quinta-feira, agosto 07, 2008

O imortal e eu - parte I

Hábito

O imortal e eu

Um conto de não ficção

Parte I – O porquê

O fato relatado aconteceu há oito anos atrás, no dia 27 de março 2000. Dias antes, no dia 23 de março, Carlos Heitor Cony se tornou um imortal da Academia Brasileira de Letras.

Eu estava no segundo ano da faculdade de comunicação. Tinha entrado de gaiato no diretório acadêmico. Como todo processo democrático, a eleição do DA era uma estrutura viciada. Pegavam calouros empolgados do primeiro período, enchiam com idéias de efeito e pronto. Era fácil ser eleito porque ninguém mais se predispunha a disputar a eleição, afinal, os alunos de outros períodos já sabiam que aquilo não adiantava nada, só tomava tempo.

Mas o fato é que entrei. E comigo entrou Raíssa Abreu. Uma das mulheres mais belas que já vi na vida. A miss Juiz de Fora de 2000 era da minha sala, Carla Arantes, parecia uma escultura fashion de tão bonita, ainda assim, ela não batia Raíssa. Ruiva. Olhos azuis. Corpo de Luma.

Sabe aqueles clichês absurdos de filme de espionagem? Quando colocam uma top model no papel de física nuclear? Ah! Eu nunca engoli Elisabeth Shue como cientista em The Hollow Man e The Saint. Mas Raíssa fazia Elisabeth Shue parecer mulher de fim de baile, que você pega por falta de opção. Ela era a deusa, a rainha, a mulher perfeita. E por um capricho de deus, era genial. Melhor aluna, nota mais alta do vestibular, criatura mais estudiosa. Raíssa era tão irreal quanto a situação que pela qual eu passaria.

Talvez você esteja pensado que o texto a seguir tenha a ver com um romance ou mesmo com uma rejeição envolvendo Raíssa. Nada disso. Mas foi por causa dela e do bendito Diretório Acadêmico que conheci Carlos Heitor Cony.

Eu fui ao Rio de Janeiro

Tinha lançado meu primeiro livro meses antes e viajava para divulgá-lo. Estava na casa de uma amiga, próximo ao Maracanã, quando Raíssa ligou. Falou que o Carlos Heitor Cony respondera as cartas dela e que viria, na segunda-feira à Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora para uma palestra gratuita. Pagaríamos apenas um jantar para ele – conseguido com um patrocinador - e a faculdade pagaria o hotel.

Eu imaginei que Raíssa havia anexado a foto dela ao pedido e, por isso, ele teria feito proposta tão generosa. Mas estávamos em 2000, enviar fotos por e-mail não era comum naquela época. Existem determinadas brechas no espaço tempo em que acontecem tragédias em seqüência. Caem aviões, carros arrastam criancinhas pelas ruas do Rio, pais jogam as filhas pelas janelas. As elásticas leis que regem o universo também devem criar seqüências de coisas boas como uma forma de compensação transdimensional.

Mas onde eu entrava nisso?

Raíssa me pediu para acompanhar o Cony durante os dias em que ele estivesse em Juiz de Fora. “Vocês são escritores, devem se entender bem”, explicou a deusa ruiva com seu sotaque mineiro carregado pelo meu celular.

O único “porém”, é que ele viria na segunda-feira cedo e era para eu estar lá para recebê-lo. “Eu estou no Rio, não vou chegar a tempo”, comentei. “Vai sim, cê dá um jeitim”, replicou.

Dez minutos depois, eu liguei para Raíssa com uma solução inusitada. “Você tem o telefone dele?”. “Tenho”. “Liga e pergunta se ele me daria uma carona para Juiz de Fora”. Dez segundos de silêncio. Ela estava rindo? Chorando? Brava com a minha cara de pau?

“Vou te dar o telefone e cê liga para ele, tá joinha?”.

Bom, eu achei ousadia demais ligar para o imortal. Por sorte havia também o telefone do motorista. Este estava mais no meu nível. Liguei e expliquei a situação. Ele disse que “Seu Cony é uma pessoa boa, sempre disposto a ajudar os outros”. Combinamos que eu deveria estar às sete horas da manhã na casa do Cony, na Lagoa Rodrigo de Freitas. “Se demorar, ele vai embora e te deixa aí”.

Não dormi à noite

Não pela emoção de conhecer o escritor recém imortalizado, mas porque dormi na sala da casa de uma amiga junto com ela e suas irmãs...

Eu explico

Era noite do Oscar 2000. Como bons cinéfilos, armamos a sala como se fosse um acampamento. Colchão de frente para a televisão, eu na poltrona e as meninas deitadas. Vale lembrar que 1999 foi o ano de filmes como O Sexto Sentido, O Clube da Luta, Matrix, Beleza Americana (que levou a estatueta) e até do decepcionante retorno de Star Wars aos cinemas. Era um Oscar sagrado aquele.

Eram três irmãs, três pares de seios que insistiam em fugir das roupas largas. Eu vi o Oscar todo, vi os seios, não dormi, só vi. Mas não ousei abusar da hospitalidade alheia. O acampamento era na sala de estar da casa de uma grande amiga, não no campo de Woodstock. Como não conseguia dormir, peguei o livro do Cony que trouxe comigo para fazer o dever de casa e conhecer melhor o escritor que eu deveria ciceronear. Ironia maior não podia haver, estavam lá na sala, eu, os seios e O Ventre.

Decepção

Mas estava sete horas da manhã na porta da casa de Carlos Heitor Cony. Às sete e dez estava na sala de estar de Carlos Heitor Cony, diante de um prêmio Jabuti que, se não me falha a memória, devia ter sete metros de altura e pesar dezoito toneladas. Minto. Mas era grande o suficiente para dar certeza de que ele não o havia trazido sozinho para casa e que eu seria pego ainda na portaria do prédio se tentasse roubá-lo.

Havia uma estante com alguns livros na sala. Corri para ver os títulos que ele havia de ter em destaque. Sabia que me perguntariam isso na faculdade. Decepção. Havia apenas uma vasta videoteca com óperas e algumas edições de livros dele mesmo. Sua biblioteca não estava ali.

Quando finalmente estava frente-a-frente com o imortal, nova decepção. Havia visto o Cony da tevê antes e em vídeos. Sempre achei que fosse maior do que eu. Encontrei um homem pequeno, quase um anão. Era a descrição exata de Severo, seu protagonista de O Ventre. Apesar da barriguinha que o deixava arredondado, era nitidamente um homem que fora magro a maior parte da vida. Eu fui assim, meu apelido era mapa do Chile. Um magrelo reconhece outro pelo cheiro. Baixo, franzino e narigudo. Nada fazia lembrar o gigante falante da tevê. Era tudo efeito do contra-plongée. Apenas a voz retumbante era a mesma. “Onde está o resto do homem?”, pensei. Mas aquele homenzinho cresceria muito nos próximos três dias.

(Continua)

3 comentários:

Félix Maranganha disse...

Três pares de seios! E você não fez nada! Vergonhoso...

Mesmo assim, você conseguiu achar o restante de CHC, ou ele ficou para sempre naquele estado?
kkkk

J.Estel Santiago disse...

uhm... primeiro texto que eu leio seu...
adorei, vc escreve de um jeito que prende a atenção logo de cara, parabéns!!!

Raíssa Abreu disse...

E o "Continua"?