Existe uma
falsa crença de que a ansiedade e a depressão são sinais de fraqueza e de
incapacidade diante da vida. Mas não, uma pessoa com ansiedade, depressão ou
sintomas mistos NÃO está louca e nem tem uma personalidade fraca ou inferior
aos outros.
É triste e
esgotador lutar contra isso. Pensar em "salvar o mundo", se realizar
profissionalmente, ser mais produtivo, e ao mesmo tempo, não ter ânimo e não
conseguir fazer nada. Pouco tempo depois, pensar em desistir de tudo, não
enxergar sentido na vida e achar que aquilo nunca vai passar. Ter medo de tudo
que vai fazer e, na maioria das vezes, pensar no pior. Pessoas que têm
transtorno de ansiedade sabem bem como é isso.
Por isso,
dado que a depressão e a ansiedade não são contempladas como feridas que
precisam de atenção, é comum ouvir discursos circulares com argumentos do tipo
“relaxe”, “não é para tanto”, “comece a se mexer, a vida não é isso”, “você não
tem razões para chorar”, “comece a amadurecer” “Vou me afastar de você até você
melhorar”, “Mas você está sempre assim?” , etc.
Em alguns
casos, a pessoa não sente vontade de se relacionar, nem cumprir atividades
simples e acha que todos estão contra ela. Muitas vezes, trata-se da depressão
que, se não tratada, faz com que a pessoa sinta vontade de cometer o suicídio.
Uma reação
comum nesses casos, para fugir da autopiedade, da entrega, do fantasma do
suicídio, a gente apela para um processo parecido com a de uma pessoa se
afogando. A gente se debate e sobra porrada para todo mundo. Principalmente
para quem está perto. A gente encontra culpados, reclama, briga, mas acreditem,
isso é uma coisa positiva de um certo ponto de vista. É melhor brigar com
pessoas legais (e escrotas) que se entregar a depressão. Porque se a pessoa é
realmente uma “pessoa legal”, ela acaba entendendo. Se não é, um peso morto a
menos para te puxar para baixo.
Há
exatamente um ano atrás, eu estava numa das piores crises de depressão que já
tive. Entre outros, descontei no grupo da pelada do Sábado, organizado pelo Ricardo
Beghini que é o cara mais gentleman que conheço. Não fiz nada de grandioso ou
histérico. Apenas cheguei à conclusão que futebol não era para mim e sai do
grupo. Estava chateado comigo e com o mundo. Me sentia atrapalhando os outros e
não era só em campo, era na vida. Futebol para mim (sim estou sendo repetitivo
de propósito) é uma metáfora para a vida, sempre foi.
Ao
contrário do que aconteceu com meus casamentos/namoros em relação à depressão,
a reação ali foi de extrema solidariedade e carinho em relação aos amigos.
Houve bronca também, uma bronca proveitosa, apenas de um amigo mais chegado,
meu quase irmão Gustavo Paraviso. Mas no geral foi um momento marcante, o famoso
divisor de águas. Pois, acredite ou não, naquela altura do campeonato da vida,
saber que existem pessoas que se importam contigo faz uma grande diferença.
Pois o deprimido não enxerga muita coisa além de dor e horror. É preciso escancarar
na cara dele que há coisas boas no mundo.
Talvez
hoje isso pareça palavras bonitas escolhidas para causar impacto. Talvez porque
seja difícil mensurar ou classificar em palavras a importância que aquele
episódio teve na minha vida. Não foi instantâneo. Não foi como naqueles filmes em
que a pessoa tem um epifania e sai gritando pelas ruas que ama a vida; não é como
o Rocky Balboa que se levanta e parte para massacrar o adversário de uma hora
para outra. Na verdade, os resultados do que foi plantado ali, em 23 de outubro
de 2018, só começaram a ser colhidos lá pelo mês passado. E teve participação
de várias pessoas que ajudaram, desde amigos e amigas daqui e do Rio de
Janeiro, alguns de São Paulo, até o apoio da família. E teve outra parte
também, que foi me afastar de pessoas ruins, as famosas pessoas tóxicas que só
te puxam para baixo. Mas leva tempo, não é como nos filmes...
Mas por
coincidência, hoje foi um daqueles dias ruins. Apesar de bem fisicamente, ainda
falta muita coisa. Acertei duas bolas lindas na trave, mas trave não é gol. E
dei um passe tão ruim, mas tão ruim para o Baiano hoje, que fiquei deprimido
dentro de campo. Estou falando de um passe de um metro de distância que
consegui errar. Aí, o adversário pegou e fez o gol.
Perdi
todas, repito, todas as partidas de hoje. Foi realmente um dia de bosta. Teve o
mesmo tipo de confusão de um ano atrás. Novamente envolvendo a discussão “quem
vai ficar com o perna de pau ali no time?” e ninguém queria. A confusão se
estendeu por quase cinco minutos.
Saí triste de campo, chateado, decepcionado,
arrasado..., mas aí que vi como as coisas mudaram de um ano para cá.
Primeiro que,
ao contrário do ano passado, eu confio nesses amigos. Eu sei que são meus
amigos. Eu sei que tenho amigos. Depois, é que eu aceito meus limites. Aceito
que posso errar, que o erro faz parte do jogo. Aceito também que tenho o meu
direito sagrado de ficar chateado com meus erros. Aceito que vou ter que conviver
com a dor de uma coluna lesionada para o resto da vida, mas que não vou deixá-la
ditar os meus limites. Aceitar os meus limites é uma coisa, parar de
desafiá-los é outra.
Outra
coisa que mudou é que a autoestima é outra. E não me senti ofendido ou
menosprezado ou chateado pela confusão. A decepção foi apenas de mim para mim
mesmo.
Até então,
acho que só vinha revezando entre dias muito bons e dias razoáveis. Esse talvez
tenha sido o verdadeiro teste para saber se a depressão havia realmente sido
vencida. Não dá para saber só com dias felizes. É preciso um dia de bosta para
realmente testar sua autoestima.
Enfim,
dizem que há males que vem para bem. A maioria vem para o mal, mesmo. Mas hoje,
esse dia ruim serviu para me mostrar por A e B que eu estou bem por dentro.
Pode ser até que o futebol ainda não esteja lá estas coisas. Talvez nunca chegue
o dia em que eu apresente um futebol satisfatório. O objetivo nunca foi esse. O
objetivo é lidar com a depressão e principalmente com a ansiedade. Neste ponto,
foi um dia muito bom. Talvez o melhor do ano.
Saldo de 2019:
40 jogos
30 gols
40 jogos
30 gols
Clinton Davisson é jornalista, mestre
em comunicação, pesquisador, roteirista e escritor. Autor da série de livros
Hegemonia e Fáfia – A Copa do Mundo de 2022.
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