segunda-feira, abril 17, 2017

A Bela e a Fera




Nova versão live-action de clássico da Disney é burocrática, mas agrada fãs do original

O sucesso do desenho animado A Bela e a Fera de 1991 foi tanto que gerou também um musical na Broadway, avenida de Nova Iorque em que ficam os teatros mais badalados dos EUA. A peça atraiu multidões e ficou em cartaz de 1994 até 2007. Agora, com o sucesso de outras versões com atores reais de desenhos da Disney, como Malévola e Cinderela, era inevitável que A Bela e a Fera também ganhasse sua versão live-action. Porém, muitos não perceberam é que essa versão é muito mais influenciada pelo musical da Broadway que propriamente pelo desenho animado. Por isso, quem for ver, se prepare para uma quantidade bem maior de números musicais e canções que o desenho animado.

Baseado em um conto francês, escrito por Gabrielle-Suzanne Barbot, Dama de Villeneuve, em 1740, conta a história de uma moça que, para salvar o pai, acusado de ladrão, aceita ser prisioneira de um monstro que na verdade é um príncipe amaldiçoado. No filme de 1991, assim como nessa nova versão, sobra maldição para os empregados do príncipe também que acabam se transformando em parte da mobília, da prataria e até da louça do castelo. Também como na versão em desenho animado, a maldição só será quebrada se o monstro conseguir amar e ser amado. E isso tem que ocorrer antes que uma rosa mágica perca totalmente as pétalas.

Protagonizado pela eterna Hermione de Harry Potter, Emma Watson, o filme ainda tem vários atores famosos fazendo as vozes dos empregados transformados. Assim, Ewan McGregor, o Obi Wan de Star Wars, faz o castiçal Lumiere, enquanto Ian McKellen, (Magneto e Gandalf) faz o relógio Cogsworth. Quem rouba o show é Luke Evans como mal caráter Gaston que está hilário como o ótimo vilão que toda boa história merece.

O filme, porém, é irregular, embora cumpra o papel de divertir especialmente quem é fã do desenho original. Várias partes do desenho são reproduzidas de forma idêntica, principalmente a icônica cena da dança, com Emma Thompson substituindo a lendária Angela Lansbury cantando a música tema que, inclusive, ganhou o Oscar em 1992. Há momentos belíssimos para arrancar suor dos olhos mais insensíveis. Mas eu confesso que chegou um momento que eu que pensei comigo: “Ah, não, vou ter que aturar mais uma canção!”. A maioria das músicas que não estavam no desenho são bem chatinhas. O maior defeito, entretanto, fica por conta dos efeitos digitais da Fera que, por problemas da produção, tiveram que ser refeitos às pressas. O plano original era que o ator Dan Stevens, o Matthew da série Downton Abbey, usasse maquiagem, mas a ideia não funcionou. Com a bilheteria chegando aos 500 milhões de dólares pelo mundo, entretanto, é fácil atestar que o filme herdou o charme, a simpatia e os dólares do agora clássico desenho de 1991.

Burocracia e polêmica

Atender as demandas do politicamente correto é sempre um desafio para a criatividade dos roteiristas, bem como a chance de atualizar uma história centenária sem que ela perca sua essência. No caso, trata-se de “Um conto tão antigo como o tempo” segundo a letra original da consagrada canção. A história fala de uma mulher presa por uma fera e que acaba se apaixonando por ela. Algo que há 300 anos, em um continente em que saber ler e escrever era privilégio de poucos, o casamento era algo arranjado por interesse e a noção de romantismo tinha mais a ver com a cultura muçulmana que com a europeia, era fácil de aceitar como uma bela história de amor.

Mesmo o desenho de 1991 foi alvo de críticas pesadas, a mais famosa na também animação Shrek de 2001, quando a princesa Fiona ao ser livrada do feitiço, faz o contrário do que acontece em A Bela e a Fera e assume definitivamente a forma de ogro, ou seja, ser feio ou mesmo monstruoso não precisa necessariamente ser uma maldição e você pode ser aceito  e ser amado sem precisar ser um modelo de beleza. O filme agora tenta contornar isso mostrando que a maldição foi desencadeada por uma bruxa exatamente porque o príncipe se recusou a ver a beleza interior.

A inclusão de negros no filme também causou polêmica. Houve protestos de alguns defensores do “historicamente correto” que não são necessariamente estudantes de história, ou saberiam que já havia muitos negros na França na época em que a história se passa, ou mesmo na época em que o conto foi escrito. Basta lembrar que o consagrado autor Alexandre Dumas, criador de Os Três Mosqueteiros, é negro e nasceu em 1802. Então, a inclusão de negros não é nenhuma grande ousadia, apenas uma correção. Já o personagem gay é tão caricato e paradoxalmente discreto que chega a decepcionar quem esperava algo mais ousado.

Finalmente, sobre a síndrome de Estocolmo, em que a prisioneira se apaixona por seu carcereiro, o filme usa a solução do conto, ou seja, a Bela só se apaixona pela Fera no momento em que esta lhe concede a liberdade de escolha. Entretanto, a rapidez com que a personagem de Emma Watson vai se interessando pelo monstro na medida em que vai passeando pelo castelo e descobrindo que ele tem uma biblioteca gigantesca, objetos mágicos e belos jardins, deixa a impressão que o filme não defende exatamente beleza interior, mas que você pode conquistar uma bela menina mesmo sendo feio, desde que você seja rico.


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