A
trilogia "Before" do Richard Linklater é um dos projetos mais
poderosos sobre a natureza do amor em todos os tempos. O mais surpreendente é
que não foi um projeto, mas algo tão natural quanto despretensioso.
Começou
em 1995 com o filme Antes do Amanhecer (Before Sunrise) com uma história
simples sobre dois jovens se encontrando em um trem e resolvendo passar um dia
juntos. Com atuações impecáveis de Ethan Hawke e Julie Delpy, eles nos
apresentam o americano Jesse e francesa Celine. O filme mostra os dois se
apaixonando quase em tempo real. Não há tramas complicadas, mistérios ou
reviravoltas. Não tem um vilão ou desafio. Apenas duas pessoas conversando e se
apaixonando enquanto caminham pelas belas ruas de Viena. E acredite, é um dois
filmes mais românticos já feitos.
No
final, ambos tem uma ideia típica da idade em que se encontram, na casa dos 24
anos: não trocar sobrenome, telefone ou endereço, mas se encontrariam em seis
meses no mesmo local. E o filme acaba deixando para nossa imaginação descobrir
o que iria acontecer àqueles jovens e belos amantes.
A história
terminaria por aí se não fosse um desses acasos da vida. O diretor Richard
Linklater, que tecnicamente pertencia à série C do cinema americano, produziu
um sucesso de bilheteria, no caso, A Escola de Rock com o doidão Jack Black. E
o ator Ethan Hawke foi indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante por Um Dia
de Treinamento. Com dinheiro, poder e fama, os dois resolveram arriscar a fazer
uma continuação daquele filme que não pedia uma continuação. Foi aí que, em
2004, veio Antes do Pôr do Sol (Before Sunset), mostrando o que havia
acontecido com Celine e Jesse nove anos depois.
Descobrimos
que a avó de Celine morreu perto do dia do encontro e ela acabou não podendo
ir. Jesse foi e ficou dias procurando ela mas sem sucesso. A vida deles seguiu
de uma forma cruel. Ambos sonhando um com o outro. Jesse casou-se porque sua
namorada engravidou. Continuou casado por comodismo e por amar o filho, sempre
sonhando secretamente com aquela francesa do trem. Celine tocou a vida da
melhor maneira que pode, mas também sem tirar o garoto americano da cabeça.
Enfim, Jessie resolve escrever um livro sobre aquele encontro na esperança de
que, caso o livro fosse um sucesso, ele acabasse encontrando aquela mulher
novamente. Deu certo. Em um lançamento em Paris, Celine aparece na livraria e
os dois voltam a conversar e se apaixonar.
Mas se
antes eles estavam na casa dos 24 aos, agora estavam com 33. A perspectiva
muda. O rosto e o corpo dos atores também. O fogo da juventude que incendiava
seus olhares em 95 se transforma quase em um desespero. É como se um visse no
outro, a última oportunidade de ser feliz na vida.
O
filme novamente termina em aberto. Desta vez, porém, temos certeza que os dois
vão ficar juntos. Era quase o único caminho a ser seguido para manter a
sanidade de ambos.
Embora
Julie Delpy não tenha se tornado uma atriz de sucesso em Hollywood, sua carreia
foi bem na França. Hawke e Linklater continuaram a fazer sucesso mundial com a
força do cinema americano.
Inevitavelmente,
nove anos depois, veio o terceiro filme Antes da meia-noite (Before Mindnight)
em 2013. Pessoalmente, fiquei morrendo de medo. Por favor, não mexam novamente
com Celine e Jesse. Deixe os dois no “Felizes para Sempre”, por favor?
Mas o
trio não me escutou e veio o que, até agora, é o filme mais premiado da
trilogia. Chegando inclusive a ser indicado ao Oscar de roteiro original e ao
Globo de Ouro de Melhor Atriz para Julie Delpy. É o filme mais pesado também.
Assim
como a vida, a história segue. Agora Jesse e Celine estão casados (ufa!) e tem
filhas gêmeas. O filho de Jesse de primeiro casamento já é um adolescente e
vive com a mãe nos EUA enquanto Jesse tenta viver na Europa com Celine. Agora
os atores estão com 42 anos. Pela primeira vez, temos uma cena de nudez de
Julie Delpy mostrando os seios, o corpo exibe uma barriguinha, rugas, muitas
rugas em ambos. A barbicha de Jesse começa a embranquecer.
