quarta-feira, janeiro 15, 2020

Diário de um peladeiro 2020 – Parte I


 

Aviso, o texto abaixo toma diversas liberdades poéticas ao elogiar o medicamento cloridrato de metilfenidato, popularmente conhecido como Ritalina. Entretanto, é sempre bom lembrar que este medicamente só deve ser usado com indicação e acompanhamento médico. 


Voltando com o Diário do Peladeiro após quase desistir de escrever. Foi uma coisa curiosa. Eu tinha melhorado 99% da depressão em novembro, graças a academia, o futebol e os amigos. Crédito também para minha companheira de aventuras, a Gabriela Moreira.
Enfim, resolvi que, para tentar enterrar a depressão de uma vez, por todas, deveria ir além de só fazer terapia com psicóloga. Aí, fui numa psiquiatra e resolvemos que deveria tomar um remédio para ansiedade. O escolhido foi o succinato de desvenlafaxina monoidratado. Esse troço dos diabos simplesmente me apagou dezembro todo. Um dos efeitos mais malucos do remédio foi a confusão mental, desaconselhando na bula, por exemplo, a dirigir. O ápice desse efeito foi num jogo em dezembro em que comecei jogando com a camisa vermelha e depois troquei para azul. O resultado é que dei três passes de cabeça para o time errado. Mas o “melhor” foi quando desarmei o meu amigo, Bruno Kaehler, que era do meu time e entreguei a bola para o adversário. Teve momentos em que simplesmente esquecia o que estava fazendo ali no campo. Numa dessas, o Osmir, da pelada de Quinta, teve um acesso de raiva e quase me matou. Eu parecia o gif do John Tavolta, perdido em campo. Mesmo assim, foi nessa última pelada do ano, com passe justamente do Osmir, que fiz meu último gol de 2019. O de número 40.

Sim, o saldo final de 2019 foram 40 gols em 48 jogos. Contra 21 gols em 27 jogos em 2018. Como será 2020?

