Filme francês diverte usando universo invertido entre homens
e mulheres
Damien (Vincent Elbaz) é um típico solteirão machista,
estilo cafajeste, vaidoso e egocêntrico que trabalha em uma empresa de
software. Ele está feliz transando com várias mulheres, dando cantadas na rua,
no bar, na livraria, no trabalho, em toda parte. Mas a vida é uma caixinha de
surpresas e, numa bela manhã de sol, após conhecer a secretária de seu melhor
amigo, Alexandra (Marie-Sophie Ferdane), numa livraria, ele bate a cabeça num
poste na rua e desmaia. Ao recobrar a consciência, ele descobre que está em um
mundo invertido. Não, não é o de Stranger Things, mas uma sociedade matriarcal
em que as funções entre homens e mulheres são invertidas, ou seja, são os
homens que precisam “prestar contas à sociedade”, se vestir com roupas
apertadas e sexistas. Precisam se depilar, fazer as unhas, usar rosa e flores
(lembrei do Menudo, pesquisem no Google sobre do que se trata).
A princípio Damien até gosta da ideia de ser cantado na rua
por todas as mulheres. Mas depois o pesadelo vai mostrando seu lado cada vez
mais sinistro. Seus pais cobram o fato dele ser solteiro, promíscuo e não ter
filhos e acham um absurdo seu discurso sobre como um homem pode ser feliz sem
ser casado. No serviço, acaba demitido por “não saber o seu lugar diante da
chefe”. O seu melhor amigo, antes um admirado escritor, agora é um passivo,
recatado e do lar.
Damien até que tenta
se adaptar ao novo mundo: depila o corpo completamente, pinta as unhas, compra
roupas que mostram mais as pernas (depiladas) e consegue um novo emprego, justamente
como secretário de Alexandra que, neste mundo é basicamente uma versão feminina
dele mesmo, uma colecionadora de homens egocêntrica e que vê em Damien um homem
difícil de ser conquistado e, portanto, um prêmio a ser disputado.
Um pouco além de comédia, mas não muito
Escrito e dirigido por Eléonore Pourriat, Eu não sou um
homem fácil é uma boa surpresa do Netflix. A produção francesa estreou em junho
e pega leve em um tema muito atual, mesmo assim, vale a pena ser visto tanto
por homens quanto por mulheres. O entretenimento é garantido principalmente
pelas atuações de Vincent Elbaz e Marie-Sophie Ferdane. O primeiro convence
como machista que vai se adaptando a nova condição de oprimido e a segunda como
uma “mulher cafajeste”.
O filme opta por um caminho mais leve, lembrando muito mais
o constrangedor Do que as mulheres
gostam, de 2000, com Mel Gibson, sobre um machista que descobre ter o poder de
ler o pensamento das mulheres e passa longe do genial, A Cor da Fúria, de 1995,
com John Travolta em um mundo invertido onde os negros são a casta superior e
os brancos marginalizados.
O problema é que, o racismo contra negros é algo
relativamente novo em termos históricos, datando da época da escravidão há 300
anos e agravado com as teorias eugênicas dos Séculos XIX e XX. A simples
inversão dos papeis no filme de 1995 é suficiente para mostrar o absurdo da
sociedade e causar incômodo e até, no meu caso, náuseas.
Já a situação da sociedade patriarcal remonta no mínimo uns
100 mil anos e não se restringe ao ser humano. Na verdade, a maioria das
espécies de animais possui uma divisão da função entre machos e fêmeas e cada uma
com características peculiares que foram, ou não, assimiladas pela raça humana.
A simples inversão do papel não resolve o problema e ainda corre o risco de
entrar no erro mais comum de pessoas leigas de pensar que o feminismo é apenas
o contrário de machismo. (O contrário do machismo é a inteligência, caso alguém
não saiba).
Por outro lado, a inversão dos papeis demonstra claramente
que o mau-caratismo e a falta de consideração com os sentimentos das outras
pessoas não é, infelizmente, apenas uma prorrogativa masculina, mas que a
sociedade é mais tolerante com determinados deslizes de caráter de um gênero em
detrimento de outro.
Faz rir, faz pensar e faz torcer
Mas se o filme não dá um parecer definitivo sobre as relações
de poder entre machos e fêmeas da raça humana, ao menos consegue brincar com os
clichês do gênero. E no momento em que fica claro a opção da narrativa por ser
uma comédia romântica, confesso que fiquei até aliviado, já que o roteiro vinha
se mostrando muito leve para um assunto tão pesado. Quando escolhe ser um
estudo superficial, o filme se despe da pretensão de ser um tratado sobre o
assunto e deixa claro que quer apenas divertir com um pouco de reflexão.
Neste contexto é fascinante como a direção aproveita os
clichês do gênero comédia romântica para brincar e criticar a realidade. Quando
Alexandra, por exemplo, percebe que Damien entende realmente de carros, ela
começa realmente se apaixonar por ele, afinal, ele não é só um homem superficial
preocupado apenas com moda e com a aparência. Ao mesmo tempo, mesmo sabendo e
condenando as atitudes canalhas de Alexandra, ele não resiste a dar uma volta
no carrão dela. Este momento beira o brilhantismo porque deixa claro que a
diretora não vai ser condescendente com ninguém.
A piada sobre os “peitos pequenos” de Alexandra, os quais
ela parece querer compensar com carrões e demonstrações de poder, também é
digna de aplausos.
Os gays mostrados no mundo invertido também são um ponto
alto. Trata-se apenas de homens e mulheres que se vestem de um jeito que a
nossa sociedade acharia normal. Mas eles têm que fazer isso em um lugar
reservado para não chocar.
Tem hora em que erra, mas tem grandes acertos
O problema maior de Eu não sou um homem fácil está no
roteiro preguiçoso. Para começar, a transição para o mundo invertido é feita
com Damien batendo a cabeça numa placa de rua. Não se preocupam em dar nenhuma
explicação a mais. Tá certo que não precisa, mas a cena é meio broxante. Várias
situações propostas como a relação de Damien com os pais não são resolvidas,
simplesmente ficam de lado.
No final, fiquei com uma sensação de que, como é uma
produção falada em francês e com uma ideia muito original, vai acabar saindo
uma versão americana em breve e a história será melhor contada.
E se eu falei do maior problema, o maior mérito do roteiro para
mim foi saber terminar a história de maneira coerente, sem cair na pieguice e
também sem cair no dramalhão deprimente. Mas para saber o final, você vai ter
que ver o filme. E, acredite, este filme merece ser visto!
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