Embora
a paixão continue, estão agressivos e cruéis um com o outro. Metade do filme é
briga e feia. O assunto traição vem à tona. Aqueles jovens de vinte anos atrás,
apaixonados, agora discutem se é justa a divisão de tarefas domésticas. Ele um
escritor de relativo sucesso, se mudou para a França, - algo que para um
americano é bem doloroso - para ficar perto dela, longe do filho. Celine, por
sua vez, continua trabalhando. De noite, é ela quem cuida das gêmeas para ele
escrever. Ou seja, ela faz aquelas típicas jornadas de trabalho dupla, no
serviço e depois em casa. Ele escreve (acreditem em mim, é um trabalho que
consome o indivíduo) e convive com a culpa de não estar sempre presente.
Em seu
terceiro ato, a trilogia não tem medo de mostrar o lado mais cruel do “Felizes
para Sempre” dos contos de fadas. Novamente a história termina de forma aberta.
Novamente, entendemos que o casal vai permanecer junto, pois NOVAMENTE os
atores nos convencem de forma absoluta de que Jesse e Celine se amam
apaixonadamente e literalmente nasceram um para o outro. Mas algo mudou
radicalmente e do casal apaixonado e puro de 1995, passamos para o casal
estressado de 2013.
De
certa forma, a trilogia “Before” é um magnífico estudo sobre o amor verdadeiro
e poderoso que une aqueles dois seres humanos que acompanhamos durante vinte
anos. Mas também pode ser um cruel filme de terror se assistido em sequência. A
deterioração de corpos e sentimentos é honesta, cruel e assustadoramente bela.
Manter uma relação tem seu preço. O “felizes para Sempre” cobra tributos e
estes são altíssimos. Isso nunca foi mostrado nas telas de cinema com tanto
realismo. Entretanto, talvez seja uma das poucas obras românticas a mostrar o
amor em “tempo real” de forma tão verdadeira, sem idealizações, sem concessões.
Ainda assim, continua sendo belo, continua sendo romântico.
Tecnicamente os filmes são impecáveis com diálogos, interpretações e direção de um realismo impressionante. Os atores vestem os personagens de tal maneira que muitos fãs se apaixonam por eles a cada filme. Os personagens são complexos, ricos e multifacetados. No último filme, Julie Delpy está particularmente impressionante pela transformação física e a francesinha inteligente de 95 deu lugar a uma mulher maldosa, sofrida e que parece prestes a explodir. Ethan Hawke não é exatamente um ator de grandes expressões, mas se entrega a Jesse e o jovem hiper-romântico vai se tornando um cara que carrega a culpa e o comodismo de uma vida em que consegue sucesso como escritor, mas fica dilacerado por viver em um país distante e longe do filho. A química entre os atores é tão grande que estranhamos muito o fato de nunca terem sido casados um com o outro.
Uma
curiosidade ainda mais cruel sobre a trilogia, é que o primeiro filme foi
inspirado em um encontro de Richard Linklater com uma jovem chamada Amy
Lehrhaupt na Filadélfia. Assim como no primeiro filme, os dois passaram pouco
tempo juntos e não mais se encontraram. Assim como no segundo filme, Linklater
fez sua obra com um desejo secreto de poder assim, reencontrar aquela moça.
Infelizmente, a vida foi mais cruel que a arte e Amy morreu em um acidente de
moto meses antes da estreia de Antes do Amanhecer.
Acho
relevante dizer que literalmente cresci e envelheci junto com Celine e Jesse.
Quando vi o filme de 1995, pensei: É isso que eu quero para a minha vida! Quero
uma Celine para mim! Encontrei e já estava casado com ela 2004 quando o casal
se reencontrou em Paris e os apresentei para a então esposa. Quando assistimos
em 2013 a Antes do Meia-noite, o impacto foi tão grande que nos separamos menos
de um ano depois. Então, aconselho a assistir com muita cautela.
O
diretor e os atores, que agora também são roteiristas, pretendem mostrar Jesse
e Celine ainda mais uma vez, quando completar mais nove anos. Devemos
encontrá-los agora na casa dos 50 e tenho medo do que vem por aí, embora tenha
certeza que será incrivelmente belo e poético, além de, é claro, assustador.
Confesso que aguardo ansiosamente por esse encontro com esses velhos amigos.
Enfim,
apesar dessa crueldade em não dourar a pílula, não há como negar que se trata
de uma obra poderosa e apaixonada que desconstrói o romantismo sem destruí-lo.
A intenção não é botar água no chope dos românticos, mas dizer que, apesar de
tudo, não há coisa melhor (e mais trabalhosa) que estar com a pessoa que
amamos. Acredito que essa trilogia seja recomendada a todo mundo, mas
principalmente a quem quer entender essa coisa louca que chamamos de amor.
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