Mas ainda falando de 2019.... Dormi e tive muita diarreia em dezembro todo. Travei em praticamente tudo que estava fazendo e quando foi lá pelo final do mês, eu resolvi parar. E quando deu exatos 15 dias que parei de tomar o remédio, me veio ainda uma droga de um surto, no dia sete de janeiro, que deixou todos os amigos mais próximos (não necessariamente próximos geograficamente) assustados. Um ataque de pânico tão forte que assustou até minha terapeuta. Enfim, remédio dos diabos! Caro para burro, me deixou prostrado, perdi um mês da minha vida e ainda surtei no início de janeiro de uma forma que é melhor nem escrever aqui. Já passou. Bola pra frente!
Voltei lá na médica e pedi para trocar o remédio. Sugeri Ritalina. Oh, sagrada Ritalina, dádiva dos deuses criada para pessoas com TDH tenham foco e potencializa a concentração. Ou seja, passei a jogar dopado...
O resultado é que joguei três peladas em 2020 e já fiz nove gols. Fora a disposição para fazer os projetos, estudar, ler e tudo que tanto preciso. Em comparação ao ano passado, eu só fui chegar a 9 gols depois de 13 jogos e cinco meses. Foi um bom começo. Aliás, foi ótimo! Viva a Ritalina!
O primeiro gol foi em Barra Mansa no meu querido e lendário Moinho de Vento, dia 2 de janeiro. O gol veio de um passe do meu mestre e mentor Ricardo de Mello no campinho em que aprendi a jogar bola 38 anos atrás. Foi simbólico. Não foi exatamente um jogo, mas conta como o primeiro gol de 2020. A ideia de voltar às origens permeia todo esse blog. Redescobrir a identidade perdida. Precisava voltar lá no Moinho de Vento. Precisava olhar com clareza aquele lugar que ajudou a construir minha personalidade até então perdida. Precisava fazer um gol lá... Precisava me encontrar.
Depois veio uma pelada da quinta-feira, dia 9 de janeiro. Não fiz nenhum gol. Lembro que corri bastante. O goleiro fez duas defesas tão difíceis de dois chutes meus, que até se machucou, fui até cumprimentá-lo.
É a pelada mais organizada que participo, mas como tem muita gente, dá a impressão de que o tempo passa mais rápido e quando vejo, já acabou. Lembro que cheguei cedo e fiquei correndo no campo, treinando dominar a bola sem olhar para ela, com a cabeça levantada, como eu fazia nos tempos de escolinha de futebol... Bilhões de anos atrás... Durante o jogo, tentei fazer isso e a bola passou debaixo do meu pé duas vezes. Acho que o treino não valeu muito...
O que ficou de relevante foi mais a dor nos dois joelhos que, mesmo depois de 20 dias sem jogar e sem malhar, não melhoraram. Confesso que fiquei preocupado. Marquei até ortopedista para o mês que vem.
Depois veio o glorioso retorno da pelada de Sábado, na Faefid, dia 11 de janeiro. Resolvi subir de ônibus porque me obriga a andar um pouco e me aquecer no processo. O problema é que tive que passar no banco primeiro para pegar dinheiro para pagar a pelada. Isso me fez perder o ônibus e chegar atrasado.
Cheguei lá, um calor sinistro, abafado. Enfim, fiquei mais ousado desta vez. Tentei dribles, dei bons passes, mas comprovei uma coisa muito óbvia que já vinha suspeitando desde que voltei a jogar em 2015: eu não tenho fôlego ou pique para acompanhar a garotada de menos da metade da minha idade, mas por algum fenômeno biológico desconhecido, eu sou sempre o último a me cansar. Então, no final da pelada, todo mundo se arrastando e eu correndo. Aprendi a usar isso a meu favor. No final, com a defesa do adversário cansada, eu estava sempre indo e voltando e me colocava bem. Fiz três gols justamente neste final de jogo, quando todo mundo estava cansado e eu estava “inteiro” ou talvez, menos acabado que os outros.
O primeiro gol veio num passe açucarado. Eu estava só tive que matar a bola com muito, muito cuidado, morrendo de medo de perder aquele gol feito e chutar. O segundo foi um passe do Furlan e eu estava de costas para o gol. Toquei de letra e calcanhar e a bola entrou. Até agora, meu gol mais bonito do ano. O último foi também um belo passe do Furlan que eu só tive que chutar longe do goleiro. Pensando bem, acho que todos os gols foram passes do Daniel Furlan. Mas sei que dei passe para pelo menos dois gols dele também.
Momento curioso. Teve um jogador que eu não sei o nome. Dei um ótimo passe no meio de campo por baixo das pernas nele. Teve um momento em que eu roubei a bola no meio, cara a cara com o goleiro, chutei por debaixo das pernas dele. Era o mesmo cara. Só que desta vez, ele conseguiu defender com a ponta do calcanhar.
Fiz três, mas perdi uns seis. Acho que pode melhorar. Sempre pode, né?
Depois veio a pelada de ontem, 14 de janeiro, terça-feira. Pelada da imprensa, no mesmo Soccer Aero ball da pelada de Quinta-feira. Desta vez, fiz cinco gols e dei uns passes para, pelo menos mais quatro. Melhor atuação até agora. Embora, claro, no meu universo perfeccionista, ainda tenho muito que melhorar. Mas já é o maior número gols numa única pelada desde que voltei a jogar em 2015 (depois de 12 anos parados por problema na coluna, para quem não sabe). Viva a Ritalina!
Difícil até lembrar de todos os gols. Mas vou tentar. Foram dois gols de um lado do campo e três do outro. Lembro que o primeiro foi o mais bonito porque recebi o passe de fora da área e emendei de direita de primeira para o gol. A bola foi suave, no alto, nem lenta e nem rápida, o goleiro pulou, mas ela passou deixado do braço dele. É ótimo quando a gente faz o gol com um movimento automático, sem pensar muito.
Teve o Anderson, tio do Rodrigo, um baixinho muito bom de bola. Segundo nosso amigo, Lucas Demolinari, era uma mistura de Soteldo (Santos) com Thiago Neves (Cruzeiro). Ele me lembrou incrivelmente o Genésio do Moinho de Vento, que por sua velocidade na marcação, ganhou o apelido carinhoso de Carrapato. Fizemos uma boa dupla, dei uns três ou quatro passes para ele fazer gols. Não contei, mas com certeza ele fez mais que eu, que fiz cinco.
Realmente não lembro de todos os gols que fiz, mas lembro de dois que perdi. Um porque foi debaixo da trave com um passe preciso do meu garçon predileto, o Bruno Kaehler, que, seguindo a linha de raciocínio de comparações, é uma mistura de Modric com Geromel.
Enfim, o Bruno fez uma jogada fantástica, passando por dois na linha de fundo e cruzando para mim praticamente dentro do gol. A bola veio rápida e passou por debaixo das minhas pernas. É o tipo de gol mais triste de se perder. Mas acontece. O que eu gostei é que não desisti e fui atrás da bola e consegui recuperar e iniciar outra jogada.
 Tentei chutar de longe três vezes, uma foi para fora, outra o goleiro defendeu e outra na trave. E o gol que mais lamentei ter perdido foi um que recebi na entrada da área, consegui tirar o goleiro com um drible curto e chutar de esquerda. Mas a bola não pegou corretamente e foi para fora, por muito pouco.
Acho que perdi uns três gols de ótimos passes. Mas fico sempre naquela dúvida: pegar de primeira e seja o que Deus quiser ou dominar e chutar, dando chance para a defesa chegar e cortar? Mas tudo se resume, desde o começo, desde que voltei a jogar, a aceitar os próprios erros. A lidar com a ansiedade, não com remédios que me deixam com sono e diarreia, mas com treino. Enfiando na cabeça que sou humano. Humanos erram. Humanos acertam. Mas só acertam aqueles que tentam. Então, tentei. Chutei de esquerda, a bola entrou, acho que foi passe do Anderson. O Bruno/Geromel/Modric me deu passe para pelo menos mais dois gols. Um eu peguei de primeira e entrou. Outro eu dominei e chutei, entrou. A vida é simples. A minha ansiedade é que complica.
Tenho certeza que fiz um gol com passe do Fernando Junior também e quase certeza que dei passe para ele também fazer gol.
Enfim, foi um dia muito legal e o ano está só começando. Um ano ainda cheio de incertezas, mas também cheio de possibilidades. Talvez de mudança de cidade, mas com certeza de mudança de vida, mudança de atitude, de postura. Saí do modo sobrevivência, que foi muito útil e necessário nos últimos dois anos, porque ninguém sabe o inferno que passei..., mas agora entrei no modo do combate. Viva a Ritalina!

Saldo de 2020
3 jogos
9 gols
Clinton Davisson é jornalista, pós-graduado em educação e mestre em comunicação. Autor de quatro livros, entre eles, a premiado Hegemonia – O Herdeiro de Basten. Trabalhou nas séries Malhação, Tapas & Beijos, foi consultor na série Ilha de Ferro da Globoplay. Atualmente trabalhando no piloto da série Baluartes.

Um comentário:

Guilherme Soldati disse...

Muito bem. Começando o ano metendo bola na rede! 2020 vai bombar.