Por Lawrence Gonçalves
Riqueza de informações nos primeiros capítulos. Aparentemente
desconexas, demandam seguimento para começar a entender porque são informados
tantos detalhes.
As descrições de comportamentos humanos em imagens são
convincentes, como se dá ao ilustrar gestos comuns, mas ligeiramente
específicos. Por exemplo, o contorno de um cumprimento de Jaciara (longa
reverência simpática).
Entre os baluartes, clássico conflito de crenças recebe tratamento conciliador em diálogo dentro de uma igreja. Um tanto quanto generosa a providência do autor para explanar a dissolução dessas contradições humanas. Mas, por fim, convence rapidamente, ao equalizar tal simplicidade com saberes pouco triviais que se põem ao conhecimento do leitor. Aliás, outra característica que se observa ao longo da construção é a disposição para o azeitamento das diferenças, num esforço para viabilizar a coesão do grupo de personagens.
‘Lembranças’, um dos primeiros capítulos, tem função de
revelações. Interessante e cuidadoso, o excerto anuncia sentidos importantes
para atiçar o interesse em seguir adiante. Este capítulo tem característica
acentuada que também se encontra nos demais, - arremata-se em si mesmo, o que parece ser aspecto contínuo na
construção do livro: cada capítulo assemelha-se a um episódio de novela
televisiva. Em ‘Lembranças’, há espaço para reminiscências de mais velhos que,
como eu, assistiu Sítio do Pica-Pau amarelo e conheceu muito bem a Cuca (Coca,
de agora em diante). Ou achava que conhecia. Insinuava-se suficiente, até
então, a imaginação de Monteiro Lobato.
Diante
de ‘A volta dos que não foram’, supõe-se que será enaltecido o teor sombrio da
história. No entanto, trata-se de um recurso mnemônico do autor a par de suas
vocações temáticas. De fato, o curto capítulo traz boas novas, enquanto ao
final outro integrante do folclore nacional integra o enredo de forma
assustadora. O ponto alto do sombrio, no entanto, parece concentrar-se no
último quadro da trama, em típico cenário de castelo mal-assombrado. De
qualquer forma, com perfis menos triviais, Coca, Sacis e Curupiras já preparam
o leitor para a atmosfera lúgubre da história, o que imprime à Baluartes sua
classificação indicativa básica.
Personagens
do folclore nacional recebem projeção sombria e respeitosa no correr da
história. Talvez essa reverência associe-se à projeção de Clinton Davisson
atualmente. Retomado o olhar para o Brasil, a reconhecida vocação para a
valorização das riquezas nacionais personifica a condução do país em 2023.
Neste caso, alcançam-se raízes folclóricas e talentos modernos, como o autor,
que adiciona ao lúdico e fantástico um aspecto de rigor acadêmico na descrição
de fatos e boatos ao longo do enredo.
Com
o mesmo rigor se estende a abordagem de personagens históricos, estrangeiros ou
nacionais. Para não demorar-se muito, basta dizer o quanto é inusitado
encontrar Mozart em meio a flechas mágicas, índios canibais e reinados
africanos. Adicione-se, sem prenúncio das surpresas que a leitura traz, o
trabalhoso tour por épocas históricas contíguas e dimensões paralelas.
Embora
os capítulos apresentem uma boa cadência e conclusões provisórias, a obra
sustenta pontas soltas. Baluartes tem densidade para seguir. Hoje um desafio
maior, visto a limitada prontidão para bullet points, o acompanhamento
dos personagens, seus assuntos a serem resolvidos e os propósitos de sua
irmandade esotérica promete reavivar uma disposição para expectativas. De fato,
apenas assim seria saciado o desejo criado neste primeiro volume. Lugar já
menos comum, a leitura de Baluartes põe-nos como que diante da TV, esperando os
próximos capítulos da novela. Parabéns, Clinton Davisson!
Att,
Lawrence
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentaram