem pensar. Dá azar para o Flamengo.
Aí, teve um jogo meu, se não me engano, foi 19 de outubro. Só sei que joguei mal pra burro. E estava com a bendita camisa 14 do magnífico Giorgian De Arrascaeta. Logo em seguida teve jogo do Flamengo x Grêmio, dia 23 de outubro. E o resultado foi 5x0.
Pois bem, minha superstição é que se eu jogar mal com a camisa do Flamengo, dou sorte para o Flamengo. Se jogar bem e fizer gols, dou azar.
Para tentar “quebrar a maldição” cheguei a vestir a camisa no dia do jogo Flamengo x Vasco. Mas tirei antes do jogo começar porque fiquei com medo. Mesmo assim, acabou 4x4. Ou seja, superstição confirmada.
Assim sendo, fui - na última terça-feira - jogar com a maldita camisa e sempre repetindo em minha mente: “Clinton, você é um cara do meio acadêmico. Um pesquisador. Em pouco tempo vai ter um doutorado. Como pode acreditar que fazer gols com uma camisa fará com que o universo prejudique o Flamengo?”.
Então foi, desafiando todas as regras, neste ato de rebeldia com o universo, que entrei em campo na terça-feira com a camisa do Flamengo, número 14, do Arrascaeta, comprada no camelô.
Para meu azar e para sorte do Flamengo, eu joguei muito mal. Principalmente na primeira metade do jogo. Basta dizer que perdi todas, TODAS as partidas que disputei. E não foi de propósito, não foi consciente, não foi pelo Flamengo. Parecia que algo me prendia, mesmo. Claro que, jogar mal, não significa correr menos. Mas estava totalmente fora de sintonia. Cometi até um erro primário que foi tentar marcar o goleiro na saída de bola, deixando um atacante livre. Por conta disso, o time adversário fez um gol.
Acho que só nos últimos 20 minutos do jogo, é que respirei fundo e tentei me libertar daquela armadilha de achar que não sou merecedor de estar ali, de que não sou capaz de jogar tão bem quanto os outros e todos aqueles pensamentos negativos com os quais tenho que lidar na vida e no campo.
No final, me libertei disso e comecei a ser mais ousado. Obriguei o goleiro a fazer boas defesas, pelo menos duas vezes. Em determinado momento, peguei a bola e saí driblando, 1, 2, 3, 4 jogadores. Os dribles não foram de graça. Levei muitos pontapés, inclusive resolvi que, a partir de semana que vem, não jogo mais sem caneleira. Enfim, me soltei no jogo, mas já era tarde. Nenhum gol, nenhuma partida vencida. Se depender da superstição, o Flamengo vai ser campeão no sábado com muitos gols. Se isso acontecer, vou fazer até uma campanha com os amigos e leitores do Blog que forem flamenguistas para trocar minha camisa de camelô por uma original. Combinado?

Saldo de 2019:
45 jogos
34 gols

Clinton Davisson é jornalista, mestre em comunicação, pesquisador, cineasta e escritor. Autor da série de livros Hegemonia e Fáfia – A Copa do Mundo de 2022.